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Como forma de investigar em profundidade o problema, explorando suas múltiplas dimensões escolheu-se fazer uma investigação qualitativa do tipo descritivo, mediante um estudo de caso.

Aqui cabe mencionar que a opção por este caminho se deu não sem antes considerar uma reflexão sobre a avaliação de políticas públicas como alternativa metodológica.

De fato, o campo de estudos das políticas públicas é tão vasto que seu devido tratamento foge ao propósito deste estudo. (LOVY, 1964; LASSWEL, 1971, BARDACH, 1977;WYLDAVSKY, 1981). Não existe qualquer tipo de consenso com respeito às categorias de análise e avaliação de políticas públicas, variando as abordagens segundo o contexto ou a conveniência (SANTOS, 1989).

Alguns autores identificam políticas públicas às políticas sociais. SANTOS (1989) afirma que política social é um termo largamente usado mas que não se presta a uma definição precisa, confundindo-se com qualquer política governamental . Para este autor uma definição resumida de política social seria “... o conjunto de atividades ou programas governamentais destinados a remendar as falhas do laissez-faire” (p.35 ). Para este autor essas políticas podem ser classificadas como preventivas, compensatórias ou redistributivistas.

Já COIMBRA (1989) adota outro tipo de classificação, segundo matrizes teóricas: a perspectiva do serviço social, a teoria da cidadania, o marxismo, o funcionalismo, a teoria da convergência, o pluralismo e as teorias econômicas da política social.

A literatura de origem anglo-saxã constitui a contribuição mais extensa ao tema. Segundo VIANNA (1996) para esta corrente a avaliação deve percorrer quatro etapas: construção da agenda, formulação de políticas, implementação de políticas e avaliação de políticas. O processo das políticas públicas, segundo MENY e THOENIG (1992), pode ser dividido em fases, assim colocadas: a identificação de um problema, a formulação de soluções, a tomada de decisão, a execução da ação e a terminação da ação, onde se produz a avaliação dos resultados.

No que tange à implementação, isto é, a colocação em prática das políticas públicas SUBIRATS (1989) argumenta que somente a partir dos anos setenta surge uma literatura consistente. Segundo este autor “até então os especialistas estiveram preocupados com a formulação de políticas, deixando os detalhes práticos para os administradores” (p. 102). O trabalho pioneiro e mais citado entre os estudiosos é, segundo este mesmo autor, aquele de WILDAVSKY E PRESSMAN datado de 1973, justamente denominado Implementation, e que representou uma mudança de orientação daqueles que haviam feito da Administração Pública seu campo de estudo afirmando a especificidade do campo da “implementation research” frente ao da “evaluation research”.

ELMORE (1993) afirma que são quatro os modelos de implementação de políticas públicas: a) administração de sistemas; b) processo burocrático; c) desenvolvimento organizacional e d) conflito e negociação. É justamente dentro dos estudos acerca da implementação de políticas que SUBIRATS (1989) propõe seu modelo de “policy network” (rede ou comunidade política), isto é, redes de atores institucionais políticos e sociais que fazem frente a uma tarefa ou a um programa de atuação específico.

SUBIRATS (1989) pretende com esse modelo contrariar a tradição administrativa que tende a unificar sob grandes organizações uniformes e hierárquicas todas as funções públicas. Segundo ele no processo

implementador existe, assim como no processo de formulação das políticas, negociação e compromisso entre os diversos grupos afetados, construindo um continuum formulação/implementação/redefinição das políticas. Cada política gera sua própria rede de organizações e interesses conectados por dependências financeiras e administrativas; sua interação influencia a qualidade da política aplicada e a efetividade da sua implementação.

A utilização do conceito de “policy network” permite ainda compreender a superposição de níveis intergovernamentais e os limites cada vez mais imprecisos entre o público e o privado, compondo o que DENTE (1985) chamou de “governo da fragmentação”.

SUBIRATS (1989) lembra ainda que a existência dessas interrelações não pode nos fazer esquecer que cada ator tem recursos e poderes distintos. Os recursos que normalmente estão em jogo dizem respeito à autoridade, dinheiro, recursos políticos, informação e capacidade organizativa - distribuídos de forma assimétrica.

No que diz respeito à avaliação observa-se a existência de tipos e métodos contrastantes (SUBIRATS, 1989), bem como um sem-número de variáveis e complicadores, tais como interesses presentes no processo de avaliação, utilidade desse processo, etc. (MENY e THOENIG, 1992).

É possível constatar nessa literatura, no entanto, a importância de uma maior explicitação de critérios de avaliação. Segundo METTER e HORN (1993) as dificuldades de formular critérios de desempenho podem se dever à extensão dos programas ou à natureza complexa e o largo alcance de suas metas, além das ambiguidades na enunciação de normas e objetivos. Além disso, as grandes diferenças na literatura sobre políticas públicas dificultam a definição do seu campo de estudo. ELMORE (1993) salienta que é necessário conformar-se com a diversidade das tendências vigentes, selecionando

que o uso de modelos diferentes conduz a percepções e conclusões muito distintas entre si.

Segundo autores pode-se afirmar existir um crescimento no número de estudos sobre políticas públicas dedicados ao tópico de avaliação (SOUTO-MAIOR, 1992). Para este autor uma revisão da literatura brasileira e internacional mostra que grande número de autores já se preocupou inclusive, no quesito “avaliação” em considerar aspectos da participação popular nos arranjos institucionais de gestão pública.

Refletindo a preocupação de alcançar parâmetros genéricos, porém efetivos, de análise das políticas públicas SOUTO MAIOR (1992) sugere os seguintes critérios para avaliação de experiências participativas: a) equidade e pluralismo; b) representatividade e legitimidade; c) racionalidade e previsibilidade; d) continuidade e progressividade. O mesmo autor levanta ainda algumas questões relacionadas à avaliação de experiências participativas: devemos avaliar uma experiência participativa pelos resultados que obtém em termos de quantidade e qualidade dos bens e serviços que produz ou pela intensidade e qualidade dos processos de participação que institui? Segundo SOUTO-MAIOR (1992) a escolha entre essas duas alternativas é mais difícil do que se imagina à primeira vista, e a possibilidade de se adotar as duas alternativas pode não ser viável na prática.

Todos esses estudos denotam no entanto a importância de se promover avaliações rigorosas das políticas públicas. As experiências de participação popular neste processo inclui novos complicadores referentes tanto aos valores democráticos que supostamente devem nortear o processo participativo quanto aos aspectos pertinentes à eficiência e eficácia desse processo.

A perspectiva adotada para a presente investigação encontra respaldo em GODOY (1995) quando afirma que os estudos qualitativos possibilitam o estudo dos fenômenos que envolvem os seres humanos e as relações sociais,

permitindo contextualizar a dinâmica destes fenômenos e analisá-las numa perspectiva integrada.

RICHARDSON (1985) afirma que os estudos que empregam uma metodologia qualitativa permitem descrever a complexidade de determinado problema e analisar a interação das variáveis envolvidas, contribuindo no processo de mudança dos grupos pesquisados e compreendendo e classificando os processos dinâmicos vividos pelos grupos sociais.

O estudo de caso remonta, segundo BECKER (1993), à tradição da pesquisa médica e psicológica, referindo-se à análise detalhada de um caso individual que explica a dinâmica de uma patologia dada; o método supõe que se pode adquirir conhecimento do fenômeno adequadamente a partir da exploração intensa de um único caso, tendo que ser preparado para lidar com uma grande variedade de problemas teóricos e descritivos e lançando mão de uma multiplicidade de técnicas.

BECKER (1993) adverte para os perigos e limitações do estudo de caso: em primeiro lugar, a existência de “bias” causado pela interação do pesquisador com o objeto; em segundo lugar, o problema da confiabilidade. Esta é a objeção mais comum ao método do estudo de caso, visto que “um caso é, no fim das contas, apenas um caso” (BECKER, p. 129), o que impossibilitaria a generalização dos seus resultados.

Segundo este autor este problema pode ser tratado através da coleta de um grande número de casos e do “parcelamento” dos efeitos das várias influências. Afirma ainda que este não é verdadeiramente um problema se assumirmos uma visão de longo prazo do desenvolvimento da teoria.

Dessa maneira o método de estudo de caso, apesar das suas limitações por demais conhecidas, justifica-se no presente estudo em virtude da profundidade

utilização de um mix de instrumentos de coleta de informações, possibilitou a análise em profundidade desse caso específico.

O caso a ser tratado especificamente neste estudo pode ser descrito como o programa de geração de emprego e renda embutido no modelo global de manejo do lixo instituído pela Superintendência de Limpeza Urbana da Prefeitura de Belo Horizonte, no qual a ASMARE desempenha o papel de protagonista, como principal parceira da SLU.

Inicialmente foi feita uma extensa análise documental que contemplou documentos e vídeos institucionais da SLU (que possui um centro de documentação, bem como publicações regulares de jornais e folhetos), e da ASMARE (documentos oficiais, atas de reuniões, material de divulgação e folhetos diversos).

Foram também consultados alguns estudos preliminares efetuados anteriormente por outros pesquisadores - destinados a documentar a história dos catadores de papel - ou com foco em outros aspectos aspectos que não a análise dos mecanismos de gestão.

O universo da pesquisa foi constituído pelos atores participantes do programa a ser investigado, o que inclui os gestores das instituições parceiras e outras instituições participantes, bem como os próprios catadores de papel e funcionários da SLU e da ASMARE.

A composição da amostra de entrevistados, em virtude da natureza do estudo escolhido foi intencional, localizando os atores considerados “chave” por sua participação no caso em questão.

Segundo QUIVY e CANPENHOUDT (1998) esta é a fórmula mais frequente neste tipo de estudos, porque soma-se à impossibilidade de entrevistar um grande número de pessoas o fato de que para o pesquisador “chegará

forçosamente o momento em que já não conseguirá encontrar novos casos francamente diferentes dos que já encontrou e o rendimento marginal de cada entrevista suplementar decrescerá rapidamente” (p. 163).

Os integrantes da amostra de entrevistados foram identificados a partir das primeiras entrevistas, realizadas com os coordenadores do programa da Superintendência de Limpeza Urbana de Belo Horizonte. Os critérios para inclusão na amostra foram a intensidade da participação, o conhecimento e a importância formal ou informal dentro do processo. Foram selecionadas 12 pessoas, localizadas em posições estratégicas de gerência na SLU e no setor administrativo da ASMARE.

Entrevistados SLU:

Ex-superintendente da instituição (responsável pela criação do modelo) Diretor da Assessoria de Mobilização Social

Gerente operacional Assessores técnicos

Responsáveis por comissões especiais (BH Reciclando, BH Mais Limpa)

Entrevistados ASMARE

Coordenador da Comissão de Finanças Responsável pela Comissão Social Responsável pelo Setor Administrativo

Foram entrevistados ainda catadores de papel - associados e não associados à ASMARE.

Com essas pessoas foram realizadas entrevistas do tipo semi-estruturado. As entrevistas desse tipo permitem segundo LAKATOS (1996) explorar mais

com base na “entrevista centrada” descrita por THIOLLENT (1981) como aquela na qual, dentro de certos contextos, o entrevistador permite ao entrevistado a descrição livre de sua experiência pessoal a respeito do problema investigado (THIOLLENT, 1981). O roteiro foi construído aberto o suficiente para comportar certa liberdade no discurso do ator, contemplando questões que surgissem no decorrer da entrevista.

Essas entrevistas foram transcritas e analisadas a partir dos seguintes aspectos: a construção do modelo, as estratégias dos atores e sua articulação com os demais, os processos de gestão e a dinâmica de funcionamento das instâncias formais e informais.

Para MAROY (1997) a definição de categorias analíticas é um procedimento básico na análise qualitativa de materiais de entrevistas. Segundo este autor :

"A operação intelectual básica de uma análise qualitativa de materiais de entrevistas consiste essencialmente em descobrir 'categorias' , quer dizer, classes pertinentes de objetos, de ações, de pessoas ou de acontecimentos. Seguidamente, trata-se de definir as propriedades específicas e de conseguir construir um sistema ou um conjunto de relações entre essas classes. Esta operação pode, evidentemente, assumir aspectos diferentes, consoante os objetivos atribuídos à análise". (MAROY,1997, p. 118)

O processo de construção das categorias varia, segundo SHATZMAN e STRAUSS (1973) de acordo com o objetivo a que se pretenda chegar com a análise, seja uma "descrição simples", uma "descrição analítica" ou, finalmente, um "esquema teórico". (SHATZMAN & STRAUSS, 1973, p.110). Em uma “descrição analítica” o esquema geral de análise não parte de categorias previamente estabelecidas, mas estas são elaboradas e derivadas a partir dos materiais, isto é, "as classes ou categorias e suas relações são

sugeridas ou descobertas indutivamente a partir dos dados" (MAROY, 1997, p.120-2).

Segundo ANDION (1998) as organizações do que ele chama de “economia solidária” apresentam singularidades e inovações que demandariam a construção de modelos de análise - ainda não desenvolvidos - a partir de trabalhos de campo. Para ANDION (1998) apesar da amplitude e do dinamismo que as organizações do Terceiro Setor assumem atualmente, a gestão de suas organizações ainda é um campo inexplorado.

Este mesmo autor lembra a existência de uma vasta literatura, originária sobretudo dos EUA, que trata da gestão das organizações não-lucrativas baseando-se numa visão tradicional da gestão - importada das atividades econômicas lucrativas.9

Segundo TENÓRIO (1997) os conceitos de cliente e usuário não são adequados ao contexto da gestão das organizações não-governamentais, por ignorarem a idéia da cidadania. Este autor prefere o termo “cidadão- beneficiário”.

Este mesmo autor afirma existir certa incompatibilidade entre a lógica que guia os gestores de organizações dessa natureza, mais substantiva que instrumental10, e a lógica econômico-financeira com a qual muitas vezes se deparam para avaliação de suas atividades.

REIS (1999) lembra que no caso das organizações sem fins lucrativos a adesão dos colaboradores à causa muitas vezes assume aspectos de “militância” - o que pode levar a uma atuação mais baseada em convicções. O mesmo autor afirma a necessidade de compatibilizar esta dinâmica ao

profissionalismo exigido por uma gestão mais transparente e orientada para resultados.

MEREGE (1999) afirma que nessas organizações há formas muito avançadas de gestão e um grande tráfego de pessoas influentes na sociedade constituindo uma rede de pessoas muito organizadas em termos de relações públicas.

SERVA (1993) constata que a lógica ou os instrumentos fornecidos pela teoria da Administração são inadequados para análise dessas organizações que ele chamou de “substantivas”. Um mapeamento levado a cabo por este autor apontou dimensões bastante específicas, tais como flexibilidade na hierarquia, intensa participação, elevado nível de relações interpessoais e comunicação; inserção e expressão social e descaso com alguns aspectos típicos da Administração tradicional, tais como horários, aferição do rendimento individual e do grau de satisfação do usuário.

Todas essas considerações apontam para o fato de que a análise dos resultados das investigações que têm organizações do Terceiro Setor como objeto deve considerar essas especificidades. GOMES (1999) lembra que as categorias estabelecidas para análise a partir da coleta dos dados tem o mérito de serem mais específicas e concretas, embora sua formulação não seja uma tarefa simples.

Dessa forma, a exposição e o tratamento das informações obtidas tanto nas entrevistas feitas na SLU quanto na ASMARE partem da constatação de que as particularidades constitutivas e práticas dessas organizações - enquanto parceiras - devem ser consideradas. Assim, a estrutura de apresentação e análise dos resultados foi parcialmente construída segundo categorias identificadas no próprio discurso dos entrevistados, sem renunciar às contribuições feitas pelos estudiosos desse campo. Combinou-se, assim, uma

postura indutiva complementar à utilização das teorias pré-existentes. (ALBARELLO, L., DIGNEFFE, J.H., MAROY, C. et al., 1997).

O processo de pesquisa incluiu ainda a observação direta em diversos momentos, desde o acompanhamento da atividade dos catadores “in loco” e nos seus galpões de triagem até visitas às instalações operacionais da SLU, incluindo os aterros sanitários e as usinas de compostagem.

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