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CAPÍTULO 4 CONTEXTOS DE PROMOÇÃO DO PENSAMENTO ALGÉBRICO

4.1 O PENSAMENTO RELACIONAL

4.1.1 Aspetos gerais

Carpenter et al. (2003) consideram que, sendo a aritmética o tema com maior foco no currículo da escola elementar, é necessário reconsiderar como é ensinada e aprendida. Refe- rem que a separação artificial entre álgebra e aritmética impede que os alunos construam for- mas poderosas de pensamento sobre a matemática nos primeiros anos e torna mais difícil a aprendizagem da álgebra nos anos mais avançados. Na sua perspetiva, para o tipo de pensa- mento matemático que permita construir as bases da álgebra é necessário um longo período de

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tempo, começando nos primeiros anos de escolaridade. O importante será desenvolver formas de pensamento sobre a aritmética que sejam consistentes com as formas de pensamento necessárias para aprender álgebra com sucesso (Carpenter & Levi, 2000).

Também na perspetiva de Carraher et al. (2006), se ficarmos apenas na natureza con- creta da aritmética corremos o risco de oferecer aos alunos uma visão superficial da matemá- tica e desencorajar a generalização. Embora a fluência de cálculo seja crucial para permitir aos alunos raciocinar algebricamente, isso não assegura que estes estejam atentos às regulari- dades e relações aritméticas e que consigam generalizá-las.

Carpenter et al. (2003) consideram que é necessário tornar as propriedades dos números e das operações como foco de ensino, de modo que: i) todos os alunos tenham aces- so às propriedades matemáticas básicas; ii) os alunos percebam porque o procedimento de cálculo que usam funciona; iii) os alunos apliquem os seus procedimentos com flexibilidade numa variedade de contextos; e, iv) os alunos reconheçam as relações entre álgebra e aritmé- tica e que possam usar essa compreensão da aritmética na compreensão das bases da álgebra.

Também Blanton e Kaput (2005) sugerem exemplos de aspetos que podem ser usa- dos para trabalhar a aritmética generalizada: i) explorar propriedades e relações dos números

inteiros, (por exemplo: generalizar sobre somas e produtos de números pares e ímpares; gene-

ralizar sobre propriedades como a subtração de um número por ele próprio; decompor núme- ros inteiros em possíveis adições e examinar essas adições; generalizar sobre as propriedades do valor de posição); ii) explorar propriedades das operações com números inteiros, (por exemplo: explorar relações entre as operações como a comutatividade da adição e da multipli- cação e a propriedade distributiva da multiplicação em relação à adição); iii) explorar a

igualdade como a expressão de uma relação entre quantidades, (por exemplo: explorar a

igualdade como uma relação entre quantidades usando a balança; tratar equações como obje- tos que expressam relações quantitativas, como ); iv) tratar o número alge-

bricamente, (por exemplo: atender à estrutura do número e tratá-lo como um todo, por exem-

plo como saber que a soma de é par ou ímpar?); e, v) resolver expressões

numéricas com números desconhecidos em falta, usando o sentido de incógnita, (por exem-

plo: resolver equações como “se , então quanto é ?, resolver equações com a reta numérica, completar puzzles numéricos onde faltem números).

Carpenter et al. (2003) sintetizam estas ideias sobre a aritmética generalizada naquilo que designam por Pensamento Relacional e que consideram dizer respeito à capacidade de

olhar para expressões ou equações na sua conceção mais ampla, revelando as relações exis-

rações aritméticas em vez de se focar exclusivamente nos procedimentos de cálculo (Carpen- ter et al., 2005).

Para ilustrar o que pretendem dizer com pensamento relacional, Carpenter et al. (2005) recorrem à exemplificação de diferentes formas de olhar para a seguinte igualdade: . Uma hipótese que se levanta é que, para resolver a expressão, os alunos adi- cionem oito e quatro e depois pensem em quanto têm de adicionar a cinco para dar 12. Este processo conduz à resposta correta e é naturalmente válido. No entanto, o processo usado mantém-se no cálculo específico da expressão numérica e não tem em conta a relação entre os números. O aluno que apreenda a expressão numérica como um todo, pode considerar que cinco é mais um do que quatro e, por isso, o número a colocar no espaço em branco será menos uma unidade do que oito. Neste raciocínio, o aluno usa a seguinte relação para resolver o problema: , ou seja, pelo menos implicitamente, usa a propriedade associativa da adição para transformar a expressão numérica. Este tipo de trans- formações torna também o cálculo mais fácil e flexível. Esta forma de pensar, o pensamento relacional, representa uma importante passagem do foco aritmético para o foco algébrico.

Carpenter et al. (2003) salientam que é importante trabalhar o desenvolvimento do pensamento relacional desde a escola elementar, por duas grandes razões. A primeira prende- se com a facilidade que acarreta também para a aprendizagem da aritmética. Considerar o pensamento algébrico como parte integrante da aprendizagem da aritmética, torna a aprendi- zagem desta última mais significativa e rica. A segunda razão prende-se com a transição entre a aritmética e a álgebra nos anos mais avançados. Se os alunos aprenderem as operações arit- méticas apenas como procedimentos para o cálculo, e nesta perspetiva o sinal de igual conce- bido como um impulsionador do cálculo, a aprendizagem da álgebra decorrerá com maiores dificuldades dado que esta exige a mobilização desse pensamento relacional.

Molina (2009) desenvolveu um estudo com alunos do 3.º ano de escolaridade do qual recolheu evidências sobre a capacidade de os alunos usarem o pensamento relacional na reso- lução de expressões numéricas que envolviam as propriedades aritméticas básicas. Estes alu- nos usaram as suas aprendizagens e experiências aritméticas para trabalhar a aritmética de modo algébrico, empregando um conjunto diversificado de estratégias na resolução de expressões aritméticas. A partir dos resultados desse estudo, a autora elencou um conjunto de aspetos que evidenciam a utilização do pensamento relacional no contexto do trabalho com expressões aritméticas: i) a consideração de expressões aritméticas desde o ponto de vista estrutural, evitando o enfoque na aritmética computacional de forma a desviar a atenção do valor numérico das expressões, ou seja, do resultado das operações; ii) a compreensão das

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expressões como um todo, suscetíveis de serem comparadas, ordenadas, igualadas e transfor- madas e a aceitação da sua estrutura aberta; iii) o desenvolvimento do sentido do número e do sentido das operações, facilitando a conceção das operações e das expressões numéricas como objetos e não só como processos; iv) a promoção da exploração, identificação e descrição de padrões e relações sobre os números e as operações, primeiros passos do processo de genera- lização; v) a utilização da representação horizontal, tradicionalmente mais própria da álgebra do que da aritmética; vi) promover a exploração da igualdade como representação de uma relação entre duas expressões assim como a interpretação bidirecional das igualdades e expressões; e, vii) a promoção da resolução de equações, no contexto da resolução de igual- dades numéricas abertas.

Com o objetivo de tornar possível o pensamento relacional no trabalho com as ope- rações, também Kieran (2004) propõe os seguintes ajustamentos no tratamento da aritmética: i) o foco nas relações e não apenas no cálculo e na resposta numérica; ii) o foco nas operações e nas suas inversas, e na ideia relacionada de operar/não operar; iii) o foco simultâneo na representação e na resolução, e não apenas na resolução; iv) o foco em números e letras, e não apenas nos números. Este último aspeto inclui: a) trabalhar com letras, que mais tarde poderão ser incógnitas, variáveis ou parâmetros; b) aceitar as expressões abertas como respostas; c) comparar expressões de equivalência baseadas mais nas propriedades do que na avaliação numérica; e, d) reforçar o significado do sinal de igual.