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CAPÍTULO 4 – RESULTADOS DO ESTUDO

4.5. Outros tipos de relacionamentos interpessoais

4.5.3. As amizades

Ter amigos no local de trabalho é provavelmente importante para determinados indivíduos, em determinados momentos das suas vidas. Por seu lado, trabalhar num ambiente amigável, não requer um profundo envolvimento emocional entre os indivíduos, e pode ser mais benéfico em termos de desempenho organizacional do que os amigos no trabalho. A questão das amizades no local de trabalho é bem traduzida por um dos entrevistados do estudo de Morrison & Nolan (2007): “as amizades fazem parte do nosso dia a dia. Quanto mais perto estiver de alguém ou de algum grupo de indivíduos, mais pessoais eles se transformam para mim, o que não é o ideal para o ambiente de trabalho." (Morrison & Nolan, 2007, p. 41).

À parte dos colaboradores mal-intencionados que se acredita serem uma minoria, a grande maioria dos colaboradores das organizações são pessoas de “carne e osso”, com momentos melhores e outros piores, e que em determinadas fases da vida podem sentir uma maior necessidade de partilhar angustias e preocupações do seu trabalho que impactam na sua vida pessoal, e que só são completamente percebidas e sentidas por quem vive a mesma realidade. Os horários atípicos, a intensidade do trabalho, e o

110 conhecimento da mesma realidade, são fatores que parecem favorecer a aproximação entre as pessoas:

“Chegamos a casa, e desabafamos com a pessoa com quem vivemos, e que ainda por cima conhece a realidade a que nos referimos.” (E1) “E o facto de termos um relacionamento com uma pessoa que sabe como é esta vida, facilita (o incómodo não deixa e existir, mas o outro também o vive).” (E3) “E mesmo estando os dois a trabalhar nisto, às vezes assaltam-nos vontades e incompreensões, chegando-se até a questionar coisas que nós sabemos perfeitamente que funcionam na base da imprevisibilidade “mas então afinal quando é que é o teu fim de semana de folga??”. Até os dois conhecendo este mundo, há esse atrito, quanto mais quando estamos a falar de casais em que só um sabe o que é trabalhar na distribuição… deve ser muito complicado, e não tenho dúvidas que deve ser muito cobrado ao elemento que trabalha nesta área.” (E5) “Penso que os horários malucos desta atividade fazem com que as pessoas se aproximem mais, partilhem das mesmas alegrias e angústias… basta estar um pouco mais vulnerável, e encontrar alguém por quem tenhamos alguma afinidade, para que a aproximação ocorra (…)” (E5) “… pelo número de horas que aqui passam juntos, e pela realidade tão característica deste mundo… Só uma pessoa que trabalha nisto consegue perceber determinadas coisas…” (E7) “Os que cá trabalham, têm o seu dia a dia muito parecido, conhecem os problemas que aqui se vivem, conhecem as pessoas que cá trabalham, e como tal é capaz de ser mais fácil de se encontrar pontos de compreensão.” (E7) “Eventualmente também as pessoas que trabalhem na mesma realidade se possam sentir mais compreendidos um pelo outro, principalmente numa atividade intensa e exigente como esta.” (E9) “Recordo-me perfeitamente que quando entrei para a empresa, e dizia que namorava, imensa gente comentava “dou-te 6 meses para isso ir à vida”. Uma coisa aflitiva! Mas tenho a noção de que se hoje ainda mantenho esta relação, é porque tenho um “santo” em casa, de uma enorme compreensão, e com características pessoais muito específicas. Caso contrário sei que seria difícil alguém que não sabe o que é o mundo da distribuição, desculpar e compreender algumas aberrações que nós fazemos

111 sem nos darmos conta (desde trabalhar jornadas infindáveis, a vir trabalhar nas férias, até a passar noites na loja).” (E9) “O facto de ambos conhecerem a mesma realidade é um fator que penso que ajuda. E vejo isto por mim, quando em casa me apercebo que é difícil de perceberem o “grande mundo da distribuição”. Este é um tipo de trabalho muito absorvente, e com um grau de investimento maior do que o normal.” (E10) “O grande desafio está no conjugue perceber a realidade em que estamos inseridos, porque é que passamos tanto tempo na empresa, etc. Se não houver esta transparência e confiança, evidentemente que a relação vai sair afetada. É também importante não “pisar a linha”, e usufruir ao máximo o tempo passado em conjunto (gozando as férias todas, sem interrupções, sem telemóveis sempre a tocar…)” (E10) As amizades em contexto laboral podem ser valiosas tanto para os colaboradores como para as organizações, mas alguns aspectos dessas relações tais como por exemplo a indefinição dos seus limites, e o tempo de dedicação à amizade, pode levar a distrações no trabalho. Assim, ter amigos no local de trabalho pode criar inúmeras dificuldades para os colaboradores. Os efeitos secundários destas dificuldades são a diminuição de resultados para os empregadores, como resultado da distracção ou da ansiedade causada por colaboradores que só conseguem gerir as suas amizades no local de trabalho. Existem indivíduos mais conscientes que outros no que respeita à dualidade entre a manutenção de um ambiente de trabalho amigável e do desempenho de seu papel formal. A tensão e o esforço que são necessários para manter relações de amizade foi evidente no tom dos respondentes, onde muitas vezes as pessoas se sentiram obrigadas a exercer grande contenção em esconder seus verdadeiros sentimentos para os amigos (Morrison & Nolan, 2007).

Decorrentes destas caraterísticas tão particulares do setor, nascem muitas vezes assim as amizades entre colaboradores, que não raramente se transformam em romances:

“Eu continuo a manter os meus amigos de infância, mas estou com eles duas ou três vezes no ano… Agora, os meus amigos… estão aqui (na organização X). Eu tenho colegas de trabalho que são amigos… claramente amigos.” (E3) “De facto criamos amizades fora e dentro da empresa, daqueles que se contam pelos dedos de uma mão, mas a que se podem chamar de amigos verdadeiros.” (E5)

112 “Eu estava numa situação pessoal sensível… estava infeliz, digamos assim. Eu não estava propriamente “à procura”, mas estava carente e frágil, e ambos estávamos disponíveis, o que favoreceu o nosso relacionamento. (…) Depois acabávamos por falar de outras coisas: música, cinemas, as nossa vidas, … Foi-se construindo uma amizade muito forte, até que um dia nos apercebemos que aquilo não era só amizade.” (E9) “Criam-se amizades, que muitas vezes se transformam em relacionamentos mais profundos.” (E10) A importância da separação da relação de amizade da relação profissional é premente, e é algo a que a organização parece estar atenta. Os possíveis impactos nas avaliações de desempenho e promoções podem ser dramáticos, e por isso têm vindo a ser tomadas algumas medidas no sentido de se minimizarem estes riscos:

“O que pode ser perverso é se a pessoa não está preparada, e alguém tenta influenciar por exemplo uma decisão de promoção em nome de uma relação de amizade.” (E10) “(…) eu posso apreciar um determinado tipo de perfil de pessoas (.e. frontais), e um colega meu detestar. É necessário mais do que isto: é necessário fundamentar se aquela pessoa é bom ou mau profissional. E às vezes confunde-se tudo! Uma determinada pessoa pode ser um “lambe botas”, mas ser um bom profissional, ou então com o pensamento de que: “ele não é bom profissional, mas como me dá jeito ter um “lambe botas” que me mantenha informado acerca de tudo, eu escolho-o para a minha equipa”. Eu gosto de trabalhar com pessoas que me dão confiança, como a grande maioria das pessoas. Até há pouco tempo, era prática habitual na empresa, sempre que se movimentava um diretor de loja para outra loja nova, juntamente com ele vinham uma série de pessoas da sua confiança. E acreditava que só sabia trabalhar com aquelas pessoas. Desde há quatro anos para cá, nas aberturas de loja, os diretores de loja não escolhem qualquer elemento da sua equipa: criamos o conceito de “loja chave na mão”. Tive imensas pessoas contra esta minha decisão, mas a verdade é que estas pessoas acabavam por trabalhar durante anos e anos com um grupo muito restrito de profissionais, que formavam uma equipa construída à imagem e semelhança do seu diretor. Constituíam um conjunto de pessoas da confiança do diretor de loja que acabavam por ficar limitadas em termos de evolução profissional, porque só conheciam aquela realidade, com aquela chefia, construindo-se consequentemente uma relação

113 demasiado próxima. A par desta medida, foi implementado o sistema de avaliação de desempenho por competências na empresa. De alguma forma terminei com a dicotomia que havia entre ser um bom colaborador, e ser um bom amigo. As chefias precisavam desta ajuda para separar as coisas na avaliação, apesar de continuarem a existir pessoas que ainda não conseguem distinguir isto.” (E10) “O meu percurso na empresa começou como chefe de secção (…), passados cerca de 3 anos fui promovido a chefe de departamento (…), e passados cerca de 3 anos fui promovido a diretor de loja. Isto levanta especulação, e sei que há quem fale dos meus supostos “padrinhos”. Quando entrei concorri através de um anúncio do expresso, vim a entrevista, fui selecionado, e não conhecia rigorosamente ninguém que cá trabalhasse. Na loja onde comecei, houve uma pessoa com que simpatizei mais, com quem criei mais empatia… coisas que não se conseguem explicar muito bem porquê, mas que acontecem. Era chefe de departamento, e acompanhou-me imenso, deu-me imensos conselhos, (…) enfim, desenvolvia-me, e acreditava em mim! Entretanto ele foi promovido a diretor adjunto, e acredito que ele influenciou o diretor regional para eu ser promovido. Se o diretor regional acreditou em mim e apostou em mim, não foi por me conhecer bem enquanto profissional. Foi influenciado por alguém que acreditava em mim, que não era (ainda) meu amigo, mas que com o tempo se transformou.” (E7) Este novo modelo de avaliação de desempenho aplicado a “chefias” e “não chefias”, é baseado na análise, na gestão e no desenvolvimento de competências, garantindo um maior rigor, bem como a igualdade de acesso à evolução profissional. Tal como referiu o diretor de recursos humanos, verifica-se que se por um lado existem colaboradores que identificam em si e nos colegas esta capacidade de não se deixarem influenciar em decisões por relações de amizade, existem outros relatos reveladores de que esta separação nem sempre é linear ou simples. De uma forma geral, todos identificam em si próprios esta capacidade de discernimento, mas nem sempre a identificam nos outros:

“Por exemplo, já trabalhei com um diretor que, para além de ser meu diretor era (e é) também meu amigo. Posso dizer que ele nunca misturou as coisas: sempre muito profissional nas decisões, independentemente de eu ser amiga dele, e casada com um par dele.” (E5)

114 “Eu não posso ver o mundo apenas à luz dos meus olhos, e posso ter uma grande relação de amizade com alguém da empresa, e no entanto na hora de ter que dizer alguma coisa, até pode ser irmão do papa… que eu digo. Ou seja, não me inibi de dizer aquilo que tenho para dizer. Mas tenho dúvidas que toda a gente tenha esta forma de ver as coisas…” (E9) “(…) o nosso próprio trabalho funciona melhor se houver espírito de camaradagem, espírito de equipa, empatia, e diria até amizade! E de facto a empresa valoriza que isto exista entre colegas da mesma loja, sem regras e sem filtro! Na avaliação de desempenho é-se penalizado se a interação com os colegas não for conforme a empresa espera.” (E2) “Eu conheço colegas que grande parte das pessoas com quem trabalha, são pessoas com quem ela tem uma relação de amizade fortíssima, que frequentam a casa dela… Uma delas eu conheço bem, e sei que consegue separar as coisas. Mas acredito que nem todos façam questão de ser assim.” (E9) “Estou a lembrar-me de uma chefe de secção que perante a possibilidade de um elemento da sua equipa ser transferido para outra loja, ela dizia-me: “que bom, agora já vou poder ser amiga dela”. Ela criou uma barreira intransponível entre ela e os elementos da sua equipa, que não lhe permitia ser amiga deles. E não sei até que ponto existam outras chefias com estes conceitos pouco claros.” (E9) “A maior parte das pessoas desconhece esta nossa amizade, eventualmente poderão achar estranho nós tratarmo-nos por “tu”, mas evito ao máximo que a nossa amizade influencie uma eventual decisão de promoção dele. Tudo isto depende da personalidade e da postura das pessoas… Eu sou assim, mas há quem não tenha esta preocupação tão presente.” (E10)