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2. DA DOBRA À DOBRADURA

2.2. Dobradura: a dobra no ensino da arquitetura

2.2.3. A geometria do origami

Neste item, abordamos a prática do origami como ferramenta utilizada para explorar o conteúdo geométrico por meio de dobraduras, assim como expomos axiomas e teoremas fundamentais sobre os padrões de vinco. “[...] O ato de dobrar envolve habilidades espaciais e formas geométricas. É por esta razão que o origami parece ter capturado o interesse daqueles que ensinam matemática e tem sido aceito como uma prática benéfica na sala de aula” (ORIGAMI..., s.d., p.70)116

. Na citação a seguir, temos descrita a potencialidade do referido ato.

[...] Dobrando e desdobrando podemos observar por meio dos vincos formados retas, ângulos, simetrias e figuras geométricas. Podemos reconhecer e analisar propriedades de figuras geométricas, utilizar a visualização e o raciocínio espacial. Explorar os conceitos de tamanho, forma e medida, [...]. As dobragens praticadas em grupo permitem o debate de ideias, o esclarecimento de conceitos e o desenvolvimento de estratégias individuais e coletivas. São estas atividades de aprendizagem que rentabilizam a autonomia e a responsabilização do aluno. Além disso, permitem o desenvolvimento da criatividade, da concentração e persistência, [...] (ORIGAMI..., 2013, s.p.).

Segundo Bellos (2010), matemático e filósofo formado pela Oxford University, em 1936, o primeiro conjunto de axiomas para análise da construção geométrica do

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Do original: “ [...] during the 1990s, new tools for 3-D [...] made it possible for architects to literally multiply the folds in their projects.” (TEYSSOT, 2013, p.36).

116 Do original: “[...] The act of folding involves spatial skills and geometric shapes. It is for this reason that Origami seems to have captured the interest of those that teach mathematics and has been accepted as a beneficial practice in the classroom.”

origami tratava da duplicação do volume de um cubo e da trissecção de um ângulo,

desenvolvido por Margherita Piazzolla Beloch, que

[...] publicou um documento que provava que, começando com um comprimento L em um pedaço de papel, ela poderia dobrar um comprimento que era a raiz cúbica de L. O problema de Delos pôde ser reformulado como o desafio de criar um cubo cujos lados são ∛2 [...]. Em termos de origami, o desafio é reduzido para dobrar o comprimento ∛2 a partir do comprimento 1. Uma vez que pode dobrar de 1 a 2 por conseguir dobrar 1 sobre si mesmo e podemos encontrar a raiz cúbica de 2 seguindo os passos de Beloch, o problema foi resolvido. Também seguindo a prova de Beloch qualquer ângulo pode ser trissectado - e isso quebrou o segundo grande problema não resolvido da antiguidade117 (BELLOS, 2010, p.67).

Além da contribuição do conjunto de axiomas de Margherita Piazzolla Beloch, citamos os axiomas relatados por Monteiro (2008, p.8), em sua dissertação, relacionados à “[...] teoria matemática de construções geométricas do origami, os sete axiomas de Huzita-Hatori definem o que é possível construir com uma única dobragem, fazendo incidir combinações de pontos e retas”. Além de Huzita, o autor também menciona outros importantes nomes que estudaram as dobragens em origami tais como Jacques Justin (1989), Koshiro Hatori (2002), e Robert Lang (2003) 118. Este último, em seus estudos sobre a geometria do origami averiguou que

um dos conjuntos mais simples de operações que se pode escolher é o conjunto ‘Huzita-Justin Axioms’ – um conjunto de seis (ou é sete) operações básicas que servem como os equivalentes do origami de construções de geometria elementar de régua e compasso. […] O axioma Huzita-Justin descreve um estilo extremamente restritivo de dobrar: apenas uma dobra de cada vez pode ser realizada, e cada dobra

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Do original: “[…] published a paper that proved that starting with a length L on a piece of paper, she could fold a length that was the cube root of L. [...]. The Delian problem can be rephrased as the challenge to create a cube whose sides are ∛2 [...]. In origami terms, the challenge is reduced to folding the length ∛2 from the length 1. Since we can double 1 to get 2 by folding 1 on itself and we can find the cube root 2 following Beloch’s steps, the problem was solved. It also followed from Beloch’s proof that any angle can be trisected – and this cracked the second great unsolved problem of antiquity.” (BELLOS, 2010, p.67).

118 E afirma que: “Na década de 1970 começaram a realizar-se estudos para enumerar as possíveis dobragens em Origami [...]. Destacou-se nesta área Humiaki Huzita, que descreveu seis operações básicas para definir um único vinco que, por si só, alinha várias combinações de pontos e retas já existentes. [...], em 1989, Jacques Justin publicou um artigo em que apresentava não seis, mas sim sete combinações possíveis com uma única dobragem. [...], em 2002, quando Koshiro Hatori apresentou uma dobragem que não era descrita pelos axiomas de Huzita, que surgiu formalmente um sétimo axioma. [...]. Os sete axiomas [...]vieram abalar o mundo científico do origami relativamente à completude da lista. [...]. Em 2003, o físico americano Robert Lang dá a dúvida por terminada.” (MONTEIRO, 2008, p.8).

deve ser desdobrada antes que a próxima seja formada (ORIGAMI..., 2014, s.p.) 119.

Na citação a seguir temos uma descrição sobre as operações geométricas oriundas dos axiomas em questão, apresentados no Quadro 4.

Dobras representam linhas, e interseções de dobras, pontos. Agora, para modelar origami, precisamos saber que nova dobra se pode fazer a partir de uma determinada configuração. O modelo mais natural usa os axiomas Huzita-Hatori-Justin, [...]. Os dois primeiros axiomas [...] são necessários para as construções básicas. O axioma 3 afirma a construção de bissetrizes, o axioma 4 a construção de perpendiculares. O axioma 5, curiosamente, fornece um método para resolver equações de segundo grau por origami; a nova dobra é na verdade uma linha tangente a uma parábola [...] a partir de um dado ponto. O axioma 6 até mesmo nos permite resolver equações cúbicas, que, em geral, não é possível usando apenas régua e compasso! 120 (ORIGAMI..., 2014, s.p.).

Bellos (2010) discorre sobre a origem do primeiro teorema de Haga, apresenta as primeiras dobras denominadas de “vincos primários” e comenta a respeito da pesquisa de Haga que revolucionou o mundo do origami.121 Estes vincos são associados à propriedade de reprodutibilidade necessária às dobras consideradas aceitáveis122, (Figura 50).

119 Do original: “ One of the simplest sets of operations one can choose is the set of "Huzita-Justin Axioms"—a set of six (or is it seven?) basic operations that serve as the origami equivalents of compass and straightedge constructions from elementary geometry. The Huzita-Justin Axioms describe an extremely restrictive style of folding: only one fold at a time may be performed, and each fold must be unfolded before the next one is formed.”

120 Do original: “ Folds represent lines, and intersections of folds, points. Now, to model origami, we need to know which new folds one can make from a given configuration. The most natural model uses the axioms of Huzita-Hatori-Justin [...]. The first two axioms [...] are needed for basic constructions. Axiom 3 states the construction of bissectrices, axiom 4 the construction of perpendiculars. Axiom 5, interestingly, provides a method for solving quadratic equations by origami; the new fold is infact a tangent line to a parabola (with the given point and fold as focus and directrix, respectively) through a given point. Axiom 6 even allows us to solve cubic equations, which is in general not possible using only straightedge and compass!”.

121 No entendimento do autor “ [...] according to the rules of traditional Japanese origami there are only two ways to make the first fold. Both involve folding it in half—either along a diagonal, bringing two opposing corners together, or along the midline, bringing adjacent corners together. These are called the “primary creases.” Haga decided to be different. What if he folded a corner onto the midpoint of a side? […] This simple fold had the effect of opening the curtains on a sublime new world. Haga had created three right-angled triangles. Yet these were not any old right-angled triangles. All three were Egyptian, the most historic and iconic triangles of them all.” (BELLOS, 2010, s.p.).

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Ressalta-se a importância da referida propriedade, uma vez que: “[...] In origami all acceptable folds must have the property of reproducibility - the result of a folding procedure must always be the same. The basic origami folds involve point-to-point line-to-line. Using only the four edge and the four vertices, the possible ways of folding are placing an edge onto another edge or placing a vertex onto another vertex. (HAGA, 2008, p.1).

Figura 50: Primeiras dobras com a propriedade reprodutibilidade.

Fonte: HAGA, 2008.

Quadro 4: Axiomas Huzita-Hatori.

AXIOMAS ORIGAMI

Axioma 1: Dados dois pontos, P1 e P2, há uma dobragem que passa pelos dois pontos.

Axioma 2: Dados dois pontos, P1 e P2, há uma dobragem que os torna coincidentes.

Axioma 3: Dadas duas retas, l1 e l2, há uma dobragem que as torna coincidentes.

Axioma 4: Dados um ponto P e uma reta l, há uma dobragem perpendicular a l que passa por P.

Axioma 5: Dados dois pontos, P1 e P2, e uma reta, l, se a distância de P1 a P2 for igual ou superior à distância de P2 a l, há uma dobragem que faz incidir P1 em l e que passa por P2.

Axioma 6: Dados dois pontos, P1 e P2, e duas retas, l1 e l2, se as retas não forem paralelas e se a distância entre as recas não for superior à distância entre os pontos, há uma dobragem que faz incidir P1 em l1 e P2 em l2.

Axioma 7: Dado um ponto, P, e duas retas, l1 e l2, se as retas não forem paralelas, há uma dobragem que faz incidir P em l1 e é perpendicular a l2.

Como se pode observar, por intermédio da Figura 51, os três triângulos retos resultantes da dobra proveniente do primeiro teorema de Haga são pitagóricos, como se comprova com a demonstração geométrica das relações dos lados do BEF.123 (DIVISIÓN…, 2005, s.p.).

Figura 51: Primeiro teorema de Haga.

Fonte: HAGA, 2008, adaptada pela autora.

Além dos axiomas acima comentados, existem teoremas fundamentais sobre os padrões de vinco locais em torno de um único vértice dobrado que foram estabelecidos por Toshikazu Kawasaki e Jun Maekawa, como veremos a seguir.

O Teorema Kawasaki124 se relaciona à soma dos ângulos alternados, que se formam em um vértice, e ao número deles que deve ser par, como se tem explicitado através da citação abaixo e da Figura 52. Já o Teorema Maekawa está atrelado ao tipo de dobra que compõem um vértice, da seguinte forma: que em qualquer vértice a diferença entre o número de dobras valley e mountain é sempre dois em qualquer direção (Figura 53).

123 [...] El primer teorema de Haga puede enunciarse en los siguientes términos: Sea un cuadrado de vértices A, B, C, D. Si se pliega el cuadrado sobre sí mismo llevando el vértice A al punto medio del lado BC , entonces el lado AD cortará al lado CD en un punto G tal que la distancia entre C y G es igual a las dos terceras partes del lado del cuadrado.”

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Trata-se de “um princípio importante na matemática do origami […], segundo o qual a soma dos ângulos alternados formados por dobraduras em volta de um único vértice em um origami desdobrado será sempre 180º. Isso vale para cada vértice do papel desdobrado de uma figura plana, e não necessariamente de formas não achatadas. [...]. Pode-se ver que sempre teremos um número par de ângulos, para cada vértice.” (A MATEMÁTICA..., 2011, s.p.)

Figura 52: Teorema Kawasaki.

Fonte: Produzida pela autora.

Figura 53: Teorema Maekawa.

Fonte: en.wikipedia.org/wiki/Mathematics_of_paper_folding. Acesso em: 23 nov. 2015. Adaptada pela autora.

Além dos teoremas Kawasaki e Maekawa afirma-se que “nos padrões de dobradura de figuras planas, pode-se colorir o papel inteiro desdobrado somente com duas cores, sem que se repita a mesma cor lado a lado, [...]” (A MATEMÁTICA..., 2011, s.p.).

Quanto a curvatura de um tessellation, verificou-se “[...] que o tamanho do ângulo agudo no padrão de vincos controlava o grau de curvatura em arco de pregas. Quanto menor for o ângulo agudo, mais ‘apertada’ a curvatura do arco seria125

. E que [...] quanto menor for o ângulo agudo, maior é o número de dobras.126 (GISECKE,

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Do original: “[…] that the size of the acute angle in the crease pattern controlled the degree of curvature in the pleated arch. The smaller the acute angle, the “tighter” the curl of arch would be.” (GISECKE, 2004, p.20-21).

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Do original: “[…] the smaller the acute angle is the greater are the number of folds.” (GISECKE, 2004, p,21).

2004, p.20-21,). Lynn (2004, p.11) trata do aspecto filosófico127 da curvatura por meio do conceito de continuidade e afirma que “[...] as obras em dobradura há dez anos apontaram para várias direções ao longo do caminho do cálculo de investigação em matéria da continuidade, subdivisão e uma matemática mais generalizada da curvatura”128 .

De acordo com o exposto acima, podemos afirmar que a geometria do origami, estudada por vários autores, os axiomas e teoremas são fundamentais para a criação de padrões de dobras, os tessellations. Para ressaltar a importância da implementação do conceito de dobra na concepção arquitetônica, apresentamos o Quadro 5, que resume o pensamento de alguns dos autores pesquisados.

Quadro 5: Dobra.

Autor Pensamento

Chiarella (2009) O sentido filosófico da dobra inspira a arquitetura.

James (2008) A dobra é uma alternativa para a exploração morfogênica.

Gisecke (2004) Através do origami pode-se desenvolver desenhos de

estruturas implementáveis.

Lynn (2004)

A dobra favorece o sentido de continuidade através da integração de elementos independentes, criando uma fusão única.

0Vyzoviti (2012)

O uso de padrões de dobras, tessellations, são comuns no século 20. Os padrões de dobramentos simples criam projetos maiores e mais complexos.

Paul Jackson (2011) Ressalta a importância do ensino de técnicas de dobraduras para o ensino de concepção da forma.

Teyssot (2013) e Lynn (2004) Afirmam a relação entre o design digital e a implementação do conceito de dobra na década de 90.

Fonte: Produzida pela autora, 2016.

Para concluir este capítulo, destacamos que o conteúdo discutido fundamentou os exercícios utilizados na metodologia da presente tese, uma vez que será necessário que o aluno crie padrões de dobraduras tendo como base os axiomas e principalmente os teoremas Kawasaki e Maekawa apresentados no item 2.3.3 (A geometria do origami).

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destacando que: “a theory of intricate form is derived from Leibniz's logic of monadology and Deleuze's subsequent theories of 'Le pli', or the fold.” (LYNN, 2004, p.11).

128 Do original: “The works in folding ten years ago pointed to several directions along the calculus path of research into continuity, subdivision and a more generalized mathematics of curvature.” (LYNN, 2004, p.11).

Estes, por sua vez, otimizaram a relação ensino/aprendizagem, pois foi uma atividade que permitiu a associação do ensino de geometria ao ensino de projeto. Os projetos estudados no item 2.2 (A dobra na arquitetura), fundamentados no conceito filosófico da dobra, subsidiaram a criação de um repertório para ser explorado nas aulas de geometria e de projeto do primeiro período do curso de arquitetura e urbanismo da UFRN, e foi a base teórica para se alcançar o segundo objetivo específico que tratou da verificação da eficácia da utilização de técnicas de dobraduras no desenvolvimento da concepção formal de objetos arquitetônicos.

O pesquisador reúne todas as

energias de sua capacidade criadora,

organiza todas as possibilidades de ação e

seleciona as melhores técnicas e

instrumentos para transformar o mundo,

criar objetos e concepções, encontrar

explicações e avançar previsões, trabalhar

a natureza e elaborar as suas ações e

ideias. (OLIVEIRA, 2011, P.8).

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