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CAPÍTULO 4 CONTEXTOS DE PROMOÇÃO DO PENSAMENTO ALGÉBRICO

5.6 O PROCESSO DE ANÁLISE DE DADOS

De acordo com Confrey e Lachance (2000), nas experiências de ensino orientadas por uma conjetura existem dois tipos de análise de dados que ocorrem em momentos distintos do processo de investigação. O primeiro tipo é contínuo, realizando-se durante a implementa- ção da experiência de ensino, e a análise daí resultante é uma análise preliminar (Confrey &

Lachance, 2000). Este consiste na análise dos dados depois de cada intervenção em sala de aula e lida com a tomada de decisões sobre os passos seguintes da experiência de ensino (Molina et al., 2007). Tendo em conta que o tempo de recolha dos dados é sobrecarregado de atividade, por serem constantes os ajustamentos efetuados no decurso da implementação, é difícil conduzir uma análise sistemática dos dados em simultâneo, nessa fase. Desta forma, o segundo tipo de análise ocorre após a intervenção terminar. É uma análise mais profunda que ocorre numa fase em que se constrói uma história coerente sobre o desenvolvimento das ideias dos alunos e a sua ligação à conjetura (Confrey & Lachance, 2000; Molina et al., 2007). Esta análise retrospetiva envolve uma cuidadosa revisão dos dados e uma reflexão sobre a experiência de ensino realizada de forma a construir um modelo explicativo sobre o que indu- ziu as mudanças observadas nas ecologias de aprendizagem (Gravemeijer & van Eerde, 2009).

Normalmente, os investigadores deste tipo de metodologia recolhem uma grande quantidade de dados de forma a construir uma compreensão detalhada de todo o processo. Como este tipo de estudos ocorre em situações reais de ambientes de aprendizagem, envolve muitas variáveis que podem afetar o sucesso da implementação; as quais, nem sempre podem ser controladas. Assim, e de acordo com Collins et al. (2004), os investigadores têm geral- mente problemas em reduzir a imensidão de dados que recolhem, receando diminuir ou sim- plificar a complexidade característica desses ambientes reais. De facto, esta foi uma dificul- dade sentida na análise dos dados recolhidos no âmbito desta experiência de ensino.

Neste estudo, a análise preliminar ocorreu durante a implementação da experiência de ensino. Após cada aula, era feita uma breve análise do desempenho dos alunos na explora- ção da tarefa matemática, de forma a projetar as tarefas seguintes e adaptar a conjetura à rea- lidade que saía das vivências de sala de aula. Essa análise preliminar teve formas mais siste- matizadas que permitiram, em alguns momentos da experiência de ensino, refletir de modo mais profundo sobre o processo que estava sendo vivenciado. Esses momentos resultaram, na maior parte das vezes, na escrita de artigos e/ou comunicações orais em encontros de Educa- ção Matemática. A participação nesses encontros com produções sobre o processo que estava a ser vivenciado na experiência de ensino permitiu que a discussão com outros investigadores enriquecesse o processo de análise continuada. Embora numa fase final da implementação da experiência de ensino, destaca-se também a participação no Projeto Práticas Profissionais

dos Professores de Matemática (P3M) que, devido ao facto de uma das aulas da experiência

de ensino ter sido usada como caso multimédia, permitiu um maior confronto e discussão com outros intervenientes, nomeadamente investigadores exteriores ao processo. Esta discussão foi

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particularmente rica no que concerne à dimensão pedagógica da conjetura que orientou a experiência de ensino. A participação neste projeto também proporcionou que a orientadora deste estudo assistisse a duas aulas da experiência de ensino. Deste modo, ocorreu a observa- ção participante de outro investigador envolvido na construção da experiência de ensino, o que também permitiu aprofundar a análise das tarefas exploradas nessas aulas.

O teste de diagnóstico foi a primeira fonte de recolha de dados neste estudo. Para análise dos dados foram consideradas as respostas escritas de todos os alunos e as entrevistas clínicas realizadas com alguns alunos da turma. Numa primeira fase, foram quantificadas as respostas corretas dos alunos ao teste de diagnóstico e, em seguida, as respostas corretas que envolviam justificações com alguma evidência de generalidade. Numa segunda fase, a análise qualitativa das respostas escritas dos alunos foi complementada com a informação provenien- te das entrevistas.

Embora a análise mais sistemática do teste de diagnóstico ocorresse na fase retrospe- tiva, na altura da sua aplicação foi feita uma análise preliminar no sentido de relacionar os desempenhos dos alunos com a conjetura prévia delineada. De facto, por um lado, percebeu- se nessa análise preliminar que os alunos tinham algumas dificuldades associadas à conceção do sinal de igual como indicador de uma relação e apresentavam resoluções muito centradas em procedimentos rotineiros como os algoritmos. Por outro lado, os alunos não reagiram com dificuldade à introdução de simbologia não numérica e a exploração das situações de genera- lização parecia fazer emergir essa capacidade natural dos alunos (Mason, 1996).

A análise retrospetiva das aulas implementadas aconteceu após a implementação da experiência de ensino. Embora durante a experiência de ensino tenham sido feitas algumas visualizações dos vídeos que registaram as diferentes aulas e também algumas transcrições dos mesmos, só após a conclusão da fase de intervenção foi possível tornar esse processo mais sistemático. Assim, começou-se por fazer um visionamento de todas as aulas da expe- riência de ensino e respetiva transcrição dos diversos momentos de cada aula. Essas transcri- ções foram mais focadas nos momentos de discussão coletiva e de sistematização das apren- dizagens. Em algumas tarefas também foram transcritos os momentos de apresentação da tarefa.

Em cada aula era realizada a exploração de uma tarefa matemática e as tarefas foram agrupadas em sequências de tarefas. Após a fase de visionamento e transcrição dos vídeos, foram analisadas as diferentes aulas procurando-se identificar episódios de ensino que permi- tissem “contar a história”. Esse momento foi particularmente problemático pela dificuldade sentida em selecionar os episódios de ensino que fossem ilustrar os elementos mais significa-

tivos do desenvolvimento do pensamento algébrico dos alunos da turma. Essa dificuldade prendeu-se com a construção da narrativa que permitisse ao leitor compreender todo o proces- so, mas sem que a mesma se tornasse repetitiva e demasiado extensa. As opções tomadas foram no sentido de focalizar os aspetos mais significativos, respeitando a ordem cronológica pelo qual ocorreram. Assim, começou-se por selecionar aulas onde as tarefas exploradas per- mitissem identificar as diferentes etapas do processo de forma a traçar uma trajetória de aprendizagem compatível com o desenvolvimento do pensamento algébrico dos alunos. As etapas identificadas respeitaram as sequências de tarefas realizadas e foram as seguintes: 1) A descoberta de regularidades numéricas - sequência I; 2) Exploração de relações numéricas – sequência II; 3) Exploração da variação de quantidades – sequência III; 4) Exploração de regularidades numéricas – sequência IV; e 5) Exploração de relações funcionais – sequência V. Da primeira etapa não foram selecionadas aulas ou tarefas para análise devido ao facto desta etapa da experiência de ensino ser muito introdutória e não revelar dados muito signifi- cativos para a compreensão do estudo. Foram, assim, selecionadas para análise algumas tare- fas das etapas e sequências seguintes. Desta forma, das 41 tarefas realizadas na experiência de ensino foram selecionadas nove (Quadro 5.2) para uma análise mais detalhada. A caracteriza- ção das cinco sequências e das respetivas tarefas é descrita, mais pormenorizadamente, no capítulo seguinte referente à experiência de ensino.

Quadro 5.2 – Tarefas analisadas e respetivas sequências.

Sequências Tarefa

II A exploração de relações numé-

ricas

13 Calcular usando o dobro

15 A estratégia do Afonso

III A exploração da variação de quantidades

21 Os cromos da Ana e do Bruno

22 Descobre A e B

IV A exploração de regularidades

numéricas

30 Pensa num número

32 Explorando calendários e tabelas

V A exploração de relações funcio-

nais

38 Os colares I

40 Os colares II

41 Cubos com autocolantes

Tendo em conta as duas dimensões da conjetura que orientou a experiência de ensi- no, a análise dos dados deveria refletir essas duas dimensões de forma clara e precisa. Assim, foi também necessário analisar de forma sistemática a dimensão pedagógica da conjetura. A forma de exploração das tarefas matemáticas para o desenvolvimento do pensamento algébri- co foi identificada por diversos autores (e.g. Blanton & Kaput, 2005) como particularmente

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importante e, portanto, esta dimensão não pode ser desligada da dimensão de conteúdo. Assim, tomando cada aula/tarefa selecionada como foco de análise, foram considerados dois momentos como objetos de análise aos quais se aplicou o mesmo quadro de análise. O primei- ro momento diz respeito ao trabalho autónomo dos alunos em pares ou grupos, na resolução da tarefa, e, o segundo momento, às discussões coletivas realizadas na turma. No primeiro momento foram considerados para análise as produções escritas resultantes dos momentos de trabalho autónomo dos alunos. Os pares ou grupos de alunos foram identificados através da numeração romana (de I a IV), variando o seu número entre um a nove, nas diferentes tarefas. O segundo momento focou-se na discussão coletiva e considerou as interações comunicativas realizadas pela apresentação e discussão dos trabalhos dos pares/grupos ao coletivo da turma. Neste segundo momento, a análise considerou também a condução da discussão coletiva feita pela investigadora e a sua relação com o desenvolvimento do pensamento algébrico dos alu- nos. Assim, nestes momentos são considerados dois aspetos complementares: o que os alunos fazem e o que a investigadora faz. Naturalmente, estes dois aspetos estão interrelacionados e condicionam-se mutuamente: as ações dos alunos conduzem a ações específicas da investiga- dora e vice-versa.

O quadro de análise (Anexo 4) inspirou-se, primeiramente, no enquadramento teóri- co de suporte a este estudo e, em seguida, no confronto com as evidências dos dados recolhi- dos. Assim, embora as ideias gerais do quadro de análise tenham sido definidas à priori, antes da fase de análise dos dados e alicerçadas na conjetura prévia, a versão final desse quadro ocorreu através da definição de categorias que resultaram da interpretação dos dados recolhi- dos.

O quadro de análise centra-se no desenvolvimento do pensamento algébrico, em diferentes domínios. O primeiro domínio de análise diz respeito aos contextos de promoção do pensamento algébrico que as tarefas matemáticas exploraram. Assim, algumas tarefas foram analisadas de acordo com o contexto do pensamento relacional, e outras, de acordo com o contexto do pensamento funcional (ver capítulo seguinte, para uma explicação mais detalhada). Como cada um desses contextos tem características específicas, as categorias de análise são também diferenciadas.

O Quadro 5.3 sistematiza as categorias de análise dos níveis de pensamento relacio- nal. Os níveis considerados incluem um nível zero, dois níveis intermédios e um nível supe- rior. O nível zero é entendido como “não relacional” por não evidenciar qualquer aspeto do pensamento relacional. No nível um, “utilização de exemplos particulares”, estes são usados no reconhecimento das relações numéricas e/ou propriedades das operações, mas sem esten-

der o raciocínio para outros casos. No nível dois, “utilização de quase-variáveis”, os exemplos particulares são usados com sentido quase-variável (Fujii, 2003), ou seja, não são restritos aos casos particulares que são utilizados como exemplos da relação numérica e/ou propriedade da operação. O último nível, marcadamente “relacional”, não se centra em exemplos particulares e revela a generalidade da relação numérica e/ou propriedade da operação. Estes níveis são marcadamente gradativos, embora não sejam necessariamente consecutivos.

Quadro 5.3 – Categorias de análise dos níveis de pensamento relacional.

Níveis de Pensamento Relacional

Nível 0 Não relacional Não reconhece as relações numéricas e/ou propriedades das operações, centrando-se em procedimentos de cálculo.

Nível 1 Utilização de exem- plos particulares

Reconhece e usa relações numéricas e/ou propriedades das operações em exemplos particulares.

Nível 2 Utilização de Quase- variáveis

Reconhece e usa relações numéricas e/ou propriedades das operações em exemplos particulares, mas com sentido de quase-variáveis.

Nível 3 Relacional

Reconhece e usa relações numéricas e/ou propriedades das operações independentemente dos casos particulares, evi- denciando a sua generalidade.

No que concerne ao pensamento funcional são utilizadas também categorias de análi- se específicas. Os níveis considerados incluem um nível zero, um nível intermédio e um ter- ceiro nível. No nível zero, “não relacional” ou “variação simples”, não há evidência do reco- nhecimento da relação entre variáveis. Neste nível pode haver a identificação da variação em uma das variáveis (ou até nas duas), mas sem estabelecer uma relação entre as variáveis inde- pendente e dependente. No nível um, “relação recursiva”, há o reconhecimento da relação entre variáveis, mas através da utilização de um padrão recursivo instrumental (Martinez & Brizuela, 2006; Tanish, 2011). No nível dois evidencia-se a “relação funcional”, ou seja, há identificação explícita da relação entre a variável independente e a variável dependente. O Quadro 5.4 sistematiza essas categorias de análise.

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Quadro 5.4 – Categorias de análise dos níveis de pensamento funcional.

Níveis de Pensamento Funcional

Nível 0 Não relacional – variação simples

Não reconhece uma relação entre as variáveis, podendo reconhecer (recursivamente) apenas a variação em uma variável ou nas duas variáveis, mas isoladamente. Desta forma, não considera a relação entre variáveis.

Nível 1 Relação Recursiva Reconhece recursivamente uma relação entre as variáveis.

Nível 2 Relação Funcional Reconhece a relação direta entre a variável dependente e a variável independente.

O segundo domínio do quadro de análise diz respeito ao processo de generalização. Para a definição das categorias de análise foi considerada a pertinência da existência de dife- rentes níveis de generalização (Mason et al., 2007; Radford, 2008, 2010). Os níveis de gene- ralização considerados inspiram-se e interrelacionam nas perspetivas de Radford (2008), Rivera e Becker (2007a) e Mason et al. (2007). Atendem à distinção entre generalização arit- mética e generalização algébrica (Radford, 2008) e consideram cinco níveis diferenciados e progressivos. O nível zero corresponde às situações em que não é detetada a comunalidade entre os casos e é considerado como um nível de não generalização. O nível um corresponde à generalização aritmética, identificado quando a comunalidade é detetadas apenas nos casos apresentados, não enunciando a extensão para quantidades indeterminadas. No primeiro nível de generalização algébrica, nível dois de generalização, a indeterminação aparece mas não é nomeada. As quantidades são tratadas com o sentido de quase-variável e há a emergência de uma regra para os casos particulares. O nível três de generalização diz respeito ao nível con- textual onde a indeterminação aparece e é tratada analiticamente. Neste nível de generalização há a definição de uma regra geral, mas ainda ancorada à descrição do contexto da situação. O nível quatro da generalização considera a generalização global e não envolve a descrição do contexto da situação na definição da regra geral. O último nível de generalização, nível estru- tural, permite a revelação da estrutura matemática dos objetos e conduz à definição de uma regra estrutural. O Quadro 5.5 apresenta as categorias usadas para a análise dos níveis de generalização.

Quadro 5.5 – Categorias de análise dos níveis de generalização.

Níveis de Generalização

Nível 0 Não Generaliza

Não reconhece a comunalidade entre os casos apre- sentados. Apresenta, eventualmente, tentativas de apreensão da comunalidade, mas que se baseiam em palpites e não são testadas.

Nível 1 Generalização Aritmética

Reconhece a comunalidade entre os casos apresenta- dos, mas apenas considera as quantidades conhecidas e opera com elas. Não faz a extensão para quantida- des indeterminadas e, desta forma, não define uma regra geral.

Generalização Algébrica

Nível 2 Factual ou empí- rica

Reconhece a indeterminação com sentido de quase- variável, a partir de casos particulares, mas não a nomeia. Apresenta, eventualmente, uma regra para os casos particulares.

Nível 3 Contextual

Nomeia a indeterminação e trata-a analiticamente, apoiando-se numa descrição do contexto da situação. Define uma regra geral, mas dentro do contexto da situação.

Nível 4 Global

Nomeia a indeterminação de forma global e trata-a analiticamente, não se apoiando na descrição do con- texto da situação. Define uma regra geral.

Nível 5 Estrutural

Nomeia a indeterminação de forma geral e trata-a analiticamente, revelando a estrutura matemática dos objetos. Define uma regra estrutural.

Finalmente, foram analisadas as diferentes formas de expressão da generalização, identificando-se os tipos de representação utilizados pelos alunos como o terceiro domínio do quadro de análise. Sem um carácter marcadamente gradativo dos níveis de sofisticação, como é evidente nas categorias utilizadas nos outros domínios, os tipos de representação são catego- rizados desde a linguagem natural à linguagem simbólica. O Quadro 5.6 apresenta as catego- rias de análise relativas aos tipos de representação.

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Quadro 5.6 – Categorias de análise dos tipos de representação.

Tipos de representação

Linguagem natural Usa uma descrição verbal, escrita ou oral.

Numérica Usa uma expressão numérica.

Icónica

Desenhos Usa desenhos. Tabelas Usa tabelas. Diagramas ou

esquemas

Usa diagramas (de setas, do mode- lo da balança,...) ou esquemas. Pré-simbólica Sincopada Usa uma linguagem sincopada.

Simbólica

Idiossincrática Usa símbolos próprios. Alfanumérica Usa a notação alfanumérica.

Concluindo, o processo de análise na experiência de ensino incidiu sobre as resolu- ções escritas dos alunos durante o momento de trabalho autónomo e as interações comunica- tivas nas discussões coletivas realizadas, tendo por base o quadro de analise já referido: nível de pensamento relacional/funcional, nível de generalização e tipos de representação. Nos registos escritos dos alunos relativos às tarefas matemáticas selecionadas foram identificados os diferentes níveis (ou tipos, no caso das representações) para cada domínio, que foram sis- tematizados quantitativamente de modo a ilustrar o desempenho global da turma. Nas discus- sões coletivas, os pares/grupos de alunos selecionados apresentaram as suas resoluções e esse facto permitiu apurar melhor a análise feita sobre as resoluções escritas, complementando-a. Para além disso, a condução feita pela investigadora no decurso das discussões coletivas foi também analisada, no sentido de se evidenciarem os níveis dos diferentes domínios que foram explorados ou promovidos. Este facto foi importante para identificar aspetos intencionais da condução feita pela investigadora, nas discussões coletivas, que tiveram um papel relevante no desenvolvimento algébrico dos alunos, para além das tarefas delineadas.