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A fundamentação das decisões judiciais e o devido processo legal

1. ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO, DIREITOS E GARANTIAS

1.2. A garantia constitucional da fundamentação das decisões judiciais e o direito

1.2.3. A fundamentação das decisões judiciais e o devido processo legal

O devido processo legal é princípio constitucional, previsto expressamente no artigo 5º, inciso LIV, da Constituição Federal de 1988, nos seguintes termos: “Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.”

A fonte original deste preceito encontra-se na Magna Charta Libertatum, de João Sem Terra, promulgada no campo de Runnymede, próximo a Windsor, em junho de 1215, prescrevendo que ninguém poderia ser privado dos seus bens, vida e liberdade senão by the law of the land. Na versão original, esta última frase correspondia a per legem terrae, considerando que a Magna Charta fora escrita em

76 Artigo 93, inciso IX, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988: “todos os julgamentos dos

órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação.”; Art. 5º, inciso LXI, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988: “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei.”

latim. Teve sua reedição em 1225, de sorte que na sua primeira versão em inglês, ocorrida em 1354, no lugar de legem terrae ou by the law of the land, foi aposto o termo due process of law.77

O princípio constitucional do devido processo legal é amplo, relacionando- se a uma série de direitos e garantias fundamentais, versados no acesso ao Poder Judiciário; no tratamento processual isonômico; na presunção de inocência; na ampla defesa; no contraditório; no duplo grau de jurisdição; na publicidade; na imparcialidade judicial e, por certo, na fundamentação das decisões judiciais, entre outros.

Nesse sentido, argumenta Nelson Nery Junior:

Em nosso parecer, bastaria a norma constitucional haver adotado o princípio do due process of law para que daí decorressem todas as consequências processuais que garantiriam aos litigantes o direito a um processo e a uma sentença justa. É por assim dizer, o gênero do qual todos os demais princípios e regras constitucionais são espécies.78

Crucial mencionar que a efetivação do princípio do devido processo legal tem o condão de possibilitar às partes o acesso à justiça, permitindo à acusação deduzir a pretensão punitiva em juízo e ao réu defender-se do modo mais amplo possível.

Marco Antonio Marques da Silva transmite o conteúdo do aludido princípio, ao afirmar que

O devido processo legal não se destina tão somente ao intérprete da lei, mas já informa a atuação do legislador, impondo-lhe a correta e regular elaboração da lei processual penal. Em outras palavras, o juiz está submetido e deve submeter as partes à norma processual penal vigente, o que caracteriza a garantia constitucional. Por outro lado, obedecido ao devido processo legal, além de assegurar-se a liberdade do indivíduo contra a ação arbitrária do Estado, busca-se uma correta atuação do poder jurisdicional, evitando-se as nulidades do processo. Desse modo, em uma outra instância, é o próprio processo que fica garantido. O devido processo legal, como dito anteriormente, importa num amplo espectro de garantias que dele devem necessariamente decorrer para que se atenda a exigência do Estado Democrático de Direito. O tratamento das partes será sempre paritário, em razão do princípio da isonomia, pois, perante o Estado-jurisdição, não pode

77 HOYOS, Arturo. El debido processo. Bogotá: Temis, 1998, p. 08. Apud. TOURINHO FILHO, Fernando da

Costa. Manual de Processo Penal. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 70.

78 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal. Processo civil, penal e administrativo. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 77.

haver parte com destaque de importância. Autor e réu têm, enquanto partes, os mesmos direitos e deveres.79

Com efeito, o devido processual legal pode ser vislumbrado em seus aspectos formal e material.

Em sua acepção formal, o devido processo legal garante à pessoa o direito de exigir que seu julgamento se dê em conformidade às regras procedimentais, previamente estabelecidas em lei.

Por outro lado, o devido processo legal substancial ou material liga-se à ideia de um processo legal justo e adequado, dirigido não só ao juiz e às partes, mas ao próprio legislador.

No campo do direito penal e direito processual penal, onde há o permanente confronto entre o jus puniendi estatal e a liberdade do indivíduo, a resposta do Estado- juiz é dada através das decisões, incluindo-se a sentença, devendo ser assegurado o devido processo legal e seus consectários, contraditório e ampla defesa.

Força concluir, portanto, que a fundamentação das decisões judiciais, decorre do princípio do devido processo legal, devendo ser consequência do desenvolvimento de um processo penal justo e adequado.

No dizer de Ângelo Aurélio Gonçalves Pariz:

A necessidade e obrigatoriedade da motivação é uma imposição do princípio do devido processo legal na busca da exteriorização das razões de decidir, revelando o prisma pelo qual o legislador interpretou a lei e os fatos da causa. Daí a importância de que as razões de decidir sejam expostas com clareza, lógica e precisão, para que haja a perfeita compreensão de todos os pontos controvertidos, bem como do desfecho da demanda.80

Nessa vereda, de afirmar-se que todas as decisões judiciais sejam motivadas, principalmente as que impõem a privação de liberdade, como é o caso da que decreta a prisão preventiva, a fim de que a sociedade, a defesa, o Ministério Público, o ofendido e, principalmente, o próprio réu, saibam quais as razões da segregação cautelar.

79 SILVA, Marco Antonio Marques da. Acesso à Justiça Penal e Estado Democrático de Direito. São Paulo:

Juarez de Oliveira, 2001, p. 17.

80 PARIZ, Ângelo Aurélio Gonçalves. O princípio do devido processo legal. Direito fundamental do cidadão.

Advinda do princípio do devido processo penal, a fundamentação das decisões judiciais configura-se não só em importante instrumento de controle das razões de decidir pelas partes, como também em cristalino mecanismo de controle social da própria função jurisdicional, legitimando-a.

No capítulo subsequente, será abordada a estrutura lógico-sistemática da fundamentação, seus requisitos substanciais e vícios, os quais acarretam sua nulidade.