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Corroborando com Aguiar (1991) e complementando ainda mais seus argumentos, reforça-se que, para Ostrom (1990), grupos de pessoas tendem a construir conjuntos específicos de regras, normas e sanções, para assegurar que tais recursos sejam utilizados de forma sustentável, como acredita-se acontecer nas Reservas Extrativistas.

Nessa mesma linha, Ostrom (2008, p. 270) acrescenta que existem três níveis que afetam as decisões que impedem uma pessoa de cooperar em uma situação de

ação coletiva: “su identidad, el contexto grupal en el que toman decisiones, y si la situación se repite y si se puede usar la reciprocidad para ganarse la reputación de ser confiable”. Os próprios valores individuais não são suficientes para resolver os problemas deste tipo. Sem instituições que facilitem a construção da reciprocidade, da confiança e da honestidade, os cidadãos acabam por enfrentar um verdadeiro desafio (OSTROM, 2008).

Diante da importância da reciprocidade no processo de governança dos recursos comuns, Sabourin (2010) foca sua discussão sobre a reciprocidade do ponto de vista da Teoria da Reciprocidade relacionando com a teoria da Governança dos Comuns de Ostrom (1990; 1998). De acordo com aquele autor, existem quatro elementos próprios à teoria da reciprocidade, sendo o primeiro referente à equivocada relação da reciprocidade com a troca mercantil, não se limitando apenas no dar e receber, isto é, na dádiva/contra dádiva. O elemento que ele mais se detém é o segundo, o qual está relacionado às várias formas de reciprocidade, como a forma positiva (oferendas, partilhas), forma negativa (associada a vingança – dialética de honra), a forma simétrica e as várias formas intermediárias a essas. Sem se aprofundar, ele fala do terceiro elemento que está relacionado à possibilidade de análise da reciprocidade como estruturas. O último elemento trata dos níveis do princípio de reciprocidade que são “[...] o real, o simbólico (a linguagem) e o imaginário (as representações)” (SABOURIN, 2010, p. 148).

Para Ostrom (1998), citada por Sabourin (2010), as estruturas elementares de reciprocidade são classificadas em binária e ternária. A estrutura binária se refere à partilha, isto é, ao aprender juntos. A ternária está associada ao interconhecimento que conduz ao engajamento mútuo. Ostrom (1998) afirma que a reciprocidade só acontece quando existe cooperação e a confiança mútua, sendo esta relacionada a uma norma moral internalizada ou um princípio de troca social. “A reciprocidade implica a consideração do outro como um cooperador potencial e a expectativa de uma sanção, caso não haja cooperação” (OSTROM, 1998 apud SABOURIN, 2010, p. 146). Elementos, como a reputação e a confiança, no cumprimento de sanções estão presentes nas relações dos indivíduos das comunidades tradicionais, influenciando diretamente na forma com que se organizam para realizar a gestão dos recursos comuns. Sabourin (2010) esclarece que Ostrom (1998, 1999) trata a

confiança, a reciprocidade e a reputação como normas sociais que são atributos dos usuários ou dos grupos de usuários.

Ainda segundo Sabourin (2010, p. 148), “a gestão dos recursos comuns repousa sobre uma estrutura de reciprocidade binária coletiva específica, o compartilhamento”. Ao analisar a organização social de uma comunidade local do Nordeste Brasileiro e dos camponeses da Nova Caledônia, o referido autor observou que todos comungavam dos mesmos direitos e deveres de relações baseadas no respeito e na confiança, pois o que importava era a ação do sujeito e a união do grupo. Eles exprimiam sentimentos de pertencer ao mesmo lugar e ao mesmo grupo uma vez que dependiam de uma mesma fonte limitada de recursos. A partir do momento em que o indivíduo se identifica como parte da comunidade reconhecendo suas diferenças, ele cria uma consciência e um sentimento de ser parte de um todo, passando a existir a reciprocidade. Quando esse vínculo não é construído pelo grupo, conflitos podem ser gerados no uso desses recursos comuns limitados.

Assim, os valores afetivos e éticos gerados pelas relações de partilha correspondem a um sentimento de pertencimento e de confiança que podem fortalecer determinados grupos. Nesse sentido, Hess e Ostrom (2007), citados por Sabourin (2010), propõem considerar o conhecimento e os saberes locais como parte dos bens comuns ou compartilhados, como as estruturas de partilha de saberes e experiências comuns.

Nesse diálogo com a teoria de Ostrom (1990; 1998), Sabourin (2010) faz uma crítica a autora, tendo como base a teoria da reciprocidade, com relação à maneira com que ela busca explicar a origem da reciprocidade. Comparando as discussões de Ostrom (1998, 1999) e a Teoria da Reciprocidade, Sabourin (2010) analisa a abordagem de Ostrom (1998) sobre as normas sociais construídas a partir de uma racionalidade limitada. De acordo com a teoria analisada por Sabourin (2010), as relações de reciprocidade simétrica são fruto dos valores éticos construídos a partir da confiança e da reputação (prestígio); ou seja, a confiança é produzida pelas relações de reciprocidade simétrica nas estruturas de compartilhamento. Ostrom (2003 apud SABOURIN, 2010, p. 155) recorre primeiro à confiança, permanecendo “dentro dos limites do postulado binário de troca e das expectativas da sua regulação

por uma minoria de indivíduos altruístas e „reciprocitários‟, interagindo via redes7”. Sabourin (2010, p. 155) afirma que essa busca epistemológica da reciprocidade é preocupante, pois não está na biologia a origem desse comportamento e sim na estrutura social, podendo “[...] levar até à invocação da seleção natural”.

Independente desses dois pontos de vista sobre reciprocidade discutidos por Sabourin (2010), o que é levado em consideração neste estudo sobre a construção dos arranjos de governança nas Reservas Extrativistas é a perspectiva de Ostrom (1990) sobre o papel das relações sociais na gestão dos recursos comuns.

De acordo com Sabourin (2010) e como apresentado até agora, valores éticos como a confiança, o respeito mútuo (a partir do reconhecimento do outro), o sentimento de justiça e a responsabilidade são propostos graças às relações estruturadas na “reciprocidade simétrica”.

• A confiança coletiva é produzida pela estrutura de

compartilhamento no âmbito do grupo: partilha dos saberes, aprendizagens mútuas ou cruzadas, partilha das responsabilidades e solidariedade;

• A aquisição do sentimento de justiça pela aprendizagem, graças à

tomada de consciência, é produzida pela equidistância entre a necessidade de conhecimento (a sua aplicação, a si próprio e aos outros) e a fonte do conhecimento (personificada pelo formador); ele corresponde a uma relação de reciprocidade ternária bilateral (SABOURIN, 2010, p. 149).

Por isso, a reciprocidade aparece com destaque na análise da ação coletiva, uma vez que é considerada uma norma moral internalizada, bem como um padrão de troca social, menciona Sabourin (2010), citando Ostrom (1998). Ostrom (1998, p. 10 apud SABOURIN, 2010) define a reciprocidade de forma a envolver um conjunto de estratégias para a ação coletiva, incluindo:

(1) um esforço para identificar quem está envolvido, (2) uma avaliação da probabilidade de que outros são cooperadores condicionais, (3) a decisão de cooperar com os outros, inicialmente, se os outros são confiáveis para ser cooperadores condicionais, (4) a recusa em colaborar com aqueles que não retribuem, e (5) punição daqueles que traem a confiança (OSTROM, 1998, p. 10, apud SABOURIN, 2010, p. 146).

7Neste estudo o termo “redes” não será utilizado como conceito central, uma vez que o foco são os

Como se pode notar, na opinião de Ostrom (1998 apud SABOURIN, 2010), confiança e lealdade são elementos essenciais de reciprocidade. Uma pessoa que age de acordo com a norma da reciprocidade é considerada confiável. A informação sobre a confiabilidade dos outros é um insumo essencial para a decisão do indivíduo em cooperar ou não. Se a norma da reciprocidade prevalece em uma sociedade, isso implica que uma proporção significativa de indivíduos desta sociedade é confiável, raciocínio este que fere totalmente os argumentos de Olson (1999), segundo Ostrom e Ahn (2007).

A chave para arranjos eficazes de governança está nas relações entre sujeitos que têm interesse em um recurso e não apenas em uma única maneira de governar. Assim, nota-se a importância da gestão partilhada de recursos comuns, visto que funciona melhor em grupos de proximidade onde existe o interconhecimento ou o respeito de regras comuns (OSTROM, 2008 apud SABOURIN, 2010). Sabourin (2010) ainda complementa, afirmando que:

Quando os dispositivos de gestão de recursos comuns baseados na reciprocidade são reconhecidos pelo Estado e pelas políticas públicas, as relações de partilha conseguem, de forma geral, reorganizar-se (atualizar-se) no âmbito de estruturas institucionais novas, mais bem adaptadas ao contexto atual (SABOURIN, 2010, p. 149-150, grifo do autor).

Os dispositivos de gestão de recursos comuns baseados na reciprocidade são reconhecidos pelo Estado e pelas políticas públicas. As relações de partilha são capazes de se reorganizar no âmbito de estruturas institucionais novas e melhor adaptadas ao contexto atual, eliminando contradições nas matérias de propriedade e de uso das terras, entre a gestão local ou comunitária e as políticas de desenvolvimento (OSTROM, 2008 apud SABOURIN, 2010).

Diante do exposto, fica explícito que o capital que as pessoas podem criar quando interagem umas com as outras, com organizações não governamentais e com atores governamentais de diferentes origens é a chave para alcançar um resultado satisfatório, aprendendo e criando novas e melhores soluções para a gestão dos recursos comuns (OSTROM, 2008). Assim, percebo a importância de considerar os diversos sistemas de governança, uma vez que as comunidades extrativistas apresentam diferentes realidades culturais, sociais, históricas e econômicas, refletindo na complexidade dos atributos dos usuários e das características dos

recursos naturais disponíveis. Para entender os mecanismos utilizados pelas sociedades tradicionais para evitar a sobre-exploração dos recursos naturais nas Resex é necessário refletir sobre a Teoria da Governança dos Comuns de Ostrom (1990).

Desse modo, busquei conhecer a realidade das comunidades que vivem nas Reservas Extrativistas, a fim de não apenas analisá-las no marco das referências elaboradas por Ostrom (1990; 1999), mas também identificar iniciativas específicas, que auxiliassem na construção de uma tipologia de princípios de governança próprios. Reconheço que a variedade e a criatividade das consequências dos arranjos de governança são instigantes e diretamente influenciadas pelos atores sociais envolvidos nesse processo, o que justifica discutir sobre as Reservas Extrativistas e as sociedades tradicionais.

1.3. As Reservas Extrativistas na Amazônia: uma alternativa de