• Nenhum resultado encontrado

A formalização das políticas sobre o romance organizacional

CAPÍTULO 4 – RESULTADOS DO ESTUDO

4.2. Regras percebidas da organização, em relação ao romance organizacional

4.2.1. A formalização das políticas sobre o romance organizacional

A formalização deste tipo de questões de natureza tão sensível, com fronteiras pouco claras que separam o que é vida privada do que é vida profissional dos colaboradores, movimenta-se em areias ainda mais movediças quando a organização tem uma certificação de responsabilidade social a defender. De facto, a norma que a certifica nada refere em concreto acerca deste tipo de relacionamentos, mas o objetivo da sua existência é gerir riscos sociais que afetam sobretudo as pessoas que colaboram com a empresa. Sendo o colaborador o primeiro stakeholder a beneficiar da adoção

53 desta norma, implicitamente tem de ser este mesmo colaborador a sentir as suas condições de trabalho progressivamente melhoradas.

A dúvida que legitimamente se coloca é se com uma política formalizada sobre o romance entre colaboradores, estas condições de trabalho efetivamente melhoravam. Uma formalização por escrito das políticas de romance organizacional poderia de alguma forma colocar em causa a certificação de responsabilidade social? A entrevista com o diretor de recursos humanos da organização não foi conclusiva a este nível, já que o próprio também não a tem a certeza se

“(…) agora com a certificação em responsabilidade social, não sei se escreveu acerca do assunto, mas creio que não.” (E10) De facto não. Questionada a área da organização que gere a área da responsabilidade social, confirma-se que efetivamente não existe nada escrito acerca desta matéria, o tema nunca foi levantado nas auditorias externas ou internas, e nunca se colocou essa questão diretamente à entidade certificadora. O tema já foi no entanto lançado numa reunião do grupo dos representantes dos colaboradores para a responsabilidade social (constituído por colaboradores eleitos por cada uma das lojas), em que um dos elementos colocou a questão da legitimidade das lojas em separarem colaboradores de loja pelo facto de manterem um relacionamento, e a falta de uniformidade de critérios entre lojas e mesmo dentro da própria loja, que se verifica nestas decisões: porque é que uns são separados, e outros, mediante circunstâncias similares, não o são. Esta questão foi na altura registada e reencaminhada, mas não teve seguimento. Provavelmente porque a organização fez um balanço das vantagens e desvantagens da formalização deste tema, e entendeu que a melhor opção seria manter- se na linha da informalidade, baseando-se num documento generalista que serve de apoio e tem linhas orientadoras de como a empresa espera que os seus colaboradores se comportem: o código de conduta da organização.

“Não há qualquer secretismo envolvido: simplesmente não está escrito porque não sentimos essa necessidade.” (E10) Este código é dirigido a todos os colaboradores, constitui um dos referenciais da certificação de responsabilidade social, que a dada altura a propósito do “Respeito pelos outros” refere que: “Protegemos a privacidade e confidencialidade das informações de

54 carater pessoal” (Organização X, 2011a, p. 11). Todos os colaboradores estão sujeitos às suas regras, e:

“Quem prevarica, é penalizado.” (E10) E com uma política de romances formalizada, conseguiria a organização manter a certificação, e simultaneamente assegurar o respeito pela privacidade?

“Não sei se existe algum impedimento de que as mesmas sejam formalizadas por questões de Responsabilidade Social” (E6) “Nunca vi nada escrito, e tenho dúvidas se pode haver! Ainda mais agora com a certificação em Responsabilidade Social.” (E8) “(…) penso que seria muito complicado a empresa definir uma regra a este nível. Acho que eticamente… estar escrito na “bíblia da empresa” como se atua perante relacionamentos entre colaboradores, seria complicado. Até mesmo por questões de responsabilidade social.” (E9) “Eu não sei o que se passa em todas as lojas, mas o facto da empresa ter um código de conduta com os seus valores, a sua forma de estar, a preocupação com a conciliação, etc, mesmo para aqueles que não vivem juntos ou que são solteiros, sentem-se com certeza muito mais reintegrados e trabalham muito melhor do que numa situação em que não há regras nem controle.” (E10) “(…) entre colaboradores, seria complicado. Até mesmo por questões de responsabilidade social.” (E9) As opiniões dividem-se no que respeita às vantagens da formalização das regras sobre o romance organizacional. Funções de topo na hierarquia com responsabilidades de gestão defendem que acima do código de conduta, está o princípio da confiança e da boa fé que estabelecemos com a empresa… Tal como quando é formalizado um contrato de trabalho está implícito que não se pode roubar, também não há necessidade de escrever o que quer que seja acerca do romance organizacional:

“(…) o princípio da confiança e da boa fé que estabelecemos com a empresa… quando assinamos o contrato com a empresa, e mesmo não havendo o código de conduta, está implícito que “não se pode roubar produtos”… não é preciso estar escrito. O mesmo se passa com estas situações de favoritismos seja nas amizades, nos conluios, ou nos romances. E isto tem apenas e só a ver com a nossa formação enquanto pessoas.” (E7)

55 “Pode não estar escrito, mas efetivamente há valores que a empresa não aceita que sejam postos em causa. Quando são situações que acontecem em loja, a maior parte das vezes o diretor de loja telefona-me. Quando as relações são oficiais, acredito que há uniformidade na aplicabilidade destas regras em termos transversais na companhia.” (E10) Já as funções com maior ligação ao serviço de recursos humanos, numa primeira análise, consideram que existência de uma normativa ou de um referencial com pistas para os decisores que os ajudassem a agir de uma ou de outra forma quando confrontados com um romance organizacional, para além de facilitar a tomada de decisão, promoveria a homogeneidade de critérios nas decisões, e possivelmente diluiria o sentimento de injustiça que parece hoje em dia existir pela dualidade de critérios usada em situações (aparentemente) similares. Assim, os colaboradores já estariam preparados para eventuais prejuízos pessoais como consequência das decisões que podem vir a seguir. Poderia ser, até, uma forma de obter uma melhor resposta na aplicabilidade das políticas de responsabilidade social da empresa, desde que objetivamente comunicadas aos colaboradores e futuros colaboradores no momento da sua entrada na organização.

“(…) estas regras escritas tinham de ser do conhecimento das pessoas ainda antes de entrarem (por exemplo: “não é permitido que colaboradores oriundos das áreas da segurança, portarias e caixas mantenham relacionamentos afetivos entre si na mesma loja. Se os mesmos ocorrerem, existe a opção A, B ou C que ficará a cargo da loja decidir, sempre que possível de uma forma sincronizada com os envolvidos”/ “Não podem acontecer relacionamentos hierárquicos na mesma loja”/ “os tempo limite para que estas situações sejam resolvidas é X”). Porque acho que isso é justo: as pessoas terem conhecimento das regras do jogo, coisa que hoje em dia não acontece… não há nada.” (E6) “E em todo o caso, qualquer que fosse a decisão da empresa na definição destas “regras base”, era importante serem transmitidas “à cabeça”, logo quando a pessoa é recrutada (…) deveríamos ter uma base que definisse dois ou três pontos de uma forma muito clara, e transversais para toda a companhia. E isto talvez reduzisse o sentimento de injustiça que alguns colaboradores sentem (…) é importante que as pessoas percebam o que é que está por de trás. Para que depois, se acontecer algum

56 envolvimento, eles já conhecem a realidade e gostem ou concordem, aceitem a decisão.” (E9) A necessidade da formalização, e a existência de um referencial ou de um normativo, não parece ser mais do que um pedido de ajuda por parte de quem gere as pessoas, e tem de decidir sobre a vida das mesmas, na gestão dos impactos pessoais nos colaboradores a que não podem ficar indiferentes. Muitas vezes quando olham para o seu homónimo da loja vizinha, apercebem-se que ele agiu de diferente forma da sua… Precisamente da forma que gostariam de ter agido, a forma com que mais se identificam, mas que achavam que vão contra as regras da empresa. Este apelo à formalização pode traduzir uma certa insegurança e a necessidade de ter uma salvaguarda para quem toma as decisões. Um apoio, um suporte, para aguentar com confiança as possíveis consequências.

“(…) não é possível termos dois casais na mesma secção, e isso está mais que provados, mas depois nunca avançamos para uma declaração efetiva! Penso que este tipo de regras básicas deveriam ser criadas e escritas, para profissionalizar um bocadinho este tema, de forma a que nos orientassem a nós nas lojas, em como atuar perante situações básicas. É óbvio que nós a avançarmos com uma posição dessas, tudo tinha que começar por ser público e transparente, teríamos de saber exatamente “quem temos”…Porque no fundo, a empresa ia mudar de registo. Mas eu acho que só tínhamos a ganhar com isso, porque hoje em dia ficamos demasiadas vezes no livre arbítrio, o que é muito desconfortável, principalmente para quem toma as decisões. Muitas vezes eu quero ir além do que a lei diz, e como é tudo muito pouco claro, nem sempre se consegue encontrar uma resposta. E a decisão… vai ser aquilo que eu quiser, tal como as consequências serão minhas.” (E9) Um referencial poderia ser um apoio, mas os entrevistados partilham a ideia de que esta formalização não alimenta as ilusões de quem quer pôr o “preto no branco”: esta seria apenas uma forma de dar a conhecer as regras básicas do jogo. Aliás, na perspectiva dos recursos humanos, conseguir esta clarificação seria até indesejável: é essencial manter sempre uma margem cinzenta, que permita a gestão caso a caso… Até porque estamos a falar de gestão de pessoas, e implicitamente das suas vidas.

“(…) para podermos trabalhar de uma forma diferente, na minha opinião teria de ser caso a caso.” (E9)

57 “(…) mas é importante que as pessoas percebam o que é que está por de trás (da decisão). Para que depois, se acontecer algum envolvimento, eles já conhecem a realidade, e gostem ou não gostem, concordem ou não concordem, aceitem a decisão.” (E6) Num cenário extremo e eventualmente inaceitável à luz da legislação atual ou da certificação de responsabilidade social, se fosse possível existir uma cláusula no contrato de trabalho que referisse a obrigatoriedade do trabalhador comunicar formalmente (mediante procedimentos claramente estabelecidos) um romance organizacional e enumerasse as consequências no caso de não o fazer, isso permitiria à empresa retirar desse incumprimento todas as consequências e agir em conformidade. Mas…

“(…) isto fará sentido? Justificaria despedir alguém de boa fé (que apenas não tinha comunicado a sua relação por cautela) por um motivo como este?” (E7) E será que é necessário pintar um cenário tão extremo quanto este, para que se consiga retratar a complexidade e sensibilidade do tema? A reflexão dos entrevistados E6 e E9 acerca da necessidade de um referencial ou de uma normativa que apoiasse nas decisões em relação aos romances organizacionais, suscita bastantes dúvidas. Fará sentido que a empresa apresente a sua “montra” regras sobre o romance organizacional a um novo colaborador? Que tipo de reações, sentimentos e impactos provocaria nos candidatos?

“(…) na estranheza que poderá causar a candidatos ouvir falar nestas regras… Eu acho que podia haver, mas também confesso que não seja algo essencial… Não sei. Acho que é um tema tão difícil que não sei se haverá mais vantagens ou desvantagens em formalizar regras.” (E6) A ideia que fica é que os colaboradores envolvidos em romances organizacionais não vêm razão para não dar conhecimento à empresa, e não se sentem arrependidos por o terem feito (muito pelo contrário): sentem-se mais “à vontade”, sem medo do risco de serem vistos por elementos da organização, sem a pressão de ter de manter segredo acerca da situação, e acima de tudo, de “consciência tranquila”.

58