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2 GRAZIANO, 1999; ANDION, 2007.

3 A ORGANIZAÇÃO DOS AGRICULTORES EM REDE: UMA INOVAÇÃO ESTRATÉGICA PARA FOMENTAR NOVAS

3.2 O DESENVOLVIMENTO RURAL

3.2.1 O camponês: um tipo específico de agricultor familiar?

A ênfase conferida por Ploeg ao campesinato na sua obra Camponeses e Impérios Alimentares – Lutas por Autonomia e Sustentabilidade na Era da Globalização corrobora para a valorização desse segmento. Assim como do meio rural, pois para o paradigma desenvolvimentista era visto como sinônimo de atraso, devendo ser superado. Em consequência dessa mentalidade, se consolidou um estigma pelo rural e pelas populações desses locais, sendo consideradas ignorantes, atrasadas, pobres, contribuindo para a dualidade rural/urbano. Na análise de autores como Vladimir Ilitch Lênin e Karl Kautsky, o camponês era um resquício a ser eliminado com o desenvolvimento do capitalismo. Isso porque estaria a margem desse sistema, pois não vende sua força de trabalho e não explora a força de trabalho alheia. Dessa forma, com o tempo, inevitavelmente, iria se transformar em uma das duas principais classes da sociedade, o proletariado ou a burguesia. Ambas concepções, na versão capitalista e socialista, sobre o campesinato foram deslegitimadas, pois não correspondem à realidade. Nem o trabalho assalariado tornou-se hegemônico, tal como pensava Lênin, nem a agricultura familiar é “economicamente inferior” como pensava Kautsky (ABRAMOVAY, 1992). E nem o rural e suas populações podem ser consideradas arcaicas e atrasadas, mas parte constitutiva de um sistema que prioriza o meio urbano e o crescimento econômico a qualquer custo.

Não sendo os camponeses uma categoria em extinção, é importante diferenciá-los dos agricultores familiares, pois esses conceitos não são sinônimos. Enquanto os primeiros podem entrar e sair do mercado por determinado período, sem perder a sua condição, os segundos atuam no mercado, tendo maior integração à lógica mercantil com a utilização de créditos, insumos e tecnologias. Dessa forma, o divisor de águas entre camponeses e agricultores familiares está em dois aspectos: “o grau de integração aos mercados e a própria limitação desses mercados” (FRIEDMANN, 1980 apud VEIGA, 1991, p. 191).

Após a 2.ª Guerra Mundial num contexto de reconstrução da ordem, tendo por mote o progresso, a eficiência, surge, na Europa, o conceito de agricultura familiar como forma de contribuir para alavancar esse processo. Desse modo, a agricultura de base camponesa, centrada no trabalho familiar foi invisibilizada, segundo Ploeg (2008), como se não existisse, ou que inevitavelmente teria de se adaptar a esse nesse novo contexto. A identidade social entre agricultor e camponês é o trabalho familiar, pois ambos produzem na lógica da família e não da divisão do trabalho. Mas essa identidade é quebrada quando a agricultura familiar se insere no agronegócio, pois perde sua autonomia e o modo tradicional de praticar a agricultura. Nesse sentido, embora a unidade produtiva camponesa não esteja baseada na lógica da troca mercantil, não está excluída do mercado, podendo estar mais ou menos inserida, ter maior ou menor autonomia.

De modo geral podem-se citar três paradigmas referentes ao campesinato, conforme quadro síntese.

Quadro 16 – Paradigmas do campesinato

Paradigmas Características Principais Autores Paradigma

do fim do campesinato (Marxistas e

liberais)

A sociabilidade capitalista perpassa todas as esferas da sociedade, de modo que não é possível sobreviver fora dessa lógica. A troca mercantil atinge todos os âmbitos, restando apenas a adaptação e/ou superação radical dessa hegemonia.

Karl Marx (teoria da renda da terra); Lênin (teoria da diferenciação camponesa); Kautsky (teoria da industrialização da agricultura). Paradigma da

Chega ao Brasil nos anos 1990 com a obra, Paradigmas do Capitalismo Agrário em Questão, de Ricardo Abramovay. Desse período em diante ao invés de pequena produção, baixa renda, pequeno produtor, é usado a

Henri Mendras – La fin des paysans; Ricardo

metamorfose do campesinato

(pós- marxistas)

categoria agricultura familiar para representar esses segmentos. Segundo essa matriz teórica, o campesinato deveria ser modernizado através de instrumentos criados pelo estado. Nesse sentido foram implementadas várias políticas públicas para atender essa demanda, sendo a principal o PRONAF. São apoiadores dessa perspectiva: Contag, FAO, ONU.

Paradigmas do Capitalismo Agrário em Questão; Eli da Veiga – Desenvolvimento agrícola. Paradigma da resistência do campesinato

O campesinato não desapareceu, ele apenas foi invisibilizado cientificamente pelas teorias da modernização de cunho marxista e liberal. A condição camponesa na contemporaneidade pressupõe um modo camponês, um estilo de fazer agricultura que se opõe ao estilo empresarial do agronegócio.

Apoiadores dessa perspectiva: Via Campesina/MST/MMC/MPA.

Sociologia Europeia:

Van der Ploeg (Holanda), Sevilla- Gusman (Espanha), Terry Marsden (Inglaterra). Sociologia Brasileira: Bernardo Mançano, Ariovaldo de Oliveira.

Fonte: Elaboração própria baseada em (informação verbal)9.

Segundo Wanderley (2009) a reprodução do campesinato, diferente do assalariado que tem uma relação direta entre capital e trabalho, consiste numa relação que se caracteriza por “autonomia- subordinação”. Dessa forma, frente à lógica do capital, está sempre buscando espaços de autonomia, de inovações e diversificação de sua produção, o que contribui para a heterogeneidade da agricultura familiar.

Nesse sentido, a referida autora destaca a análise de Chayanov como importante para a compreensão desse processo de reprodução da agricultura familiar e das potencialidades do campesinato nas sociedades modernas. Para Chayanov a economia camponesa não constitui um modo de produção, mas uma forma específica de organização que pode se reproduzir em diferentes modos de produção. Além disso, para compreender o campesinato é preciso considerar duas

9 Análise baseada em informações do Prof. David Caume disponibilizadas em aulas da disciplina sobre agricultura familiar e desenvolvimento rural do PPGSP/UFSC, no segundo semestre de 2010.

dimensões distintas, mas complementares. Na primeira, o campesinato se constituiria como uma cultura em termos de integrar uma sociabilidade camponesa, e na segunda como sendo um modo particular de organização da produção, pautado na estrutura familiar. Atualmente, os agricultores familiares não são uma simples reprodução do campesinato, embora seja a lógica familiar oriunda da tradição camponesa que orienta as decisões desses agricultores. Dessa forma, é possível apontar três identidades aos camponeses, os quais podem ser entendidos como sociedades camponesas, agricultura camponesa, e como resistência ao modelo hegemônico da agricultura moderna (WANDERLEY, 2009).

No contexto de globalização, de hegemonia das grandes empresas transnacionais ou dos ´impérios` dos mercados agrícolas, as estratégias de sobrevivência dos camponeses tem sido de reafirmar sua autonomia por meio da autogestão, do associativismo, e de formas de resistências diferentes da lógica mercantil. Essas ações e práticas apontam para o surgimento de um processo de reconstrução do campesinato ou de ´recampesinização`, segundo Ploeg (2008). Além de estratégias defensivas, o “princípio camponês” se expressa através das inovações, das redes, cooperativas, feiras, valorização dos produtos tradicionais, como as sementes crioulas. Dessa forma, o projeto camponês tem por base a colaboração e a reciprocidade expressas através de valores compartilhados, solidariedade, força da comunidade, qualidade do trabalho e partilha dos recursos. Por meio dessas práticas os camponeses evitam entrar totalmente no mercado de intercâmbio, onde tudo é transformado em troca mercantil (SABOURIN, 2008). Desse modo, os camponeses podem ser definidos através das seguintes características:

[...] uma relação de co-produção com a natureza; a construção e autogestão de uma base autônoma de recursos próprios (terra, fertilidade, trabalho, capital); uma relação especifica e diferenciada com mercados diversificados e o mundo exterior autorizando certa autonomia; um projeto de sobrevivência e de resistência ligado a reprodução da unidade familiar; a pluriatividade; a cooperação e as relações de reciprocidade (SABOURIN, 2009, p.02). A agricultura camponesa é uma das formas da agricultura familiar em que os camponeses asseguram a subsistência do grupo familiar e sua reprodução nas gerações seguintes através do sistema tradicional de “produção-policultura-pecuária”. Embora não seja uma agricultura de subsistência, pois tem por propósito manter e conservar o

patrimônio familiar, em geral, a agricultura camponesa é de pequeno porte. Porém, não é seu tamanho que irá determinar sua natureza, mas sim as relações sociais (internas e externas) tecidas na propriedade. O saber tradicional, o território e a sociabilidade específica desenvolvida por esses atores, que transcendem os laços familiares e de parentesco, são muito valorizados. No entanto, há uma diversidade de agriculturas familiares não camponesas que procuram adaptar-se a esse novo contexto, com intuito de se reproduzirem como um agente da agricultura moderna. Com isso perdem a autonomia e se subordinam a processos sociais externos, tendo por resultado muitas vezes o êxodo rural em função do desestímulo, do endividamento e da incapacidade de conduzir novamente a propriedade sem a ingerência externa (WANDERLEY, 2009).

Diferente da lógica mercantil pautada no lucro máximo, a família camponesa cessa o trabalho ao obter o equilíbrio entre trabalho e consumo. Frente à territorialização do capital os camponeses preservam a posse da terra e trabalham utilizando mão de obra familiar. Dessa forma, o campesinato tem com a terra uma relação não capitalista, pois não há uma dissociação entre instrumentos de trabalho (terra) e força de trabalho, sendo que a terra para o camponês significa liberdade, autonomia, enraizamento, aspectos que conferem a motivação principal para o trabalho (PAULINO & ALMEIDA, 2010). Ao se resgatar esse conceito e o modo camponês de fazer agricultura é valorizado outro modelo de produção agrícola baseado na “condição camponesa”.

O conceito de ´condição camponesa` se refere, precisamente, a este eixo entre o campesinato e o contexto social. A presença de relações de dependência e a insegurança, marginalidade e falta de perspectivas associadas fazem do modo camponês de fazer agricultura uma instituição necessária (PLOEG, 2008, p. 52)

A condição camponesa deve ser vista como um processo que possui diferentes “ritmos”, podendo ser tratada em termos de descampesinização, sendo característica dos locais onde o império está presente, e recampesinização onde a dinâmica camponesa é mais forte, articulada e abrangente. O império é multi-centrado e se expressa na degradação dos recursos naturais, na destruição das propriedades comunitárias, na drenagem e apropriação de recursos (terra, material genético, água). Os camponeses tendem a enfrentar essas tendências destrutivas colocando em prática seu modo de produção, constituindo uma resistência ao império. Porém, trata-se de outra forma de

resistência, não restrita a lutas abertas como marchas, ocupações, mas expressa sob uma variedade de formas, tais como nos novos produtos (agroecológicos), na forma de organização das propriedades, na pluriatividade e na multifuncionalidade. Trata-se de buscar soluções locais para problemas globais através de uma diversidade de respostas. Esses novos elementos que caracterizam a resistência conferem “orgulho e dignidade aos camponeses” e representam uma alternativa para a crise agrária, pois a agricultura camponesa está centrada no capital ecológico, social e cultural. Nesse contexto, a agricultura agroecológica reforça essa tendência e retoma a centralidade do capital ecológico e da co-produção, em que a qualidade do produto, sua origem, frescor, autenticidade, são muito valorizados (PLOEG, 2008).

Além disso, essas novas experiências estão enraizadas no capital social existente nas redes, nos valores partilhados e experiências vividas. Essas inter-relações propiciam maior aproximação entre produtores e consumidores através dos circuitos curtos de comercialização. Os territórios em disputa refletem as diferenças no uso da terra, sendo para uns um meio de vida e para outros um meio de extrair renda e lucro. Diferente do operário, o camponês vende o produto e não o trabalho contido no produto. Enquanto o trabalho excedente define a reprodução do operário, para o camponês é o produto excedente que assegura a renda monetária (PAULINO & ALMEIDA, 2010).

Face ao exposto, as características dos principais modos ou estilos de agricultura podem ser sintetizados no quadro seguinte.

Quadro 17 – Estilos de agricultura

Modo camponês Modo empresarial Unidade familiar como principal

âmbito de referência para a tomada de decisões.

Unidade empresarial, ou complexos agroindustriais, como principal âmbito de referência para a tomada de decisões.

Baseado na interação com a natureza, co-produção (homem-natureza).

Desconectado da natureza, industrialização da agricultura. Distanciamento de mercados de

insumos, diferenciação dos produtos, grau de mercantilização reduzido, criação de novos mercados, desenvolvimento endógeno.

Elevada dependência de mercados, grau de mercantilização elevado, desenvolvimento exógeno.

Centralidade da perícia artesanal e tecnologias baseadas em habilidades, insumos internos.

Centralidade das tecnologias mecânicas e dos insumos externos. Intensificação continuada baseada na Aumento em escala e intensidade,

quantidade e qualidade do trabalho. seguindo a trajetória do desenvolvimento dominante. Dependente de tecnologia externa. Multifuncional e Pluriativa. Especialista.

Continuidade entre presente, passado e futuro.

Ruptura entre passado, presente e futuro.

Aumento da riqueza social, geração de renda, emprego e desenvolvimento local diversificado.

Contenção da riqueza social (redução do emprego, concentração de renda e desenvolvimento especializado). Fonte: elaboração própria com base na revisão de literatura.

Tendo em vista certa polêmica entre os estudiosos do tema campesinato e agricultores familiares, pois no primeiro conceito estaria mais explícito a ideia de resistência, enquanto o segundo remeteria a uma maior inserção dos agricultores no modelo agrícola hegemônico, nesse trabalho será utilizado o conceito de agricultores familiares na acepção de Chayanov (1974). Sgundo esse autor, todo camponês é agricultor familiar, mas nem todo agricultor familiar é camponês. Dessa forma, compreende-se que agricultor familiar e camponês são sinônimos quando a produção é definida pela estrutura familiar, independente de imposições externas. Desse modo, sendo utilizado nesse sentido, tanto um quanto outro desses conceitos passam a ter significados similares, embora a autora entenda que é mais significativo o uso do conceito de agricultor familiar. Isso porque além de facilitar o entendimento e a diferenciação da agricultura patronal, é uma forma de unificar todos os segmentos (camponês, caboclo, sem-terra, produtor rural) num conceito emblemático que pelo próprio nome já expressa as principais especificidades desse setor. Além disso, num contexto de hegemonia da lógica mercantil, e considerando os pressupostos da economia plural, é importante considerar diferentes formas de organização da produção. Desse modo, a modernização da agricultura familiar, sua maior competitividade, também são importantes em termos de inclusão social e de cidadania. Ou seja, trata-se de valorizar a diversidade de modelos de agricultura familiar (subsistência, familiar, empreendimento agrícola) (LAMARCHE, 1998). Isso não significa que irá, necessariamente, reproduzir a lógica competitiva e excludente vigente nas cadeias dos complexos agroindustriais. Nesse contexto, a agroecologia se destaca, pois constitui uma forma de questionamento do modo de produção hegemônico ao propor a transformação da base técnica de produção, o que dificulta a sua cooptação pela lógica hegemônica da modernização agrícola.

3.2.2 O desenvolvimento rural no Brasil e os diferentes estilos de