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A generalização de relações numéricas e das propriedades das operações

CAPÍTULO 4 CONTEXTOS DE PROMOÇÃO DO PENSAMENTO ALGÉBRICO

4.1 O PENSAMENTO RELACIONAL

4.1.3. A generalização de relações numéricas e das propriedades das operações

Jacobs et al. (2007) consideram que, sem o desenvolvimento da capacidade da gene- ralização, os alunos não conseguem apreender com profundidade as propriedades fundamen- tais das operações. Embora os algoritmos tradicionais sejam baseados nestas propriedades, a maioria tem os procedimentos escondidos para se tornar mais eficiente a sua utilização. Assim sendo, muitos alunos completam a escolaridade básica sem terem tido a oportunidade de usar apropriadamente as propriedades fundamentais das operações. Se os alunos não reconhecerem essas propriedades e não as aplicarem nos seus cálculos, não podem reconhecer a mesma base de ideias subjacentes à aritmética e à álgebra.

O ensino focado nas propriedades fundamentais das operações, por sua vez, torna também a aprendizagem da aritmética mais eficiente e providencia aos alunos formas de pen- samento mais poderosas e flexíveis de aplicar a aritmética. Os alunos que têm sucesso a matemática não são apenas bons no cálculo e na manipulação de símbolos, mas fazem genera- lizações e reconhecem as relações entre conceitos e procedimentos, e, por isso, têm menos conceitos ou procedimentos para aprender e frequentemente são capazes de simplificar os seus cálculos.

Carpenter et al. (2005) apresentam o seguinte problema aditivo: . Se os alu- nos pensarem no problema como adicionam quatro dezenas a cinco dezenas, o cálculo é baseado no mesmo princípio que se usa para adicionar . Em ambos os casos a pro- priedade distributiva é a base para adicionar quatro e cinco. A operação envolvida neste cálcu- lo pode ser representada como:

Desta forma, se os alunos genuinamente compreenderem a aritmética de forma que possam explicar e justificar as propriedades que usam nos cálculos, estão a aprender algumas das bases mais críticas da álgebra. Quando o ensino da aritmética não é centrado nessas bases,

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os alunos começam a estudar álgebra e não conseguem perceber que os procedimentos que usam para resolver equações e manipular expressões algébricas se baseiam nas propriedades que usaram na aritmética.

O pensamento relacional é uma forma de raciocinar que não está ligada a procedi- mentos particulares ou combinações numéricas, pois os alunos que pensam relacionalmente identificam as relações numéricas e raciocinam sobre que transformações fazem sentido naquele problema em particular. Para isso precisam ter apreendidas relações numéricas e pro- priedades fundamentais que podem usar para justificar os seus procedimentos (Jacobs et al., 2007). Esta capacidade de utilizar as relações numéricas para o cálculo é extremamente pode- rosa no cálculo mental. Por exemplo, para calcular , o aluno pode fazer (a partir do facto multiplicativo e memorizado e da multiplicação por 100) e, em seguida, retirar cinco, ficando .

No exemplo seguinte, Jacobs et al. (2007) mostram como a capacidade de construção de relações gerais explícitas pode ser poderosa e atender tanto os princípios da aritmética como da álgebra. Era pedido aos alunos que indicassem se a expressão “ ” era verdadeira ou falsa:

Alunos – Falsa. É falsa. Prof. – Porque é que é falsa?

Jenny – Porque é o mesmo número do princípio e se já tiraste alguma coisa, tem de ficar menos do que o número com que começaste.

Mike – A não ser que fosse 78 – 0 = 78. Isso estaria correto.

Prof. – É verdade? Porque razão é verdade? Nós também tiramos alguma coisa. Steve – Mas isso era alguma coisa, agora não é nada. O zero é nada. (p. 263)

No exemplo acima referido, a turma conseguiu formular a seguinte regra: “Zero sub- traído a outro número é igual a esse número”. Assim, os alunos usaram a sua compreensão sobre o zero para avaliar um caso particular e conseguiram formar uma regra geral, ou seja, a generalização. Este exemplo revela como os alunos da escola elementar conseguem formular e expressar generalizações usando a linguagem natural.

Pimentel e Vale (2009) analisam a relação entre o desenvolvimento do cálculo men- tal e do sentido de número com base na descoberta de padrões numéricos e concluíram que, tendo em conta essa relação dialética, a identificação de padrões numéricos e sua consequente generalização torna-se a base de emergência do pensamento algébrico. O excerto seguinte mostra um exemplo dessa relação:

Multiplicar um número por 19 é o mesmo que multiplicá-lo por 20 e em seguida sub- trair o número. Este é um caso especial da propriedade distributiva, cuja descrição algébrica é . Esta descrição gera uma analogia com a aritmética. Por exemplo, para resolver o problema de determinação da quantia gasta ao comprar 19 cadernos a 4 euros cada, podemos resolvê-lo através do cálculo mental, fazendo . (Pimentel & Vale, 2009, p. 60)

A exploração de situações como esta enquadra-se na perspetival de Fujii e Stephens (2008), que defendem a utilização de expressões numéricas generalizáveis, através do que denominam como pensamento quase-variável, como ponte entre a aritmética e a álgebra por permitirem a exploração de padrões de variação. Neste sentido, Stephens (2006) refere que o desenvolvimento do pensamento relacional depende de os alunos serem capazes de ver e usar possibilidades de variação entre os números de uma expressão numérica. Este autor considera a capacidade de usar a variação numa expressão numérica como uma importante característica do pensamento relacional, argumentando que é essencial que os alunos identifiquem as dire- ções dessa variação e não apenas que reconheçam a sua existência. Assim, o pensamento rela- cional pode ser expresso através de uma grande variedade de métodos e formas, mas que dependem sempre das ideias fundamentais de equivalência e compensação requeridas em ope- rações particulares (Stephens, 2006). Também Irwin e Britt (2005) reconhecem que os méto- dos de compensação e equivalência que alguns alunos usam na resolução de expressões numéricas constituem evidências da utilização do pensamento relacional.

Stephens e Wang (2008) aplicaram um questionário a alunos dos 6.º e 7.º anos de escolaridade, com o objetivo de perceber como mobilizavam o pensamento relacional na exploração de expressões numéricas. As questões do questionário envolviam a igualdade e a compensação aplicadas às quatro operações aritméticas. As questões foram categorizadas em três tipos:

Tipo I) Expressões numéricas com um número “em falta” ou um número “desconhe- cido” que poderiam ser resolvidas através do cálculo ou usando o pensamento relacional:

Figura 4.2 - Questões do Tipo I, (Stephens & Wang, 2008, p. 29).

Tipo II) Expressões envolvendo dois números desconhecidos, mas inter- relacionados:

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Figura 4.3 - Questões do Tipo II e III, (Stephens & Wang, 2008, p. 31).

Tipo III) Expressões semelhantes às segundas, mas envolvendo símbolos, correspon- dendo à alínea c) da Figura 4.3: “ ”. Estes dois últimos tipos de questões tinham como principal objetivo mobilizar a utilização do pensamento relacional, pois embora fosse possível usar o cálculo para obter alguns exemplos particulares, a identificação da estru- tura relacional da expressão exigiria a mobilização do pensamento relacional.

Os autores categorizaram as respostas dos alunos às questões de tipo II e III de acor- do com o pensamento relacional evidenciado em: a) pensamento relacional emergente, b) pensamento relacional consolidado e c) pensamento relacional estabelecido. Explicita-se, em seguida, cada uma destas categorias:

A) Os estudantes com pensamento relacional emergente, tipicamente: a) identificam algumas características dos números usados nas caixas A e B, mas não especificam comple- tamente a relação entre os números usados; b) focam-se nessa caraterística quando tentam explicar como qualquer número pode ser usado na caixa A e manter verdadeira a expressão, mas, de novo, são incapazes de descrever de forma completa essa relação; c) tentam dar um par de valores corretos para os quais e tornam a expressão verdadeira, ou nem tentam resol- ver esta questão.

B) Os estudantes com pensamento relacional consolidado: a) quase sempre são capa- zes de especificar a relação entre os números das caixas A e B com clara referência aos núme- ros, incluindo a magnitude e a direção da diferença entre eles; b) às vezes, são capazes de dar uma explicação completa sobre como um número qualquer poder estar na caixa A e continuar

a ser uma expressão verdadeira; c) normalmente são capazes de referir algumas características da relação entre e , ou de dar um par de valores específicos para e , mas não conseguem dar uma explicação completa da relação.

C) Os estudantes com pensamento relacional estabelecido são quase sempre capazes de: a) especificar a relação entre os números das caixas A e B com claras referências aos números, incluindo a magnitude e direção da diferença entre ele; b) empregar uma forma semelhante nas palavras usadas para descrever a relação como uma parte da condição que descreve como qualquer número pode ser usado na caixa A e manter a expressão verdadeira; c) explicar claramente como c e d estão relacionados para que a expressão do tipo III seja ver- dadeira, tratando c e d como variáveis.

Stephens e Wang (2008) concluem com este estudo que as questões que envolvem dois “números desconhecidos” impelem os alunos a mobilizar o pensamento relacional. Assi- nalam que os resultados demonstraram que os alunos que revelavam um pensamento relacio- nal emergente evidenciavam uma conceção limitada da noção de variável, concentrando a sua atenção em algumas características da relação numérica, mas não a apreendendo no seu todo. Também os estudantes que revelavam um pensamento relacional consolidado conseguiam atribuir valores a c e d, mas não os tratavam como variáveis.

Para promover o desenvolvimento do pensamento algébrico, no respeitante ao pen- samento relacional, podem ser consideradas as três sugestões de Fujii (2003): i) descrever e fazer uso do processo de generalização e das propriedades estruturais da aritmética, de forma geral; e de expressões com quase-variáveis em particular; ii) generalizar soluções para os pro- blemas aritméticos que permitam aos alunos desenvolver o conceito de variável de modo informal; e, iii) providenciar oportunidades para os alunos discutirem as suas estratégias de resolução e evidenciarem os processos e ideias matemáticas fundamentais.