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2 GRAZIANO, 1999; ANDION, 2007.

2 O CONCEITO DE REDES E A CONSTITUIÇÃO DE UMA ABORDAGEM RELACIONAL DO MUNDO SOCIAL

2.6 O CONCEITO DE REDE COMO MODUS OPERANDI NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA

2.6.1 A globalização e os processos de desterritorialização na sociedade em rede

Em termos de contexto histórico, o conceito de globalização vem sendo empregado para identificar uma série de fenômenos, tais como desregulamentação dos mercados, interconexão dos sistemas financeiros e deterioração das formas políticas institucionais. As principais características que contribuíram para esse processo foram a crise do padrão monetário mundial no início dos anos 1970, e a crise econômica internacional decorrente do choque do petróleo. Esses fenômenos passaram a exigir respostas rápidas e eficazes a estagnação e a inflação, tais como crescentes fusões, aquisições entre empresas, desregulamentação do capital financeiro. Nessa fase, o paradigma fordista foi sendo superado pelo paradigma da especialização flexível da produção (pós-fordismo). Esse novo sistema passa a funcionar articulado globalmente, tendo por base a substituição do complexo automotriz pelo complexo eletrônico. É nesse contexto que muitas empresas passam a utilizar a estrutura de rede, a fim de minimizar custos, compartilhar recursos, informações etc. Surgem novas parcerias entre capital e trabalho (terceirização), sistemas de cadeias integradas de competição, as quais caracterizam as redes interorganizacionais (MINHOTO & MARTINS, 2001). Em decorrência dessas mudanças, em especial nos anos 1980, há um esgotamento do Estado de Bem-Estar Social, uma internacionalização do sistema financeiro e a vitória do neoliberalismo, tendo a gestão pública burocrática obrigada a se estruturar sob novas formas. Segundo a lógica neoliberal, nesse novo contexto, o Estado deveria adotar a gestão empresarial. Posteriormente, surgiram muitas críticas a esse modelo e a defesa da descentralização, da territorialização e da gestão em rede (RICCI et al, 2001).

Essas mudanças macroestruturais compreendem processos de desterritorialização e reterritorialização que impactam nas estruturas sociais, históricas e culturais das sociedades contemporâneas. Ademais, ao priorizar a dimensão relacional é conferido ao território a interconexão, a fluidez, o movimento, não se limitando a uma ideia estática de território. Dessa forma, não se trata de “território-zona”, delimitado, mas de “território-rede”, formado por “lugares em rede”. Se nas sociedades modernas predominou o “território-zona”, com áreas

delimitadas, atualmente predominam as redes, os fluxos, as conexões, estando o poder situado na capacidade de controlá-los. Com base em Deleuze e Guattari (1997), Haesbaert (2007) ressalta que o território pode se desterritorializar ou se reterritorializar. No primeiro caso, o território pode ser abandonado em função da desintegração das culturas, dos hábitos tradicionais, devido à “colonização” por outras formas de socialização. Ao contrário, a reterritorialização refere-se à construção do território, mas não no sentido de retorno a antiga territorialidade, pois trata-se de um espaço aberto, indefinido, móvel. “(...) a vida é um constante movimento de desterritorialização e reterritorialização, ou seja, estamos sempre passando de um território para outro, abandonando territórios, fundando novos. A escala espacial e a temporalidade é que são distintas” (HAESBAERT, 2007, p.138).

A desterritorialização contribui para a descentralização e a fragmentação no campo do trabalho e da produção devido à interdependência entre fluxos comerciais, financeiros e de informações. Nesse novo contexto, segundo Bauman (1999), o poder seria extraterritorial, enquanto a política ainda seria territorial-estatal, porém com menor influência na geopolítica mundial. Enquanto no regime taylorista/fordista vigorava um regime disciplinar, no pós-fordismo passa a ser valorizado o trabalho imaterial, a informação e a comunicação. O que se produz não é tangível, mas imaterial como, por exemplo, produto cultural, conhecimento ou comunicação. O trabalho imaterial envolve a interação e a cooperação social, tendo sido facilitado pelas telecomunicações e pelas tecnologias de informação, o que possibilitou a desterritorialização da produção e com isso o esvaziamento das fábricas e suas atividades. Os operários podem se comunicar e cooperar estando em pontos distantes, não havendo mais necessidade de território e um ponto fixo, visto a produção se organizar em redes horizontais de empresas. Com isso o capital não se limita a um território e não se prende a suas coações, pois pode mudar de um lugar para o outro.

Nessa fase, o poder não está concentrado num local definido, mas está distribuído em redes e funciona através de mecanismos móveis e articulados de controle. O resultado dessas dinâmicas em que as novas tecnologias, o ciberespaço vem contribuindo para a desterritorialização do estado, é o surgimento do império. Ou seja, se na sociedade moderna predominava o poder de um ou outro Estado-nação, sendo esse período denominado de imperialismo, aos poucos em função da descentralização do poder e das mudanças advindas com a globalização, surge o império (HARDT & NEGRI, 2006). Nessa nova fase de acumulação capitalista,

não há um controle rigoroso da produção, pois na grande parte das vezes é organizada em redes flexíveis e híbridas, de modo a circular entre as fronteiras dos estados, sem esforço ou impedimentos (HARVEY, 1992; JAMESON, 2006). Dessa forma, o império pode ser definido como uma rede de poderes e contrapoderes estruturado de forma ilimitada, num espaço aberto, além das fronteiras, com reterritorializações contínuas. Ainda que alguns estados tenham um papel central, como o caso dos Estados Unidos, principalmente, devido seu poderio militar, seu poder é imperial e não imperialista. Isso porque não se limita a agir em espaços fechados, a subjugar países legítimos em sua soberania, pois atua por meio de redes num espaço ilimitado. Contudo, embora o capitalismo tenha cada vez mais se globalizado, foi apenas no século XX que as grandes corporações começaram a se estruturar “biopoliticamente” em territórios globais. Ou seja, passaram a estruturar os territórios, distribuir força de trabalho e organizar a hierarquia dos diferentes setores de produção.

De modo semelhante, as lutas internacionais, os movimentos sociais são “biopolíticos”, pois tratam de diversas dimensões relacionadas à vida, seja econômica, política, cultural, ambiental, construindo novos espaços públicos. Dessa forma, devido à globalização das relações econômicas e culturais, não há um local estratégico ou privilegiado de contrapoder, pois este pode emergir em qualquer local, não estando mais limitado a ideia tradicional de contrapoder e de resistência no âmbito do regime político nacional. Nesse sentido, a resistência ao império se expressa através de uma nova cartografia em que as redes são as estruturas privilegiadas de ação (HARDT & NEGRI, 2006). No entanto, isso não significa que a atuação dentro das instituições tradicionais não seja importante, que deva ser ignorada, mas que esse não deve ser o principal locus ou estratégia de ação.

2.6.1.2 O impacto das novas tecnologias na conformação de novas sociabilidades

No final do século XX, com o surgimento do novo paradigma tecnológico baseado na tecnologia da informação (microeletrônica, computação, telecomunicações, optoeletrônica) houve mudanças significativas nas sociedades, podendo seu impacto ser comparado ao ocorrido com a Revolução Industrial no séc. XVIII. No entanto, embora o conhecimento e a informação sejam fundamentais nesse processo, o ponto central dessas mudanças está no uso e na aplicação adequada dessas ferramentas, de modo a favorecer o surgimento de inovações.

Enquanto a Revolução Industrial foi efetuada em lentas etapas, as novas tecnologias se expandem quase instantaneamente conectando o mundo de forma inusitada, em especial da década de 1970 em diante. Com as novas tecnologias, as telecomunicações, as redes se multiplicaram estreitando distâncias e permitindo o surgimento da “aldeia global”, tendo por principal característica a “integração da diversidade” (CASTELLS, 2009). Entretanto, um contingente enorme de pessoas está “fora” dessa integração global, principalmente, as populações mais pobres das áreas rurais, dos países periféricos, em especial na África, Ásia e América Latina. Segundo Veltmeyer et al (apud BERNSTEIN, 2011) “a pobreza global continua a ser, significativamente, um fenômeno rural; os pobres rurais constituem três quartos dos pobres do mundo”. Ou segundo Graziano da Silva (2012, p. 02):

a indigência rural equivale a uma fatia de 30% dos habitantes do campo, uma intensidade quase quatro vezes maior que a urbana (8%), segundo a Cepal. Os dados radiografam uma realidade que desautoriza ilusões na eficácia de automatismos econômicos para corrigir a iniquidade social. Não obstante os diferentes contextos e suas especificidades como pobreza, degradação ambiental, entre outros, as redes vêm paulatinamente transformando-se numa alternativa de organização, seja da sociedade civil, do mercado ou do estado. Dessa forma, no caso das organizações da sociedade civil já não predominam mais os partidos políticos, ou eternas lideranças (caudilhos), pois há forte ênfase na autonomia e participação dos atores como, por exemplo, os movimentos sociais, as associações comunitárias, as ONG´s, os Fóruns Sociais Mundiais (FSM) etc. No caso dos FSM a abrangência de temas é ampla, transversal, com destaque para a mobilização e organização em rede, tal como a Rede Social Mundial (RSM) que busca interconectar as diversas redes presentes no fórum, de modo a constituir uma rede de redes alternativas à lógica neo-liberal (OLIVIERI, 2003). No campo do mercado devido a intensificação da globalização que propicia a formação de novos ritmos de produção, não é mais prudente a vigência de estruturas organizacionais hierárquicas, com rígido controle e com compartimentos estanques. As novas formas empresariais são mais flexíveis, menos hierárquicas e geralmente ocupam um pequeno espaço devido as novas tecnologias (TIC´s), como informática, robótica etc. De forma semelhante, no estado também ocorrem mudanças significativas como a ampliação dos mecanismos de participação da sociedade civil,

seja via assembleias do Orçamento Participativo, de Conselhos Gestores, de movimentos sociais, ONG´s, entre outros.

Embora a disseminação das redes, sua estrutura organizacional seja um fato evidente, é fundamental frisar que mesmo com discursos e formatos de organização semelhante, os objetivos dos diferentes campos referidos (mercado, sociedade civil, estado) são muito diversos.

Para a lógica mercantil, empresarial, as redes, a descentralização e os trabalhadores “multifuncionais” favorecem uma gestão mais eficiente nesse novo contexto de globalização. Diferente disso, as organizações da sociedade civil, em geral, são mais horizontalizadas, democráticas, e embora apresentando uma ampla diversidade não visam se adaptar, se reajustar a fim de fortalecer a lógica mercantil hegemônica. Mas, de modo geral, o que se percebe é uma hegemonia da lógica do mercado em que grande parte das instâncias da sociedade passam a se organizar a sua imagem e semelhança. Alguns elementos evidentes corroboram essa análise, tais como crescente separação entre poder social e político; a transformação de questões da esfera pública em questões privadas; a substituição do conceito de cidadão pelo de consumidor; a fragilização da democracia; a intolerância em relação ao outro, ao diferente, que se expressa na política de deportação de imigrantes; o solapamento das estruturas de poder político e social do estado. (MINHOTO & MARTINS, 2001).

Nesse contexto, as redes empresariais contribuem para fortalecer a economia capitalista globalizada, pois facilitam as inovações, a descentralização, a produtividade e a competitividade. Diferente de outros períodos históricos, o capitalismo da sociedade em rede é global, tendo predominância das redes de fluxos financeiros. Ao invés de uma classe capitalista global, o que existe é uma rede integrada de capital global que determina o êxito ou o fracasso das economias. Além disso, enquanto o capital é global, o trabalho é local, sendo que os trabalhadores lutam por interesses particulares e de forma fragmentada (CASTELLS, 2009).

As redes sempre existiram nas diferentes sociedades, tais como as redes de vizinhança, de comércio, de ações públicas. A novidade consiste na utilização desse conceito na sociedade contemporânea para a estruturação de novos modelos de gestão e organização social, tanto na esfera pública, quanto na esfera privada. Sua maior visibilidade decorre da intensificação das novas tecnologias que contribuem para o aumento das redes sociais (CARVALHO, 2004).

Atualmente, há um progresso e uma difusão das conexões, do processamento de dados e uma maior sofisticação do sistema tecnológico surgido nos anos 1970, tendo forte concentração nos EUA. Esse novo paradigma caracteriza-se por ter a informação como matéria prima, a qual passa a moldar as atividades humanas, propiciando a difusão de redes em todos os âmbitos (CASTELLS, 2009). Dessa forma, ao invés da rigidez e da burocracia, aumentam a flexibilidade, a comunicação, a interação social, propiciando um novo tipo de economia, interdependente, informacional, baseada no conhecimento e estruturada em redes. O diferencial passa a ser a sua capacidade de funcionamento em tempo real e em escala planetária, através de circuitos eletrônicos, sendo as inovações tecnológicas fundamentais para o crescimento da produtividade. Esse processo se acentuou a partir da década de 1990, sendo também o resultado da interação entre mercados, governos e instituições financeiras (DOWBOR, 2008; LÉVY, 2001). Em função dessas mudanças a sociedade contemporânea vem sendo denominada de sociedade da informação, de terceira revolução industrial, de sociedade pós-fordista, de sociedade rede. Isso porque essas mudanças não se reduzem a dimensão tecnológica, pois devido ao seu caráter global impactam nas diferentes esferas da sociedade. Dessa forma, a partir da década de 1990 surge uma sociedade que “(...) se organiza em redes e não em pirâmides de poder, em células interdependentes e não em engrenagens hierárquicas, no centro de um ecossistema de informações e não por vias industriais lineares (ROSNAY, p. 39, apud MARCON & MOINET, 2001)”.

Nesse contexto, com a intensificação da globalização, das telecomunicações, das novas tecnologias, os governos acabaram perdendo o controle dos fluxos de capital. As empresas passaram a atuar em todos os lugares, de forma transnacional, tornando o mercado e a competição globais. Exigem maior flexibilidade do estado, diminuição da carga tributária, enfim menos controle, menos poder e mais liberdade para o mercado. As propostas mais expressivas de adequar o estado a esse novo contexto, em primeiro momento, foram as neoliberais que advogam o estado mínimo, a descentralização e a privatização. Na América essa posição foi proposta no Consenso de Washington (1989), tendo por resultado a desarticulação dos mercados nacionais, com corte de investimentos e flexibilidade cambial, o que contribuiu para uma grave recessão em 1999. Como alternativa ao neoliberalismo surge no Reino Unido a proposta do Estado Gerencial, ou Nova Gestão Pública, a qual constitui uma terceira via que aposta na descentralização, nas privatizações, na adoção de valores gerenciais de mercado e na

substituição das hierarquias de gestão por administração por contrato. Essas propostas de reformulação do estado vêm sendo duramente criticadas, uma vez que a sociedade civil não deve ser confundida com o mercado, pois é o local da solidariedade, do diálogo, da reciprocidade, dos valores morais (RICCI et al 2001).

A transnacionalização dos mercados financeiros, a desterritorialização da produção, os novos padrões competitivos contribuem para diminuir a soberania dos estados, além de compreender mudanças paradigmáticas. Ao privilegiar a não-linearidade e a multidimensionalidade essas mudanças confundem e desafiam os operadores, seja no âmbito do estado, seja no âmbito do mercado e/ou da sociedade civil, os quais precisam se adaptar a esse novo formato organizacional. Dessa forma, é o acesso, processamento e transmissão de informações que podem ou não fortalecer as empresas/estados e organizações sociais, uma vez que as estruturas de poder passam a residir nos sistemas de informação e não mais na coerção, na organização vertical e hierárquica. Todavia, se as redes tecnológicas contribuem para novas dinâmicas organizacionais, elas não são a solução para todos os problemas. Torna-se necessário desenvolver aspectos complementares, tais como criatividade, qualificação, proatividade, infraestrutura viável para a promoção de um produto, ou um projeto. Nesse sentido é importante que as redes tecnológicas estejam atreladas as redes tradicionais, de modo a favorecer esses processos (MARCON & MOINET, 2001). Além disso, deve-se considerar que as redes refletem o contexto em que estão inseridas, diferenciando-se em função das culturas, dos hábitos, o que justifica que as “empresas japonesas põem em prática uma lógica comunitária, as empresas coreanas, uma lógica patrimonial, e as taiwanesas, uma lógica patrilinear (CASTELLS, 2009, p.240)”.