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2 GRAZIANO, 1999; ANDION, 2007.

2 O CONCEITO DE REDES E A CONSTITUIÇÃO DE UMA ABORDAGEM RELACIONAL DO MUNDO SOCIAL

2.6 O CONCEITO DE REDE COMO MODUS OPERANDI NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA

2.6.2 O Fordismo e os Territórios-Zona

Iniciado em 1914 com Henry Ford por meio de inovações tecnológicas e organizacionais, o Fordismo caracterizou-se pelo trabalho segmentado, controlado, pela rapidez, eficiência e movimentos repetitivos. Esse modo de organização da produção tinha por base as ideias de Frederick Taylor (Taylorismo). Uma representação crítica desse período, em especial da divisão social do trabalho, sendo profundamente cômico, é o filme Tempos Modernos de Charlie Chaplin. Nessa obra é retratado o contexto da época, das grandes fábricas, das

linhas de montagem em que os operários eram considerados uma peça da grande engrenagem, efetuando trabalhos repetitivos e monótonos.

O que havia de especial em Ford (e que, em última análise, distingue o fordismo do taylorismo) era a sua visão, seu reconhecimento explícito de que produção de massa significava consumo de massa, um novo sistema de reprodução da força de trabalho, uma nova política de controle e gerência do trabalho, uma nova estética e uma nova psicologia, em suma, um novo tipo de sociedade democrática, racionalizada, modernista e populista (HARVEY, 1992, p.122).

Uma característica marcante desse período histórico compreendido pelo fordismo foi a predominância da territorialidade zona, com áreas delimitadas, pois a globalização ainda não tinha se intensificado, e as novas tecnologias ou não existiam, ou eram embrionárias (HAESBAERT, 2007).

2.6.2.1 Desenvolvimento como sinônimo de crescimento econômico Do período fordista em diante, o consumismo passa ser sinônimo de felicidade e desenvolvimento, o que justificava a importância da produção em massa. O que balizava essas ideias era a concepção linear de desenvolvimento, em que os países mais desenvolvidos, industrializados, seriam referência aos demais. Dessa forma, deveriam auxiliar os outros países a alcançarem essa posição, esse desempenho, sendo que o crescimento econômico, a geração de empregos, deveria alimentar esse ciclo de produção e consumo (ROSTOW, 1974).

As explicações para as sociedades que não conseguiam alcançar esse padrão de desenvolvimento eram diversas. No caso das sociedades latino-americanas, para muitos existiriam duas sociedades, uma arcaica (feudal) e outra moderna (capitalista). A primeira seria praticamente estática, sendo as poucas mudanças decorrentes da metade desenvolvida. Essa perspectiva dualista ignorava o fato de que a sociedade é resultante de um mesmo processo histórico em que ambos os polos são partes integrantes. Desse modo, o crescimento das regiões modernas só é possível em função da estrutura das zonas atrasadas, principalmente em países da América Latina. Nessa região, geralmente os interesses da elite industrial estão conjugados com os interesses da elite agrária, uma vez que há uma relação de complementação e aliança entre ambas. Outra tese seria de que a disseminação do progresso

ocorreria por meio da difusão dos produtos industrializados para zonas arcaicas, as quais seriam aos poucos “absorvidas” pelo paradigma modernizador. No entanto, a chegada dos bens industriais nestas regiões não foi sinônimo de desenvolvimento, pois não houve mudança nas relações de trabalho, na posição política que, de fato, alterassem a situação de classe dos indivíduos. Ao contrário, o progresso vindo de fora, em geral, provocou a proletarização, sendo que a difusão desses bens consistiu na expansão dos monopólios e oligopólios com todos os seus impactos negativos. Além disso, apenas por consumir produtos industrializados não garante que as pessoas mudem de classe social, pois nem sempre há mudanças em termos de posição social, relações de trabalho e poder político (STAVENHAGEN, 1975).

Outra análise da inserção da América Latina no sistema econômico mundial foi efetuada pela Comissão Econômica para América Latina e Caribe (CEPAL), criada no Chile em 1948, tendo por principais pensadores Raul Prebish, Enzo Faletto, Aníbal Pinto, Celso Furtado, Carlos Lessa e Fernando Henrique Cardoso. Sua matriz teórica foram as teorias Keynesianas, com destaque para as especificidades das economias subdesenvolvidas, compreendendo que as causas do atraso não estavam em obstáculos internos a esses países, mas nas relações centro-periferia. Essas relações favoreceriam os países centrais, uma vez que os preços dos manufaturados se mantinham com o aumento da produção, não ocorrendo o mesmo com os produtos primários, em função do poder de mercado dos oligopólios industriais. Constava nas propostas da CEPAL uma redefinição do estado e uma nova inserção da América Latina no mundo. Através do nacional-desenvolvimentismo incentivava a proposta de industrialização para o continente, tendo por meta a substituição das importações.

Segundo Cardoso e Faletto (1970), era importante compreender os processos históricos do desenvolvimento dos países no capitalismo global, os quais condicionam a relação entre os países desenvolvidos e a elite dos países periféricos. Dessa forma, a fim de entender o desenvolvimento nesses países seria importante compreender os arranjos estruturais entre as classes dominantes e a sua forma de relacionamento com os centros hegemônicos. Esses arranjos explicariam que a dependência não foi decorrente de uma simples imposição externa, mas da combinação de fatores externos - internos e da aliança entre ambos. Desse modo, compreende-se que são condicionamentos históricos e políticos que influíram no desenvolvimento das economias periféricas, sendo que os principais tipos de articulações (alianças) com as

economias centrais foram a exportação controlada por uma elite (produtores nacionais) e a economia de enclave. Os principais grupos dominantes internos eram os modernos (setores da economia exportadora) e os tradicionais (oligarquias locais), sendo que a aliança entre esses grupos irá caracterizar e impregnar as instituições políticas. Diferente disso, nas economias de enclave o sistema de dominação era formado por aliança entre as oligarquias.

Essas duas formas de dependência se mantiveram durante a expansão do mercado externo no século XIX e no início do século XX, e são elas que irão caracterizar a consolidação do mercado interno, assim como as alianças, ideologias e conflitos decorrentes desse processo. Contudo, em cada país ocorreram alianças específicas que constituíram a “base interna da dominação externa”, diferenciando as ações interna e externa desses países e também a configuração do desenvolvimento (econômico, político e social). Essa situação de “dependência nacional” é diferente das economias centrais, pois ao mesmo tempo é autônoma e dependente, sendo que o possível rompimento dos laços coloniais colocaria em situação difícil as classes dominantes internas. No entanto, mesmo com essas formas de dependência e dominação, as economias não eram estagnadas, mas estavam condicionados por cada uma dessas modalidades de dependência (CARDOSO, 1971). De modo semelhante, Prebisch e Furtado entendiam que o subdesenvolvimento não poderia ser compreendido como sendo apenas uma etapa ao desenvolvimento, mas o reflexo da própria lógica do capitalismo, sua construção no decorrer do tempo. Afim de superar essa situação, defendiam como prioritário o planejamento e a intervenção do Estado (MARINGONI, 2009).

Mesmo com críticas em relação ao significado do subdesenvolvimento, tal como posto, não se questionava os meios utilizados para obtenção do desenvolvimento, importando mais os seus fins. Ou seja, para as diferentes análises pouco importava se o custo desse desenvolvimento seria a poluição de rios, a destruição dos ecossistemas, o importante era a sociedade de consumo, a riqueza material produzida.

O modelo ainda hegemônico de desenvolvimento opera dentro de um paradigma que não se restringe apenas à valorização do crescimento econômico, mas possui uma visão setorializada das diferentes dimensões da realidade (social, político, econômico, ambiental). Desse modo, as formas de planejamento tendem a refletir uma visão dual, linear de organização das ações voltadas ao desenvolvimento. Um exemplo disso foram as propostas de planejamento socialistas e

capitalistas que refletiram essas tendências, tendo o diferencial principal no fato de que uma tem o estado por “ator” central, e a outra tem o mercado. Mais recentemente, mesmo tendo sido verificado um significativo interesse em aprimorar as políticas sociais, por meio de um melhor planejamento, observa-se que ainda continua sendo priorizada a dimensão econômica, muito focada na racionalidade custo-benefício. Ou seja, se limita a uma análise técnica (modelo tecnocrático), não envolvendo outras dimensões (BUSTELO, 1982).

Segundo Celso Furtado (2004), desenvolvimento significa um processo de transformação social, capaz de atingir a massa da população, não se restringindo a crescimento econômico, mas sendo capaz de propiciar

[...] emprego, renda e acesso à cultura para a maioria da população, a melhoria dos serviços públicos, uma rede de proteção social eficiente, a democratização da propriedade, um estímulo à produção, uma reforma tributária progressiva, uma expansão econômica ecologicamente sustentável e uma inserção soberana do país no mundo (FURTADO, 1974, p. 2-3).

Além disso, é importante frisar que o significado do desenvolvimento econômico nas diversas sociedades pode ser expresso por duas distinções. Uma delas consiste no processo de crescimento e mudança das sociedades humanas, sendo singular a cada período histórico, região e cultura. E a outra expressa a aspiração de uma sociedade melhor, o que implica opções de juízo de valor sobre o que se compreende por uma sociedade melhor (WOLFE, 1976).

Embora o discurso desenvolvimentista tenha se disseminado no período pós-guerra, as críticas a essa perspectiva proposta por teorias de subdesenvolvimento e teorias da dependência, nascidas nos anos 1960, na América Latina e na África, ressaltavam que a evolução de um sistema econômico dependia de seu lugar na estrutura de poder do sistema mundial. Mesmo que as economias subordinadas se desenvolvessem, elas nunca atingiriam o patamar das mais desenvolvidas. Além disso, no contexto de globalização não há espaço para um relativo isolamento das economias subdesenvolvidas e a construção de uma estrutura econômica autônoma, pois os processos de informatização tendem a transformar a produção em serviços. Embora essas mudanças sejam mais comuns nos países desenvolvidos, todas as economias tendem a aderir a esse tipo de economia, informacional e em rede. No entanto, não significa que as economias mais atrasadas irão

seguir os estágios dos países mais desenvolvidos, pois seguem por padrões alternativos e mistos (HARDT & NEGRI, 2006).

2.6.3 O Pós-Fordismo e os Territórios-Rede: desenvolvimento x