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2. O Caso Brasileiro: Novos Atores em Cena

2.4 A Problemática dos Resíduos Sólidos Urbanos

Segundo o dicionário Aurélio o lixo é “tudo o que não presta e se joga fora”, “coisa ou coisas inúteis, velhas, sem valor” (p. 1042) significando todo e qualquer resíduo decorrente das atividades humanas. DEMAJOROVIC (1995) afirma que a substituição do termo “lixo” por “resíduos sólidos” implica numa compreensão de que alguns subprodutos possuem valor econômico, por possibilitarem reaproveitamento no processo produtivo.

O lixo urbano se constitui em um dos maiores problemas da sociedade moderna (MARTINE, 1993). O volume de lixo tem crescido substancialmente sobretudo nos países em desenvolvimento e sua composição tem se modificado substancialmente. Estes dois fatos associados têm criado uma necessidade urgente de se buscar uma solução original para o problema, dentro de uma visão abrangente e comprometida com uma economia auto- sustentável (HOGAN, 1992). Uma das ações nesse contexto diz respeito à maximização da reciclagem e ao reaproveitamento dos resíduos. 8

8 Segundo GUIMARÃES (1992) o reaproveitamento do papel começou na Filadélfia - EUA , por volta do

século XVIII, quando fibras de linho, trapos e papel velho chegaram a responder por 60% de toda a matéria-prima fibrosa utilizada pela indústria de papel americana naquela cidade. CHIARELLI (1990) afirma que a Segunda Guerra Mundial foi o marco divisório na indústria de reaproveitamento do papel. Em 1944, segundo aquele autor 35,3% de todo o papel produzido nos EUA tiveram origem em

Ao abordar o conceito de desenvolvimento sustentável HOGAN (1992) afirma que pensar nas possibilidades de um um novo estilo de desenvolvimento implica em reconhecer que o Estado desempenha um papel indispensável como condutor e gerenciador de uma parte dessas transformações. Mas esse tipo de gestão, segundo o mesmo autor, teria de ser compartilhado entre o Estado, a sociedade civil, o setor privado e as comunidades locais, na busca de estilos que garantissem a criatividade e a gestão autônoma da sociedade. HOGAN (1992) chega mesmo a afirmar que a reflexão sobre a questão ambiental no Brasil confunde-se com a reflexão sobre os processos de mudança social que caracterizam a sociedade urbano-industrial brasileira - pobre, heterogênea e desigual - na periferia da economia mundial crescentemente internacionalizada.

É por esses motivos que a emergência da questão do lixo para a agenda pública nos grandes centros ganha alta relevância (MARTINE, 1993). Segundo esse autor “enquanto a produção e o consumo se aceleram num ritmo febril, tecnologias apropriadas para dispor dos subprodutos indesejáveis não foram desenvolvidas” (p. 271).

Segundo FARIA (1983) a quantidade e composição dos rejeitos sofreu grandes transformações na passagem do Brasil agrário e homogêneo para a atual sociedade urbano-industrial complexa e diferenciada, onde o volume aumenta acompanhando o crescimento das cidades.

Estudos revelam disparidades na composição do lixo de um país a outro e até de uma cidade a outra. SAKAI (1996) relata as seguintes frações de material orgânico no lixo domiciliar: Japão, 42%; EUA, 23%; Suécia, 45%; Países Baixos, 30%; Alemanha, 27%; Canadá, 29%. As estatísticas brasileiras disponíveis indicam valores médios para a maioria das cidades na faixa de 50 a 80% (FIGUEIREDO, 1992).

Os dados acima relacionados indicam que em nenhum país desenvolvido, resíduos orgânicos chegam a 50% do lixo gerado, enquanto no Brasil poucas cidades situam-se abaixo deste valor. A taxa de geração de lixo é da ordem de 1,6kg por habitantes por dia em países desenvolvidos (SAKAI, 1996) e da ordem de 0,8kg por habitante por dia nos países do Terceiro Mundo (KIRONDE, 1997).

Além de ter que acomodar as taxas variadas, nenhum modelo de gestão adequado pode ignorar as características locais do lixo e a situação cultural da população. De fato, os autores observaram modelos de gestão em vários países (Alemanha, Argentina, Brasil, Canadá, China, Grã Bretanha, Suécia) encontrando diferenças significativas. Mesmo assim, as tecnologias de tratamento adotadas na maioria dos países visitados deixam transparecer uma preocupação crescente com a redução de aterros. Todas as tecnologias, sejam elas incineração, compostagem, coleta seletiva, digestão anaeróbia ou separação pós-coleta, visam desviar o lixo dos aterros. A literatura internacional do ramo confirma essa tendência geral nos últimos anos (DUNSON, 1997, GANAPATHY, 1995, MERRY, 1997, MITCHELL, 1997, VILLE, 1992).

Segundo BRANCO (1978) o lixo urbano, por sua vez também é muito diferenciado em função da renda familiar, do nível de industrialização dos alimentos, da cultura e hábitos da população, do tipo de atividade econômica, do tipo e intensidade da circulação de pedestres e veículos, etc. podendo ser de origem doméstica, industrial, comercial, hospitalar ou outros tipos especiais, tais como os oriundos de festividades, feiras, etc.

Segundo este mesmo autor grande parte dos resíduos sólidos urbanos se constitui de material biodegradável ou biologicamente reciclável. O tratamento desses resíduos pode ser feito via processos naturais ou artificiais. No primeiro caso ocorre a decomposição biológica deste material por atividade de microorganismos decompositores.

Essa decomposição geralmente é realizada em instalações especiais denominadas usinas de compostagem. O tratamento artificial consiste na incineração do lixo - o que reduz as propriedades benéficas do composto orgânico, bem como constitui-se num processo poluidor pela eliminação de gases durante a combustão.

Segundo PINTO (1979) a destinação final desses resíduos constitui uma tarefa particularmente problemática, por ser potencialmente poluidora do meio- ambiente, podendo criar sérios problemas para o ar, água , solo, sub-solo. Por isso é tarefa dos responsáveis pela coleta e tratamento procurar minimizar as consequências dessa fase do processo, buscando soluções que compatibilizem a disponibilidade de espaço, recursos e participação da população.

Para DEMAJOROVIC (1995) as políticas de gestão ambiental foram pautadas desde a década de 70 pela utilização de instrumentos de comando e controle, envolvendo a regulação direta do setor público através de legislação rigorosa e políticas de fiscalização. Para este autor durante a década de 80 a eficiência desses instrumentos foi bastante criticada, sendo criados outros instrumentos que valorizavam a promoção da recuperação, reciclagem e reutilização dos materiais.

Segundo PINTO (1979) o recurso à coleta seletiva de materiais possibilita uma ampliação das possibilidades de reaproveitamento do lixo urbano. Segundo este autor a separação do material recuperável depende fundamentalmente da existência de um mercado que absorva este material e da conscientização da população para a idéia de recuperação dos recursos do lixo, podendo ser processada de três formas básicas:

a) a coleta separada de porta a porta, onde um veículo específico recolhe o tipo de material previamente separado pela população;

b) a coleta domiciliar combinada, na qual um veículo especial recolhe todo o lixo do domicílio, previamente separado;

c) os centros de reciclagem, para onde a população encaminha voluntariamente os materiais reaproveitáveis.

No Brasil a reciclagem é praticada segundo GUIMARÃES (1992) há pelo menos 40 anos, porém de forma irregular por pequenas empresas. Segundo este autor a “indústria da reciclagem” mobiliza alguns atores clássicos:

a) os catadores de papel e papelão, na base do processo;

b) os donos de ferro-velho, onde é geralmente feito o depósito e separação do material recolhido;

c) os depósitos, pequenas empresas que compram a produção dos catadores e revendem para a indústria.

GUIMARÃES(1992) identifica ainda uma nova tendência, segundo a qual os donos de depósito passam a recolher diretamente o material de seus clientes preferenciais (supermercados, repartições públicas, etc) o que teoricamente retira uma fonte de material para os catadores.

O elogio da reciclagem no entanto encontra vozes dissonantes. Para VALENTE (1999):

“...não há dúvida que reciclar produtos existentes nos resíduos sólidos representa uma economia em termos de destinação final, aumentando a vida útil dos aterros sanitários. Esta viabilidade seria alcançada em qualquer caso? Sobre este assunto os defensores irrestritos dessa necessidade deveriam verificar o que está ocorrendo em outros países como Alemanha, Estados Unidos e mesmo no Japão. Teria mercado todo e qualquer material reciclado? Até uma certa quantidade o mercado existe e tem condições de absorver esses produtos reciclados dentro de condições que

interessam ao reciclador. Mas, quanto maior for a quantidade de determinados produtos, mais difícil é colocá-los novamente em circulação, por questões de preços que o mercado vai fixando de acordo com a oferta e pela própria necessidade deste mercado”

O autor argumenta que a experiência internacional recente não tem mostrado um sucesso indiscutível deste tipo de prática, em que pesem seus aspectos positivos. Para ele:

“O que sabemos é que grande quantidade de materiais reciclados na Alemanha não encontram consumidores, mesmo fornecidos gratuitamente, o que tem obrigado o poder público a encaminhar estes produtos para aterros sanitários ou para incineradores. O problema é grave, pois a reciclagem é lei e os munícipes são obrigados a obedecer esta lei”.

Essa obrigatoriedade tem gerado inúmeros dificuldades e, algumas vezes, a solução de um problema engendra outro, igualmente grave.

“Sabemos que houve tentativas de encaminhar estes produtos (alemães) para outros países e não deu certo. No Japão grande parte dos reciclados que não encontram mercado são encaminhados para outros países vizinhos, para os incineradores e para aterros sanitários. O Brasil tem recebido pneus usados do Japão e dos Estados Unidos para serem recauchutados, aumentando consideravelmente os problemas de destinação final dos mesmos, que tem se constituído em séria dificuldade para todos os países do mundo”.

Para este autor a reciclagem de materiais é uma atividade problemática devido à pequena capacidade de absorção pela indústrias, à necessidade de

campos social, educacional e ambiental seriam os aspectos positivos mais atraentes em qualquer programa de reciclagem, considerando-se a venda de produtos apenas uma forma de se obter pequena mitigação dos custos globais. É no bojo desta reflexão teórica que procurou abordar num primeiro momento uma discussão sobre o Estado e a sociedade com a entrada de novos atores em cena, passando pela inserção do caso brasileiro, a gestão urbana e a problemática do lixo, que se delimita o caso específico da SLU em Belo Horizonte, conforme a sequência do trabalho.

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