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A formulação de IV: em busca de outras parcerias para sobrevivência do grupo

6 JOGANDO EM PARCERIAS: O FUNCIONAMENTO DO GRUPO DE ESTUDOS

6.2 O MEU OLHAR SOBRE COMO CADA UM ORGANIZOU O SEU DIZER (AS FORMULAÇÕES)

6.2.7 A formulação de IV: em busca de outras parcerias para sobrevivência do grupo

As condições específicas de registro, Anexo-G, situam-no como estudante de Psicologia, membro do projeto desde 2001, e como não participante do UFBA em Campo.

Aqui o Projeto Paraguaçu alcança quatro anos de convivência (1999-2003) e entra numa outra fase, já explicitada.

Paralelo às ações apontadas dentro da proposta de re-aprovação do projeto, outras possibilidades de trabalho conjunto iam se desenhando em constantes visitas e até mesmo em iniciativas ‘’oficiais’’ (autorizadas pela Academia). Os estudantes referidos por IV tinham aproveitado a oportunidade criada pela instituição (UFBA) e acionado formas de convivência ainda maior, dessa vez com pessoas mais determinadas, já que assim exigiam os seus interesses acadêmicos: enquanto BR optou por um trabalho final de curso versando sobre os pescadores do Iguape; LA tinha pela frente um estágio junto a Escola Rural, uma chance de maior contato com as professoras da região.

Digo isso porque o Projeto Paraguaçu passava por uma fase em que as pessoas iam se formando e trabalhando em outras coisas, algumas tiveram, inclusive, que abandonar o trabalho de campo, apesar do sofrimento que isso lhes causava. Chances como as de BR e LA eram fundamentais para vivenciar o ambiente de Santiago do Iguape durante a semana.

IV, em seu relato, chega a mencionar uma viagem que realizou durante a semana para presenciar a prática pedagógica de uma professora muito considerada no local, JU. Esta tem o respeito de grande parte dos moradores dos povoados circunvizinhos de Santiago do Iguape. Relata também alguns contatos que teve com os assentados do MLT (Movimento de Libertação pela Terra), na região chamada de Caimbongo, onde o grupo da Universidade chegou a subir algumas vezes – um acesso extremamente difícil com uma distância enorme entre as casas (algumas pessoas nem casa possuem ainda, apenas uma lona).

essencialmente por pessoas da Companhia de Dança Afro-brasileira do Vale do Iguape, com a intenção de discutir o Desenvolvimento Sustentável do Iguape, contando com a participação de autoridades de Cachoeira e um representante do INCRA. O local onde ocorreu o evento foi o Centro de Educação e Cultura do Vale do Iguape.

Logo no início do relato, IV denuncia esse período de ‘’dificuldade de equacionar o tempo que cada membro disponibiliza ao projeto hoje e as demandas que já se acumulam a algum tempo’’. Isso está materializado na afirmação em relação à elaboração do relato:

Após longo tempo sem escrever relatório algum, volto a preparar algo para o projeto. Não consigo ter mais a mesma capacidade de apresentar um relato mais impressionista como nos primeiros momentos do projeto, apesar da riqueza das vivências da viagem dos dias 18 e 19 de janeiro. Termino sempre entrando em algum tipo de análise, com dificuldade de permitir ser desvirginado (no bom sentido) pelos acontecimentos.

O longo tempo sem escrever um relato significa que há um distanciamento em relação ao movimento do Paraguaçu. Isso explica o caráter tenso em que o relato está apoiado. Às amplas possibilidades que emergem de trabalho, se opõe o afastamento de algumas pessoas do grupo Universidade e, por isso, a tensão no discurso, materializado no texto do relato.

IV, inicialmente, sente a necessidade de centrar sua escrita ‘’em algum tipo de análise’’ e não mais num ‘’relato mais impressionista’’, porém mescla as duas formas de dizer, principalmente nas duas primeiras partes do relato: ‘’As últimas viagens’’ e ‘’Na escola do Caonge’’. Na primeira, refere-se aos assentados e descreve um pouco como o ambiente se desenha; na segunda, esboça o que presenciou na escola rural do Caonge, fundamentalmente no parágrafo inicial.

IV se dá conta das possibilidades, e apresenta algumas no seu relato, mas não se limita a isso, busca re-significar uma prática dos não-lugares – que seria de acionar outras pessoas ‘’especializadas‘’ para cada caso emergente, visando dar conta da demanda – através da reflexão.

Sinto a necessidade de “afunilar” as ações de modo a pensar mais realisticamente na nossa disposição (ou disponibilidade) efetiva para o projeto. A comunidade é imensa, e justamente por isso, sinto necessidade de ancorar nossas ações em algum (uns) pontos. Ao pensar em qualquer ação mais efetiva, deparo-me com a limitação concreta de tempo, não apensa [apenas] minha. Estamos na iminência de iniciar as oficinas, que por si só darão um novo pique ao projeto, mas ainda assim penso que talvez falte alguma ação subjacente a estas atividades, que possa alinhavar estes acontecimentos, como a criação de um grupo mínimo que possa aglutinar, gerir, refletir sobre, desdobrar estas experiências.

Isso diz tudo da intencionalidade de IV. O apoio dos grupos humanos de Santiago do Iguape, que se ‘’ajuntaram’’ em outras ações como a do Seminário de Desenvolvimento Sustentável, é a base para dar conta dessas demandas todas apontadas na proposta e outras a se desenharem. Por isso, ele cita as três experiências vivenciadas nas viagens. Nada no texto está por estar. Tudo está marcado pela intencionalidade da função autor. Por exemplo, a postura de DO, assentada do Caimbongo, ‘’um ‘’oásis’’ no meio de tanta queixa’’, ‘’que parece ter uma liderança mesmo no pequeno grupo que cerca sua terra’’ e o questionamento acerca da união dos sem-terra mesmo diante da distância das casas; a chamada para ‘’o poder de organização das pessoas e em certo sentido a liderança de AN’’ no Seminário; além do destaque para a permanência dos estudantes de JU na escola, mesmo diante das dificuldades; tudo isso serve de lição para que as pessoas do Paraguaçu dêem conta das demandas do acervo, das oficinas (que ainda ‘’nem começaram!’’) bem como das dificuldades decorrentes do afastamento inevitável de alguns membros.

Mesmo diante desse esfriamento das relações e do envolvimento com o projeto, o que não está dito, mas pode ser lido, é que IV acredita que parcerias com grupos (ou subgrupos) constituídos do local (inativos ou não contatados) pode resolver o problema da grande demanda e das fartas possibilidades que o trabalho de campo oferece.

Ele apresenta alguns caminhos como o reforço da idéia do Centro Cultural, que até então está no papel e só realiza algumas ações esparsas. Sugere uma Mostra de Vídeo. Além disso retoma a idéia do jornal local, mas o que de fato o chama atenção é a parceria com alguns jovens, inseridos em grupos constituídos:

Penso que talvez nossos esforços devessem concentrar-se mais em “meta-ações”, ações que pudessem se dar na relação com algum grupo humano, que talvez ainda não esteja constituído como tal, mas que pode vir a se constituir desde que haja algo em comum. Peraí, mas não é essa a proposta do projeto desde o início? Acho que sim, mais de fato, o contato com os jovens, especialmente, os que estudam, ainda é pequeno.

Em meio a uma memória discursiva arquivada que tem como objetivo resolver problemas imediatamente, dada a velocidade que circula nas práticas dos não-lugares, IV é afetado pela pressão do tempo da proposta aprovada (que é de dois anos), mas adota um gesto de leitura dos acontecimentos que se pauta na reflexão conjunta não só com os grupos humanos Universidade, mas também com os grupos humanos de Santiago do Iguape. Mais do que pedir ‘’ajuda’’ aos ‘’especializados’’ em determinadas áreas na Academia, IV sinaliza por uma parceria junto às lideranças ou grupos constituídos de Santiago do Iguape, algo previsto na filosofia de ação do Paraguaçu, mas esquecido num momento como o relatado por ele.

A tensão desse estudante ainda se revela no enunciado final do texto, quando revela:

Pergunto-me se não estou mais uma vez, pensando pelas pessoas da comunidade e querendo colocar meu desejo sobre os delas. De fato corro este risco sempre, mas não vou reler o relatório, nem repensá-lo agora, já que saiu com dificuldade, mas de uma vez. Ficam aí as questões para pensarmos juntos.

O texto de IV centra na negociação com o texto, principalmente no que concerne à cronologia. A materialização dessa preocupação está evidenciada quando ele coloca que não há porque reler o que se escreveu. Por outro lado, existe a temporalidade local que ressoa na sua escrita quando IV sugere que se pense junto e diz que o relato escrito ‘’saiu com dificuldade’’ (leia-se reflexão); além da sugestão, que está no não dito, de que o contato com os jovens e outras lideranças se fortaleçam, algo que demandaria mais tempo cronológico.