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6 JOGANDO EM PARCERIAS: O FUNCIONAMENTO DO GRUPO DE ESTUDOS

6.2 O MEU OLHAR SOBRE COMO CADA UM ORGANIZOU O SEU DIZER (AS FORMULAÇÕES)

6.2.3 A formulação de NA: lidando com a sensibilidade

As condições específicas da escrita, Anexo-C, situam-na como coordenadora de campo, sem curso superior, mas como uma das fundadoras do Projeto Paraguaçu. Se, por um lado, NA não completou a escolarização oficial; por outro lado, tem uma experiência de trabalho de campo abrangente, tanto no Brasil, como no exterior.19 Daí o cargo de coordenadora de campo decorre desse status,

dentro do grupo. Ela não faz parte da Universidade, mas vive em meio aos estudantes, onde tem grande penetração.

No que se refere à tarefa de redigir um relato, a sua posição de coordenadora poderia muito bem ausentá-la, porém a política de trabalho do Projeto Paraguaçu sustenta que a sociabilização é uma das condições da convivência coletiva. Com vivências nos trabalhos de campo, os leitores podem notar isso.

Visando inventar outros modos de ler a experiência e de registrar essa leitura, NA escolhe a poesia para expressar suas impressões. Impressões de viagem. Cada estrofe tem um vagão diferente do trem, mas essa viagem, mais do que turística é sensível, calorosa, incompleta, dependente das sensações de cada um.

NA, portanto, transforma o símbolo da Revolução Industrial, o trem, em um ‘’carregador’’ de sensações e não de passageiros ou cargas. Apropria-se de um dos signos da velocidade dos não-lugares e deforma o ‘’anonimato’’ de passageiro: transforma-o em singularidade da pessoa. A viagem não é aquela que se faz em um trem de passageiros, mas em um livro de poesias, em que as sensações são fundamentais. Nesse livro, ‘’a sensibilidade de cada um é que vai dizer o seu lugar’’.

O olhar desses ‘’viajantes’’, que se contrapõe aos ‘’viajantes’’ do relato anterior (de JM), tem a característica de ser ‘’mais poético’’, mais caloroso.

Interessante é observar a estruturação do texto.

Para tal intento, vou optar por retomar algumas expressões ou estrofes,

19 Só para se ter a dimensão dos locais percorridos por NA, no Brasil, cito: Cachoeira, Geremoabo,

Lençóis, Sobradinho, Irecê, Valença, Cruz das Almas, Barreiras, Santa Brígida (Bahia); Tracunhaém (Pernambuco); Cabedelo (Paraíba); Pontal da Barra (Alagoas); Alcântara e Olinda Nova do Maranhão (Maranhão); Cachoeira do Brumado, Ouro Preto, Pirapora e vários distritos de Minas Gerais; Paraty (Rio de Janeiro); Urussanga (Santa Catarina) e vários municípios dentro do Programa UFBA em Campo. No exterior, NA trabalhou em Gualaceo Chordeleg e Sucua (Equador).

transcrevê-las, na íntegra, e analisá-las, quando necessário for.

Primeiramente, a poesia começa como prosa. A passagem de uma para outra, vai ocorrendo gradativamente, ou melhor dizendo na medida que a sensibilidade vai aflorando. Na parte final, entretanto, a prosa parece querer retornar: as rimas desaparecem e fecha-se o texto.

Aqui, a pessoa diferencia bem a completude/incompletude do texto. A noção desenvolvida por Orlandi (2001a, 2001b, 2002) de texto empírico/teórico emerge, nesse caso, de forma bem nítida. O texto empírico, somente para refrescar a memória, é aquele com começo, meio e fim, é a materialização propriamente dita; já o teórico corresponde à associação com as condições de produção do discurso e, nesse ponto, há uma incompletude daquela materialização. Só para o leitor ter o entendimento dessa distinção, podemos tomar o relato de NA: considerando as duas laudas em mãos, temos um texto empírico completo; porém, ao fazer essa análise, sinalizo para a possibilidade de abertura do texto (teórico), de relação com a situação imediata.

Algumas marcas apontam para essa completude como, por exemplo, a já referida estruturação do texto em prosa-poesia-prosa e mais a parte final em que NA declara que ‘’Para formar o trem, com todos os vagões completos [grifo meu], chegou a dança afro mostrando o seu universo, subiram a rua dançando, com todos passageiros aplaudindo.’’ Junta-se a isso, a imagem dos vagões que são espaços fechados, caminham um atrás do outro e, por isso, dependem do trem como um todo. Param em uma estação.

Marcas de incompletude, por sua vez, esticam as tendências ao fechamento do texto. A frase que inicia a viagem propriamente dita tem a intenção de incluir outras impressões crescendo os vagões e o texto:

Chegamos. Fiquei um pouco assustada, pois não via ninguém. De repente, surge o prefácio do livro em forma de teatro, percorrendo a praça, justamente para acordar o povo, avisando-lhe que o livro estava abrindo suas páginas para que todos, nelas, viajassem. Quando eu, uma pequena partícula que ali estava, embarquei neste processo, já tinha milhares de passageiros.

A possibilidade de crescimento está marcada pela participação de todos que quiserem ler/viajar, porque ‘’esse mundo é infinito, ninguém consegue esgotar, /quando você dominar uma coisa, outra está para chegar’’. O último enunciado é prova concreta dessa abertura para o outro, para a busca do ‘’excedente de visão’’ sobre o acontecimento, quando NA afirma que ‘’Encerramos esta viagem, com certeza que outras virão, creio que teremos de aumentar os vagões deste trem’’. Encerra-se o texto empírico e abre-se a oportunidade para que outras oficinas/ leituras cresçam essa experiência/ esse texto ainda mais.

Essa noção de completude/ incompletude se confunde com a noção da própria constituição do ser, que é pautado nessa tensão, e também com a intenção que temos de querer engessar as vivências. NA sinaliza para o movimento do grupo que se desenvolve com momentos de vontade de fechamento e vontade de abertura. Esses momentos não são sintonizados, em relação a cada participante do grupo, o que lhe confere complexidade. O uso da sensibilidade entra nesse momento: quando um está no seu instante de fechar-se, o outro pode estar no estágio de imcompletude; então, aí está a oportunidade de parcerias e de novas vivências para que o fechamento do grupo não seja uma vontade quase unânime.

Fechando, assim, esse momento, posso passar a jogada para a formulação seguinte.