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2. O Caso Brasileiro: Novos Atores em Cena

2.3 A Gestão Urbana no Brasil e seus Condicionantes

A agenda atual da reforma está configurada no Plano Diretor da Reforma do Aparelho de Estado (1996) compreendendo, além do fortalecimento das funções de regulação e coordenação do Estado particularmente no nível federal, uma progressiva descentralização vertical, para os níveis estadual e municipal, das funções executivas no campo da prestação de serviços sociais e de infra-estrutura.

Pretende essa tendência, sob o argumento de que a descentralização implica em uma possibilidade de se romper a rigidez do padrão burocrático-centralista - alcançar uma transformação na capacidade de governar do Estado, através da transição de um tipo de administração ineficiente e voltada para si própria para uma administração pública gerencial, cuja capacidade de implementar políticas públicas esteja voltada para o cidadão, dentro de um quadro de redução de custos e aumento da qualidade dos serviços. Este tipo de administração tem de fundar-se na definição precisa de objetivos, na autonomia do administrador com relação aos seus recursos humanos e materiais e no controle dos resultados. O paradigma gerencial contemporâneo exigiria, assim, formas flexíveis de gestão, horizontalização de estruturas, descentralização de funções e incentivos à criatividade.

O problema da gestão e financiamento das políticas governamentais para enfrentar as inúmeras funções tradicionalmente atribuídas ao Poder Público remete à problemática contemporânea dos centros urbanos.

Segundo FARIA (1983) o cenário apresentado pelas grandes cidades brasileiras é uma combinação de modernização e miséria, quadro este traçado simultaneamente pela rápida urbanização e as mudanças na estrutura do emprego do país - geradas pela passagem de uma estrutura econômica

marcadamente agrícola, até meados de 50, para outra predominantemente industrial e urbana.

Enquanto as décadas de 60 e 70 assistiram ao aumento da industrialização, o número de empregos criado pela indústria não acompanhou o rápido processo de urbanização (URANI, 1998). Ao mesmo tempo a distribuição de renda tornou-se mais desigual (RAMOS & REIS, 1998 ).

Essa tendência histórica só foi contrariada, segundo o DIEESE, na fase inicial do Plano Cruzado (1986) quando o crescimento da economia foi acompanhado por ganhos reais significativos nos rendimentos dos trabalhadores da base da pirâmide salarial (os 10% e 25% mais pobres). Esse fenômeno se repetiu imediatamente após o início do Plano Real (1994), sendo que o ano de 1996 marca o retrocesso na trajetória redistributiva. Segundo o documento do DIEESE:

“...com um quadro de crescimento econômico pífio, pelo menos para sustentar objetivos de desconcentração e de geração de empregos, as taxas de desemprego retornam aos patamares recordes registrados na crise do mercado de trabalho em 1992. A economia em marcha lenta, o desemprego elevado e a estagnação - e reversão - dos ganhos nos preços relativos de serviços esvaziam as causas da melhoria de distribuição de renda no período pós-Real”. 7

Na verdade o quadro brasileiro acompanha as tendências internacionais. Segundo o último relatório da OIT (1998/1999) aproximadamente um terço da população ativa do mundo está desempregada ou subempregada, cifra que não variou substancialmente desde as estimativas dadas a conhecer pela OIT no seu informe anterior, correspondente a 1996-1997. A OIT estima em 60

milhões o número de jovens de idade compreendida entre os 15 os 24 anos que buscam trabalho no mundo.

O relatório da OIT aponta que embora na América Latina tenham ocorrido melhoras dos indicadores da produção, esta circunstância não foi acompanhada de uma melhora na situação do emprego, medido em 7,9% no Brasil. O informe observa ainda que a maioria dos novos empregos nos países em desenvolvimento estão sendo criados no setor não estruturado da economia.

O relatório do Banco Mundial de 1998 classifica a distribuição de renda no Brasil entre as menos equitativas do mundo em desenvolvimento. Segundo pesquisas do Banco Interamericano de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) o número de pobres na população na década de 80 teve um crescimento recorde de 43, 48%. (Pobre para o Banco Mundial é a família que ganha menos de U$ 370,00/ano).

Os números da primeira pesquisa Economia Informal Urbana (ECINF - 1997) do IBGE apontaram que o setor informal da economia brasileira movimentava, no mês de outubro de 1997, R$ 12,890 bilhões, através de quase 9,478 milhões de empresas que empregavam mais de 12 milhões de pessoas, entre pequenos empregadores, trabalhadores por conta própria, empregados com e sem carteira assinada e trabalhadores não remunerados.

O rendimento médio das pessoas ocupadas no setor informal - fora os proprietários - é de R$ 240,00, sendo que o rendimento dos homens (R$ 253,00) é superior ao das mulheres (R$ 218,00) em todas as categorias: nível de instrução, posição na ocupação e grupos de idade. O rendimento aumentava conforme crescia o grau de instrução, mas havia uma exceção: os trabalhadores com segundo grau incompleto ganhavam, em média, menos do que os que tinham o primeiro grau completo. De acordo com a posição na

ocupação, os empregados com carteira assinada ganhavam, em média, R$ 290,00, rendimento que crescia à medida que aumentava a faixa etária do trabalhador.

O quadro de desemprego crescente na década de 90 completa o cenário da década de 80, caracterizado pelo declínio nas taxas de crescimento econômico do país (BONELLI & GONÇALVES, 1998).

Na perspectiva do Estado esse declínio esteve associado a uma crise de financiamento que acarretou atrasos tecnológicos, retardamento de projetos de expansão da infra-estrutura, deterioração dos serviços e acúmulo das carências de atendimento das demandas sociais.

Segundo CHAFFUN (1995) os principais elementos dessa crise de financiamento foram, em primeiro lugar a escassez de recursos e em segundo lugar a pulverização desses recursos. A transferência de encargos e responsabilidades para o nível local de governo - pela descentralização fiscal, que antecedeu a própria Constituição de 88 - criou situações extremamente heterogêneas, tanto no que diz respeito à capacidade de arrecadação quanto à capacitação dos municípios para o exercício de suas competências constitucionais.

O desafio da gestão urbana, face aos constrangimentos das finanças públicas em todos os níveis de governo transformou-se em encontrar alternativas viáveis de provimento dos serviços, no estilo preconizado por OSBORNE e GAEBLER (1994) de “reinventar o governo” através de parcerias com a sociedade, num quadro que resgata simultaneamente a identidade local e a cidadania. A idéia da transferência dos desafios sociais para as cidades encontra eco no “protagonismo citadino” de BORJA (1994) e nas estratégias competitivas do “empreendedorismo urbano” de que fala HARVEY (1989).

Tais desafios de articulação requerem gestores com capacidade de criarem governança, conceito plural que segundo FISCHER (1996) compreende não apenas a substância da gestão, mas “a relação entre os agentes envolvidos, a construção de espaços de negociação os vários papéis desempenhados pelos agentes no processo” (p. 19).

Dessa forma, para fazer face à questão urbana no Brasil, que alia problemas complexos à escassez de recursos, recorrer à outros atores tem sido uma estratégia cada vez mais utilizada pelo Poder Público, principalmente no nível local.

Um estudo recente executado pela Secretaria de Política Urbana do Ministério do Planejamento e relatado em BONDUKI (1996), refere-se ao conceito de “práticas locais bem sucedidas” relacionadas à setores (habitação, saneamento, etc.) ou à gestão global da cidade, entendendo-se por isso projetos, iniciativas ou políticas de âmbito local que tenham resultado em melhoria tangível e mensurável das condições de vida e do habitat da população, contribuindo ainda para a redução do custo do setor.

Os critérios sugeridos para enquadramento destas iniciativas são: a) impacto positivo no habitat; b) parcerias articuladas entre os atores envolvidos; c) sustentabilidade; d) potencial de universalização.

O quadro social a ser enfrentado guarda ainda dificuldades referentes à problemática ambiental. O processo histórico de urbanização brasileiro, caracterizado pela combinação do crescimento demográfico e a modernização dos setores produtivos engendrou um panorama de grandes complicações nos setores de habitação, limpeza e saneamento - além dos clássicos problemas de educação e saúde. Segundo CHAFFUN (1995) a urbanização acelerada e desordenada, a concentração da população e das atividades econômicas no espaço e os padrões tecnológicos da produção industrial têm reforçado um

apresenta dados segundo os quais “ dos 113 milhões de pessoas que vivem hoje no Brasil urbano 75 milhões não dispõem de esgoto sanitário, 20 milhões não contam com água encanada e 60 milhões não dispõem de coleta de lixo” (p. 203).

Segundo esse mesmo autor somente 3% do total do lixo coletado tem disposição final adequada, enquanto outros 63% são lançados em cursos d’água e 34% a céu aberto. Estes indicadores contextualizam a questão dos resíduos sólidos dentro da temática ambiental urbana.

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