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A criação das Reservas Extrativistas é fator importante para o reconhecimento do valor dos sistemas de apropriação comunitária de espaços e recursos naturais na gestão ambiental, na proteção da biodiversidade e da diversidade sociocultural e, sem dúvida, na governança dos recursos comuns, como proposto por Diegues (2001b). Portanto, a questão central deste estudo é sobre como são construídos os arranjos coletivos em Reservas Extrativistas, buscando elaborar uma estrutura de governança dos recursos comuns que possa servir de referência para que a Resex Cazumbá-Iracema alcance uma forma de gestão que evite a sobre- exploração desses recursos comuns.

A fundamentação teórica apresentada até aqui foi conduzida por ideias e pressupostos necessários para organizar a proposta de análise empírica do objeto de estudo. Sendo assim, como fundamentação teórica principal foi utilizada a teoria da Governança dos Comuns de Ostrom (1990), que confere o respaldo necessário para a construção das categorias de análise, buscando desvelar o fenômeno da ação coletiva responsável pela construção dos arranjos de governança nas Resex. A perspectiva da lógica da ação coletiva de Olson (1999), baseada na lógica de que o indivíduo é quem determina a ação, foi importante para constatar ainda mais o grande valor da proposta de Ostrom (1990, 1994, 1999), uma vez que considera o outro como um cooperador potencial, ressaltando a ação do sujeito e a união do grupo como fatores essenciais para a auto-organização.

Os modelos analisados por Ostrom (1990) como a “tragédia dos comuns”, o Dilema do Prisioneiro e a lógica da ação coletiva, que se fundamentam na ideia de que os indivíduos ao agirem contra o interesse coletivo acabariam por provocar a escassez dos recursos de uso comum, serviram para compreender que para haver a governança é necessário agir de forma coletiva, isto é, com base na confiança mútua.

Apresento o contexto das Reservas Extrativistas utilizando o conceito de “sociedades tradicionais” de Diegues (1999), a fim de compreender melhor o modo

de vida dos sujeitos dessa pesquisa, as comunidades extrativistas, bem como compreender sua relação com o território. As Reservas Extrativistas são territórios protegidos com o objetivo de conservar os recursos naturais, territórios aqui considerados numa perspectiva que vai além do entendimento como espaço, onde o grupo social se reproduz econômica e socialmente, mas também considerando seu valor simbólico, sendo sinônimo de vida e identidade. Considero os atores sociais que residem nas Reservas Extrativistas como “sociedades tradicionais” reprodutoras de um modo de vida baseado na cooperação social e em relações específicas com a natureza, apresentando uma cultura diferenciada de outros grupos humanos (DIEGUES, 1999).

Após compreender as diferentes visões sobre a ação coletiva, foi necessário incorporar o conceito de capital social para contribuir na análise da natureza das relações sociais dentro do contexto das Reservas Extrativistas e das forças externas. Por isso, foi utilizada a perspecitva de Woolcock (1998) sobre capital social, uma vez que entende as relações sociais dentro da sociedade e entre Estado-sociedade de maneira conjunta e dependente. Considero que as relações sociais precisam ser dinâmicas para possibilitar simultaneamente a coesão dos grupos, sendo a base para a construção dos arranjos de governança.

O uso do conceito de capital social permitiu analisar o sistema de governança em um sentido dinâmico, mostrando a interação entre os elementos (atores e instituições) que compõem este sistema. Nesta tese também tenho consciência de que a maneira como o capital social é mobilizado ou construído será diferente em cada Reserva Extrativista, considerando então esse capital como um recurso potencial específico de cada realidade. Essas foram abordagens necessárias para sugerir, inicialmente, as dimensões e categorias de análise para o desenvolvimento da pesquisa empírica.

O esquema aqui exposto propõe uma abordagem analítica da governança dos recursos comuns a partir de duas dimensões, micro e macro, construídas a partir dos princípios e atributos propostos por Ostrom (1990; 1994; 1999). As categorias de análise selecionadas para discutir a dimensão micro foram: atributos do usuário; atributos dos recursos comuns; acordos coletivos; e natureza das relações sociais. Com relação aos atributos do usuário e dos recursos naturais foram consideradas como variáveis aquelas apresentadas no Quadro 4 e já discutidas neste referencial

teórico. Sobre os acordos coletivos foram levados em consideração as normas, as regras e as sanções. Na categoria natureza das relações sociais, foram analisados elementos, como confiança, cooperação, conflitos (sociais e ambientais), competição, reputação e reciprocidade.

Na dimensão macro, representada pelo ambiente institucional, foram analisadas as seguintes categorias: regulações do Estado sobre a Reserva Extrativista; parcerias Estado-Resex; e relações extra-Resex. As regulações do Estado sobre a Resex são referentes às ações reguladoras (por exemplo leis, fiscalização), de apoio e de conflito entre essas duas esferas. Sobre as relações extra-Resex, considerei as relações com grupos externos ao próprio grupo, como associações, cooperativas, sindicatos, outras Resex, Organizações Não Governamentais (ONG) e instituições educacionais.

Este tratamento conferido ao recurso e ao seu usuário aproxima a teoria da governança dos recursos comuns à dinâmica existente nas Reservas Extrativistas, visto que a chave para arranjos eficazes de governança está nas relações entre atores que têm interesse em um recurso e não apenas em uma única maneira de governar (OSTROM, 1998 apud SABOURIN, 2010). Assim, a importância da gestão partilhada de recursos comuns foi ressaltada, uma vez que funciona melhor em grupos de proximidade onde existe o interconhecimento e o respeito de regras comuns (SABOURIN, 2010).

O eixo de análise das dimensões e categorias apresentadas foi fundamentado nas relações de reciprocidade destacadas por Ostrom (1998), citadas por Sabourin (2010), baseadas no movimento circular formado pela reciprocidade, confiança e reputação. Essa estrutura social dinâmica perpassa as relações sociais, fortalece os processos de auto-organização e contribui para a gestão dos recursos comuns. Em outras palavras, o conjunto de princípios e regras de propriedade coletiva quando bem definidos, aceitos e respeitados pelos indivíduos de uma comunidade, contribuem para que se evite a sobre-exploração dos recursos naturais comuns.

A representação das dimensões e categorias foi esquematizada de forma a contribuir para a compreensão do que se propôs nessa pesquisa, assim como para facilitar a análise da governança dos recursos comuns em Reservas Extrativistas (Figura 01).

Acordos coletivos - Normas - Regras - Sanções Atributos do usuário Atributos dos recursos comuns Governança dos Recursos Naturais Comuns Regulações do Estado sobre a Resex Parcerias Estado-Resex Relações extra-Resex Dimensão micro Dimensão macro Capital Social - Confiança - Cooperação - Conflitos - Competição - Reputação - Reciprocidade Condições do ambiente político- econômico Microsituação

Figura 1 - Esquema analítico dos elementos teóricos da tese. Fonte: Elaborado pela autora.

Mesmo sendo apresentadas em dois grupos separados, as categorias de análise expostas nesse esquema foram consideradas em relação umas com as outras de forma dinâmica no processo de construção dos arranjos de governança. Na análise das diferentes categorias, vale reforçar que o conceito de governança utilizado para entender como as comunidades das Reservas Extrativistas fazem a gestão dos recursos comuns, foi a capacidade dos atores formarem alianças entre os membros de um grupo e com grupos externos aos deles com base nas relações sociais e de forma a evitar a sobre-exploração dos recursos naturais comuns.

Neste esquema analítico, encontrei a melhor perspectiva de investigação do campo e análise da natureza dos arranjos de governança dos recursos comuns em Reservas Extrativistas, especificamente a Resex Cazumbá-Iracema.