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A GEOGRAFIA DO MÉTODO, O MÉTODO DA GEOGRAFIA

No documento fabricioandredealmeidalinhares (páginas 50-57)

2 O OBJETO, OS CONCEITOS E O MÉTODO

2.7 A GEOGRAFIA DO MÉTODO, O MÉTODO DA GEOGRAFIA

O axioma de nosso estudo é que o trabalho, ao lado da natureza é um elemento fundante do espaço geográfico. Todo objeto científico em que se considere a sociedade, de uma ou de outra forma contém e está contido no trabalho. Regulador da relação espaço-sociedade, ele faz refém toda espacialidade e, por conseguinte, as sociedades.

No sentido oposto, o senso comum importa ao trabalho a mera função de intermediar a relação homem-meio. Há de se entender que, sob esta lógica repousa a ideia de que o trabalho ocupa um papel secundário no espaço, como mero intermediador entre o homem e seu produto, a natureza transformada por ele - o próprio espaço geográfico. Assim, pensa-se o trabalho simplesmente como veículo pelo qual o homem produz o espaço, como um mero recurso na produção espacial, renunciando a ele os conceitos-chave da geografia, como território, lugar e paisagem, e desta forma subtraindo ao mesmo a própria ciência geográfica.

Nossa compreensão, no entanto, parte da abordagem espacial da realidade, depreendida dialeticamente de forma histórica e material. O ponto de partida desta materialidade é o trabalho. Esta é a síntese tanto de nosso método quanto da metodologia.

Quando pensamos no desenvolvimento de nossa pesquisa, no entanto, duas preocupações emergiram de imediato: Por um lado, surgiu o receio de desenvolver uma abordagem dialética idealista sobre o trabalho, de forma que nossos resultados se prendessem no campo das ideias sem que na prática as contradições e a realidade se apresentassem em seu aspecto material. Por outro lado, a questão da escala se tornou um problema que a princípio parecia insolúvel, tendo em vista a via ontológica do trabalho que nos propomos a investigar.

A resposta que colocou fim a essas aflições foi encontrada no próprio método. A questão da escala e do objeto se abrigaram no procedimento totalizante da análise dialética. Assim decidimos projetar no nível de totalização mais imediato a espacialidade do trabalhador real da UFJF e encontrar nele as respostas sobre o trabalho no espaço que pesquisamos.

Para cumprir com este objetivo, seguimos a proposta de Leandro Konder (1985), de empreender uma visão de conjunto sempre de forma provisória sobre o objeto estudado, sem, contudo, pretender esgotar a realidade a que ele se refere.

Há totalidades mais abrangentes e totalidades menos abrangentes [...] A maior ou menor abrangência de uma totalidade depende do nível de generalização do pensamento dos objetivos concretos dos homens em cada situação [...] Para trabalhar dialeticamente com o conceito de totalidade, é muito importante sabermos qual é o nível de totalização exigido pelo conjunto de problemas com que estamos nos defrontando.

[...]

Para trabalhar dialeticamente com o conceito de totalidade, é muito importante sabermos qual é o nível de totalização exigido pelo conjunto de problemas com que estamos nos defrontando; é muito importante, também, nunca esquecermos que a totalidade é apenas um momento de um processo de totalização. (KONDER, 1985, p. 37,38).

Konder (1985) explica que para cada realidade há um nível de totalização em que se deve buscar compreendê-la. Por exemplo, se o objetivo é analisar as questões políticas de um país, deve-se pensar um plano de totalização que dê prioridade em totalidade à sua economia, sua história e suas contradições atuais. Se, porém, a intenção for compreender a realidade deste país no quadro mundial, é necessário um nível de totalidade mais abrangente; uma visão de conjunto do capitalismo, de sua gênese, evolução e seus impasses pelo mundo. Assim o plano de totalização vai depender do grau de exigência imposto pela realidade estudada.35

Nosso plano de totalização perfaz três estágios de totalidades, sendo que, no primeiro se aloja a realidade dos trabalhadores da universidade, que iremos estrategicamente investigar para ensaiar uma geografia do trabalho na UFJF. É o nível administrativo e diz respeito à realidade imediata do trabalho na Universidade Federal de Juiz de Fora. É o que chamamos de totalidade administrativa, das relações trabalhistas, das medidas administrativas imediatas. Programas e política de pessoal, quantitativos em geral, cargos e salários, direitos e benefícios etc.

O segundo nível diz respeito às relações de produção, tendo o espaço como representação máxima de sua totalidade, acolhendo, à luz da dialética tanto as relações estado-trabalho quanto as relações capital-trabalho. Neste sentido, refere-se mais especificamente à terceirização, criação e extinção de cargos, aposentadorias, abertura de concursos, privatizações etc. A este nível de totalidade damos o nome de nível estrutural.

O terceiro nível, que chamaremos nível sistêmico, refere-se ao espaço capitalista total e diz respeito ao modo de produção capitalista e todas as variantes

que a ele couber na pesquisa. Seus principais agentes possuem interesses antagônicos e, consideraremos neste nível capital e trabalho.

Em síntese, estes três níveis de totalidade estão intrinsecamente ligados um ao outro, de forma que na prática “Não é possível separar inteiramente as questões que apresentam um destes níveis das questões que se manifestam nos outros dois; afinal, concretamente elas são elementos de uma mesma realidade global” (KONDER, 1985, p. 39).

Fechando a questão, seguimos a proposta de Konder, logo, “temos, três totalidades, elaboradas em três níveis diversos, exprimindo três processos diferentes de totalização e nos revelando três aspectos distintos (todos três importantíssimos) da mesma realidade” (1985, p. 40). Para ilustrar nosso plano de totalização segue o esquema na Figura 2.

Os resultados de uma investigação geográfica pautada no método materialista histórico e dialético nos remete à leitura de Abraham Leon, jovem

Figura 2 – Níveis do espaço geográfico estudado

revolucionário, trotskista, judeu, militante da quarta internacional e historiador, que aos vinte e quatro anos presenteou o mundo com o livro Concepção Materialista da

Questão Judaica. Pena ter sido executado aos vinte e seis anos de idade, em uma

câmara de gás, de um campo de concentração nazista.

Mas o que melhor abstraímos de Leon foi sua prática teórico/metodológica. Sua apresentação e o título de seu livro dispensam a investigação de suas bases materialistas, históricas e dialéticas. Portanto, já seria de certo esperado que explicasse a questão judaica, com todas as suas nuances culturais, partindo da relação do povo judeu com a reprodução material de sua existência, e em última análise deste ponto de partida, o trabalho nesta sociedade. A inovação ficou por conta da abordagem espacial da questão.

O jovem Leon não se preocupou em aplicar corretamente as categorias analíticas da geografia em suas assertivas. Muito justo, partindo de um historiador. Contudo, sua contribuição para com a formulação de nosso método geográfico, considerando uma abordagem espacial do trabalho é irrefutável. Categoricamente, dispara: “A Diáspora, consequentemente, não era de todo uma coisa acidental, um produto de uma empresa de violência; a principal razão para a emigração judaica deve ser procurada nas condições geográficas da Palestina” (LEON, 1981, p. 42).

Contrariando os paradigmas de grande parte da ciência, que por todo o século XX desceu a ladeira do equívoco para ir de encontro ao sionismo, Leon irrompeu as explicações acerca da territorialidade dispersa dos judeus, que muitas vezes se pautavam em interpretações bíblicas ou históricas milenares, que forjavam, com pouca verdade, a expulsão violenta dos judeus de suas terras, dissimulando paralelamente a necessidade do reencontro deste povo com a terra prometida. O legado, para nós geógrafos, fica por conta da explicação do caráter espacial do trabalho desse povo-classe na Palestina. Elucida Leon (1981) que, os Judeus da Palestina espacializavam-se em uma região montanhosa que não possuía as mesmas condições de existência das regiões vizinhas. Aponta ainda, que a Palestina fora, desde tempos muito antigos, “uma passagem de mercadorias, uma ponte entre o Eufrates e o Vale do Nilo” (1981, p. 42), o que consubstancia a afirmação de que fora um espaço altamente influenciado pelo pensamento de mercadores advindos de outros espaços.

A Palestina, por sua espacialidade, era para o judeu palestino, o lugar do comércio. Mas não o lugar no sentido de ser um grande centro comercial onde as

transações se realizavam. A geografia hostil e semiárida desta região dificultava esta empreitada. Era, pois, uma grande estrada que levava ao comércio. Estas espacialidades propiciam razões para se acreditar que a diáspora se justificou muito mais no trabalho do judeu que nos preceitos bíblicos ou nas razões inconsistentes construídas por uma ciência equivocada. O judeu fora, desde tempos remotos, um povo-classe, cujo trabalho e a cultura comercial lhe impuseram territorialidades bastante peculiares que os levaram à prática comercial, assim como os conhecidos Fenícios. Desviando-se do determinismo geográfico, que nos obrigaria a um método dedutivo de análise espacial, Leon apreende do espaço contradições, acompanhadas de investigações históricas e capazes de colocar em movimento o modo em que o judeu produzia seus meios de existência, por conseguinte produzindo seu próprio espaço.

Leon (1981) cria, portanto, sua própria metodologia para alcançar a compreensão do judeu real partindo da produção de sua existência, utilizando como ferramenta para entender este processo uma certa análise espacial da realidade judaica. Ele não dá nome aos bois, é certo, e trata as categorias de análise da geografia com uma exagerada generalização, referindo-se a elas quase sempre através do termo “geografia”. Releve-se, porém, que o jovem historiador escreve este trabalho em 1944, quando nem bem a geografia tinha ao certo uma conformação de utilização de seus conceitos-chave. Se é que nos tempos de hoje já a tenha.

Seguindo os passos de Abraham Leon (1981), esta é nossa proposta: analisar a realidade do trabalhador na Universidade Federal de Juiz de Fora através de seu trabalho, espacialmente compreendido. A realidade estudada por Leon coloca à sua frente uma espacialidade diferente da nossa. O contexto geofísico se impõe com muito mais rigor à espacialização do judeu palestino que ao trabalhador na UFJF; as regiões montanhosas, o solo pobre e os climas hostis se tornam elementos muito mais influentes na espacialidade demonstrada pelo autor que na nossa. É bem verdade, entretanto, que a abordagem espacial da Concepção Materialista da Questão Judaica não se resume às características físicas do território judeu, dando conta em seu conjunto, de outros elementos espaciais como por exemplo a rota do comércio, a cultura nos territórios vizinhos e a própria religião judaica.

Todavia, se não tomamos de empréstimo os elementos espaciais considerados na análise de Abraham Leon, tratamos logo de definir os nossos. Não são o relevo, a vegetação ou as estações do ano que mediarão as relações inerentes

ao trabalho em nosso espaço; tampouco o trânsito, o transporte, o comércio no bairro ou a disposição de estacionamentos nos institutos se apresentarão como elementos contraditórios capazes de mover a realidade do trabalho que pesquisamos. Teremos de conhecer melhor a espacialidade que estamos estudando.

Como o relevo ou o comércio não são os principais elementos da produção espacial investigada e pouco contribuem na compreensão de nosso objeto, iremos procurar outros elementos que o façam. Primeiro é preciso definir, no plano de totalização, o nível de totalidade da busca e em seguida compreender quais elementos espaciais se relacionam mais imediatamente a ela.

No primeiro nível de totalidade, compreendido espacialmente o domínio imediato das relações trabalhistas, os elementos espaciais se apresentam nas relações entre trabalhador e universidade: o ponto eletrônico, o Proquali36,, a jornada

de trabalho, os vínculos empregatícios, os salários, os contratos e as condições de trabalho são as expressões concretas de um conjunto de relações espaciais marcadas pelo conflito, por interesses antagônicos e por territorialidades; representadas espacialmente nos setores, nos sindicatos, na administração e no Conselho Superior. No segundo nível de totalidade, de onde podemos abstrair com maior profundidade as contradições decorrentes dos antagonismos de classe, encontramos o campo das abstrações provenientes das relações de produção; em primeiro lugar da relação capital trabalho e de forma secundária da relação estado-trabalho (embora no segundo caso, reconhecemos certa limitação em defini-las). Aqui os elementos espaciais que contrariam a realidade do objeto em estudo também podem ser definidos pelas transformações socioespaciais registradas no tempo e no espaço. Bons exemplos são o Reuni e a Ebserh, que trouxeram ao espaço da UFJF uma variedade tão rica em contradições que em pouco tempo rearranjaram toda a organização espacial em vários aspectos, entre eles, inegavelmente, àqueles que tangem ao trabalho.

Ainda no segundo nível, o Plano de Reestruturação das Universidades – Reuni, é o elemento espacial que trouxe por trás do discurso de expansão uma combinação nefasta de contradições que, do ponto de vista do trabalho podem ser compreendidas como duros golpes contra o setor da classe trabalhadora nas

universidades. Em resumo, o projeto prevê uma adequação das instituições como condição para o compartilhamento de verbas do programa37.

O segundo nível de totalidade compreende também o Prouni. Um elemento espacial que podemos chamar de Robin Hood às avessas. O Prouni subtrai da produção científica e do setor ensino superior do Brasil como um todo, uma generosa quantidade de emprego público para transferi-los às faculdades privadas na condição de emprego privado. Na prática, na medida em que estes recursos públicos deixam de ser investidos nas universidades públicas e financiam o ensino privado, transformam a relação estado-trabalho em relação capital-trabalho, muito lucrativo para o capital, mas um verdadeiro “roubo” para o trabalho. Repare-se que estes elementos, em todos os níveis de totalização, carregam consigo contradições que no movimento dialético da realidade transformam o espaço e, por conseguinte, a forma como o trabalhador nele se espacializa.

Por fim, no terceiro nível de totalização (correspondente ao espaço capitalista), abarcamos a sociedade, o modo de produção capitalista, o capital e o trabalho. É o nível do espaço total, em seus movimentos históricos.

É importante explicar que a discussão sobre os elementos presentes em cada um dos níveis de totalidade, seus quantitativos e qualitativos, será feita de forma dialética nos seçãos seguintes pela inquirição empírica, buscando unificar de mesmo modo teoria e prática. Em outras palavras, o método e a investigação empírica tratarão de conformar definitivamente um estudo geográfico do trabalho na Universidade Federal de Juiz de Fora, nas seções seguintes.

37 Nas seções à frente, veremos como a universidade necessitou reorganizar o trabalho com o objetivo de diminuir a relação servidor/aluno e como teve de adequar-se a um mecanismo que a obrigou a elaborar periodicamente um Plano de desenvolvimento institucional, condicionando o recebimento de recursos públicos a execução dos objetivos consubstanciados no triple autonomia-financiamento- gestão. Para cumprir com o tal plano as universidades tiveram de jogar-se de braços abertos a contratos com a iniciativa privada, tendo como resultante a privatização do trabalho em setores inteiros.

No documento fabricioandredealmeidalinhares (páginas 50-57)