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CAPÍTULO 2 A INVESTIGAÇÃO HISTÓRICA E A EDUCAÇÃO MATEMÁTICA

2.3 A HISTÓRIA DA MATEMÁTICA E SUAS IMPLICAÇÕES PEDAGÓGICAS NO ENSINO DA MATEMÁTICA

2.3.1 A função da história na construção da matemática

Ao lado do rico legado das aplicações matemáticas a história da matemática apurou igualmente para nosso uso um conjunto de métodos e modos de pensar que são tão valiosos quanto à produção matemática propriamente dita (como a equação de reta que passa por dois pontos, o conceito de função, o valor do número π entre muitos outros). Esses modos matemáticos de pensar se constituem um poderoso instrumento para ver e compreender o mundo.

Historicamente a matemática foi sendo construída pela humanidade, desde os primórdios da existência do homem na face da terra e cada sociedade que contribuiu para sua formação, foi difundindo-a culturalmente, mantendo-a viva por estudiosos do assunto através de textos de divulgação científica ou através de manuais escolares. Este percurso histórico permite estabelecer um diálogo entre o conhecimento aprendido, a memória da prática manipulativa que utiliza os objetos matemáticos, os textos, documentos, relatos da prática e outros registros de um modo geral, que os armazena para torná-los públicos (MENDES, 2001).

Esta possibilidade fica bem explicitada nas palavras do autor quando afirma que

(...) é possível utilizarmos a matemática produzida por outros povos e em outras épocas, para produzir novas matemáticas, compará-las com o produto anterior e ampliar o arcabouço matemático já existente. Essa

dinâmica implica armazenar, selecionar e dispor das informações matemáticas conforme as necessidades configuradas em diferentes contextos e épocas, o que perpassa a produção sócio-cultural de cada sociedade. Nesse movimento, percebemos que o indivíduo não é um observador passivo e por esse motivo sempre adiciona suas impressões ao conhecimento experienciado. Conclui-se daí que o conhecimento produzido traz consigo um fator subjetivo ligado ao contexto sócio-cultural de quem o produz (MENDES, 2001, p.63).

Assim, a história numa perspectiva do autor é uma tentativa de responder as perguntas acerca do processo de construção das informações apresentadas no presente.

Tomando como exemplo a questão da origem e do desenvolvimento do conceito de função onde operações com funções podem ser encontradas nos cálculos astronômicos de estudiosos antigos, como nos de Ptolomeu, na ciência árabe, os trabalhos de Al-Biruni7, muito antes da sistematização da mesma. A idéia de função compreendida em um ou em outro sentido está implicitamente contida nas regras de medidas de área das mais simples figuras tais como retângulos, círculos, etc, conhecidas mesmo no despertar das civilizações e, também, nas primeiras tabelas (algumas delas sendo em tabelas de funções de duas variáveis) da adição, multiplicação, divisão, etc. usadas como facilitadoras de cálculos.

Tabelas de função de dois diferentes tipos, a função-etapa e a função linear ziguezague foram usadas na astronomia da Babilônia, durante o reino Selêucida, para a compilação de efemérides do sol, da lua e dos planetas. A história da formação do referido conceito tão importante para a matemática, levou muitos séculos para ser completado sobre o que YOUSCHKEVITCH (1975) tece comentários descrevendo os principais estágios do desenvolvimento da idéia de função até a metade do século XIX. Os referidos estágios são:

7 Abu Raihan Muhammad Al-Biruni foi um extraordinário astrônomo, matemático, físico, médico, geógrafo, geólogo e historiador, provavelmente a figura mais proeminente dentro da falange dos universalmente considerados estudiosos muçulmanos que caracterizam a Idade de Ouro da Ciência Islâmica. Ver: www.islam.org.br/al_biruni.htm

(1) Antigüidade, o estágio em que o estudo dos casos particulares de dependência entre duas quantidades não tinha ainda isolado a noção geral de variáveis quantitativas e funções.

(2) A Idade Média, estágio no qual, a ciência européia do século XIV, as noções gerais foram pela primeira vez expressas nas formas geométrica e mecânica, mas no qual, assim como na Antigüidade, cada caso concreto de dependência entre duas quantidades era definida por uma descrição verbal, ou por um gráfico, mas, não por fórmula.

(3) O Período Moderno, o estágio no qual, iniciando no final do século XVI, e, especialmente durante o século XVII, começaram a prevalecer expressões de funções analíticas, a classe de funções analíticas geralmente expressas por somas de séries infinitas de potências, torna-se rapidamente a classe mais utilizada.

Foi o método analítico para introduzir funções que revolucionou a matemática e, por causa da sua eficiência extraordinária, assegurou uma posição central para a noção de função em todas as ciências exatas. Contudo, com todos esses frutos, em meados do século XVIII, esta interpretação de função como expressão analítica tornou-se inadequada de tal modo que nesse mesmo período foi introduzida uma nova definição geral de função, publicada por Dirichlet na França e Lobatchevsky na Rússia, que mais tarde tornou-se universalmente aceita na análise matemática.

Definição geral de uma função (1837): “Se uma variável y é assim relacionada a uma variável x, que sempre que um valor numérico é marcado com x, há uma regra de acordo com a qual o único valor de y é determinado, então y é considerado uma função de variável independente x”.(SCHWARZ, 1995, p.16)

Na segunda metade do século XIX esta definição geral abriu larga possibilidade de desenvolvimento na teoria de funções, mas, trazia dificuldades lógicas o que fez com que no século XX, o conceito de função fosse revisto, assim como foram outros conceitos fundamentais da análise matemática.

Definição de função em cursos de análise matemática nos fins do séc. XIX e começo do séc. XX: Diz-se que y é função de x se a cada valor de x de um certo intervalo corresponde um valor bem definido de y sem que isso exija entretanto que y seja definido sobre todo intervalo pela mesma lei em função de x, nem mesmo que y seja definido por uma expressão matemática explicita de x. (SCHWARZ, 1995, p.16)

Assim, a história, segundo MENDES (2001), é uma tentativa de responder as perguntas acerca do processo de construção das informações do presente. A história é escrita constantemente não apenas porque se descobre fatos novos, mas também porque a perspectiva sobre o que é um fato histórico muda, ou seja, sobre o que é importante do ponto de vista do processo histórico. À medida que se passa a conhecer e compreender o desenvolvimento da sociedade em sua trajetória de transformação aprende-se novos meios de compreender e explicar um mesmo fenômeno.

A história, então, passa a ter uma função decisiva na construção da realidade matemática se tomada em consideração que é com base nas informações fornecidas por ela que será traçada uma rede de fatos elaborados e praticados em diversos contextos sócio-culturais. São nessa rede informativa que se podem captar elementos característicos do conhecimento matemático, visto que as atividades humanas sempre apresentam um entrelaçamento de ações e é através delas que se pode estabelecer a realidade que no caso é a realidade matemática.