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A preocupação mundial com a degradação do meio ambiente oriunda da ação do homem, como desmatamento, pesca predatória, entre outros, vem resultando em mudanças cada vez maiores no processo de gerenciamento dos recursos naturais. Na Amazônia8, em especial entre 1985 e 1988, foi proposto o conceito de Reservas Extrativistas (Resex) pelo Conselho Nacional dos Seringueiros (organização de seringueiros amazônicos), “como estratégia de desenvolvimento sustentável em áreas habitadas tradicionalmente por populações florestais” (ALMEIDA, 1993, p. 04). Assim, surge uma nova proposta de gestão do meio ambiente no Brasil, principalmente após a promulgação da Constituição de 1988 (ARNAUD, 2012).

As Reservas Extrativistas (Resex) foram incorporadas por decreto presidencial, Lei 9.985, no Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) em julho de 2000 e são uma das categorias das Unidades de Uso Sustentável. Seu principal objetivo é compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável de parcela dos seus recursos naturais por populações tradicionais, tanto em áreas

8 De acordo com o Plano Amazônia Sustentável (BRASIL, 2008), a Amazônia, região composta pelos

Estados do Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e parte do Maranhão, extrapola a limitação territorial por relacionar questões sociais e políticas, visando sanar as necessidades de desenvolvimento na região.

terrestres quanto marinhas (SNUC, 2000). Complementando, Costa Filho (1995, p. 25) afirma que as Resex “surgiram como uma alternativa para atenuar o problema fundiário de concentração de terra, promover a exploração dos recursos naturais de forma sustentável e de conservar a biodiversidade no território amazônico”.

Na categoria Unidades de Uso Sustentável estão as Unidades de Conservação (UC) de Uso Direto, fazendo parte as Resex e as Florestas Nacionais. Para Maciel (2007), as UCs de Uso Direto são o resultado do crescente movimento das populações tradicionais, como os seringueiros e pescadores artesanais, excluídos do processo de desenvolvimento, com destaque para as Reservas Extrativistas. O diferencial dessas Unidades é que elas admitem o uso de recursos naturais para fins econômicos. Ressalto que a proposta das Florestas Nacionais se difere das Resex por visar, inicialmente, à exploração sustentável de recursos madeireiros por empresas privadas em regime de concessão.

Dessa maneira, Alegretti (2008, p. 50) afirma que “as Unidades de Uso Sustentável mais representativas são as Reservas Extrativistas (Resex) e as Reservas de Desenvolvimento Sustentável (RDS)”, tendo em comum o foco no desenvolvimento sustentável.

A Reserva Extrativista é uma área utilizada por populações extrativistas tradicionais, cuja subsistência baseia-se no extrativismo e, complementarmente, na agricultura de subsistência e na criação de animais de pequeno porte, e tem como objetivos básicos proteger os meios de vida e a cultura dessas populações, e assegurar o uso sustentável dos recursos naturais da unidade (SNUC, Lei n. 9.985, 18 jul. 2000, Cap. III, § 6º, Art. 18, grifo meu).

A Reserva de Desenvolvimento Sustentável é uma área natural que abriga populações tradicionais, cuja existência baseia-se em sistemas sustentáveis de exploração dos recursos naturais, desenvolvidos ao longo de gerações e adaptados às condições ecológicas locais e que desempenham um papel fundamental na proteção da natureza e na manutenção da diversidade biológica (SNUC, Lei n. 9.985, 18 jul. 2000, Cap. III, § 4º, Art. 20, grifo meu).

Conforme Allegretti (2008), a regularização fundiária é o que difere essas duas categorias. No caso da Resex é necessária:

a desapropriação de proprietários com títulos válidos e legais, assegurando o usufruto apenas para as comunidades, não existe esse pré-requisito para a criação de uma RDS, devendo as propriedades, por ventura existentes, ajustarem-se às regras definidas para a Reserva. Em ambos os casos a implementação destas unidades de conservação requer a criação de um Conselho Deliberativo9 e a elaboração de um Plano de Manejo (ALLEGRETTI, 2008, p. 50).

De acordo com o Plano de Manejo (MMA, 2007), o ICMBio é o órgão gestor das Unidade de Conservação sendo que as de Uso Sustentável como as Reservas Extrativistas, Reserva de Desenvolvimento Sustentável, Florestas Nacionais, entre outras, estão vinculadas à Diretoria de Unidades de Uso Sustentável e Populações Tradicionais. A missão dessa Diretoria é

promover, a partir de parcerias com diversos segmentos da sociedade, especialmente com as comunidades locais, na condição de principais beneficiárias e co-responsáveis pela gestão da Unidade, a conservação, preservação e uso sustentável dos recursos naturais de porção significativa do bioma amazônico no estado do Acre, assegurando a melhoria das condições de vida das populações residentes, em harmonia com a manutenção de sua cultura e modo de vida tradicional (MMA, 2007, p. 03).

Nesse estudo optei pelas abordagens de Favareto (2007) e Abramovay (2004; 2010) para discutir o conceito de desenvolvimento sustentável, uma vez que apresentam afinidades com a noção de desenvolvimento sustentável proposta para as Reservas Extrativistas. Conforme Favareto (2007), para que o desenvolvimento sustentável aconteça é necessária a articulação das relações entre meio ambiente, estruturas sociais e instituições. Ele complementa que é necessário entrelaçar esses fatores ao analisar a importância do estoque de bens e recursos de que uma sociedade dispõe para estabelecer fluxos dinâmicos, assim como a origem das instituições que os compõem. O desenvolvimento sustentável possibilita “conciliar os imperativos sociais de uso do espaço e as necessidades naturais de conservação do meio ambiente” (FAVARETO, 2007, p. 201).

De acordo com Abramovay (2010, p. 97), “desenvolvimento sustentável é o processo de ampliação permanente das liberdades substantivas dos indivíduos em

9 De acordo com o SNUC (2000, Cap. III, Art. 18, § 2º), o Conselho Deliberativo é responsável pela administração da Resex, “presidido pelo órgão responsável por sua administração e constituído por

representantes de órgãos públicos, de organizações da sociedade civil e das populações tradicionais

condições que estimulem a manutenção e a regeneração dos serviços prestados pelos ecossistemas às sociedades humanas”. Na opinião deste autor, assim como para Ostrom (1990), para que o desenvolvimento sustentável aconteça é necessário um trabalho estratégico e conjunto entre as políticas governamentais, as empresas privadas e as organizações da sociedade civil, considerando-se a cooperação entre os indivíduos e as instituições e a maneira com que os ecossistemas são utilizados (ABRAMOVAY, 2010). Abramovay (2004, p. 4) considera ainda que “o segredo do desenvolvimento está nas instituições, nas formas de coordenar a ação dos indivíduos e dos grupos sociais”, por isso a necessidade de conhecer os arranjos coletivos na Resex Cazumbá-Iracema.

Tanto Ostrom (1990) quanto Abramovay (2004) levantaram a necessidade da existência das relações altruístas entre os indivíduos para que esses grupos se desenvolvam de forma sustentável. “Uma sociedade em que os indivíduos têm a capacidade de levar em conta os interesses alheios consegue instituir formas de coordenação muito mais propícias aos processos de desenvolvimento” (ABRAMOVAY, 2004, p. 46).

Ao refletir sobre a criação das Reservas Extrativistas, Cavalcanti (2002), Allegretti (2002) e Moraes (2009) enfatizam a importância dessa conquista política proposta pelos seringueiros, não apenas para as populações amazônicas, mas também para todo o território brasileiro. Para Allegretti (2002, p. 40), a criação dessa política pública resultou em “uma modalidade original de regularização de direitos fundiários e proteção de territórios e recursos naturais”.

Foi o resultado de um histórico processo de mobilização social ocorrido na Amazônia nas últimas décadas do século passado. Os atores principais – seringueiros, extrativistas, ribeirinhos, pescadores, castanheiros, quebradeiras de coco babaçu – são grupos sociais pobres e marginalizados, sem poder econômico nem força política, que têm em comum o fato de depender dos recursos naturais (lagos, florestas, rios, mar, cerrados) para obter a própria subsistência (ALLEGRETTI, 2002, p. 40).

Nesse aspecto, Diegues (2001b) enfatiza que as Reservas Extrativistas estão fundamentadas no respeito ao mundo natural, sendo um reflexo das preocupações nacionais e internacionais por culturas que mantêm uma relação de respeito com o meio ambiente enquanto parte do patrimônio nacional.

Ainda em relação às Resex do bioma amazônico, Allegretti (2008) afirma que, embora a extração de borracha nativa tenha sido substituída pela produção cultivada em outras regiões do país, ela não desapareceu devido a sua diversificação. Por outro lado, Homma (1993, p. viii) enfatiza que “[...] a sustentabilidade microeconômica não garante a sustentabilidade macroeconômica e que uma sustentabilidade tende a afetar a outra e vice versa” e complementa fazendo uma forte crítica à atividade extrativista:

O extrativismo vegetal constitui uma base de desenvolvimento de vulto bastante frágil, que se justifica mais pelo nível de pobreza dos seus habitantes e do mercado de mão de obra marginal. Trata- se de uma economia moribunda, cuja tendência inevitável é o seu desaparecimento, à medida que o mercado desses produtos for crescendo; e também em função das políticas salariais, em face da baixa produtividade da terra e da mão de obra; e do crescimento populacional; do aparecimento de outras alternativas econômicas; entre inúmeras outras (HOMMA, 1993, p. viii).

Nessa perspectiva, parece-me que nas UCs, em especial nas Reservas Extrativistas, surge um processo de diversificação das atividades produtivas, principalmente em função do que foi apresentado por Homma (1993). Assim, adotando uma perspectiva divergente à de Homma (1993), Anderson (1994) argumenta que:

as críticas contra a viabilidade econômica do extrativismo não levam em conta o desempenho econômico de outros usos da terra na Amazônia e se esquecem das recentes mudanças sociais que podem melhorar a eficiência das economias baseadas em produtos florestais não-madeireiros. [...] Além disso, uma análise meramente econômica dos investimentos e retornos econômicos não leva em conta os custos sociais e ambientais de usos não sustentáveis da terra (ANDERSON, 1994 apud ANDRADE, s/a, p. 03).

Outro ponto de vista é o de que as Reservas Extrativistas foram criadas apenas para proteger as oportunidades socioeconômicas dos seringueiros e que, não necessariamente, combinam com a proteção da biodiversidade, estando o extrativismo sujeito à regra básica do mercado de oferta e demanda (BROWDER, 1992 apud CAVALCANTI, 2002). Assim, essa atividade de coleta de produtos naturais que apresenta um modelo de produção arcaico, pré-moderno, não conseguiria perdurar por muito tempo, já que a crescente demanda do produto, em

um longo prazo, levaria ao fim da atividade por não suprir o mercado. Do mesmo modo, a demanda crescente e a sobre-exploração do recurso levaria ao esgotamento dos estoques naturais (HOMMA, 1993; BROWDER, 1992 apud CAVALCANTI, 2002).

No entanto, além da dimensão econômica abordada acima, Maciel (2007) destaca o papel das Resex como política fundiária e ambiental, podendo ser considerada, na Amazônia, como uma “solução parcial” para a continuação das populações extrativistas e a conservação da natureza, uma vez que não ataca frontalmente a dimensão econômica do processo de desenvolvimento. Segundo este autor, as Reservas Extrativistas abrem amplas possibilidades para a ocorrência do progresso tecnológico no setor, principal desafio para a mudança econômica. Cavalcanti (2002) corrobora com Maciel (2007) por também considerar as Reservas Extrativistas como uma solução incompleta para o desenvolvimento sustentável, visto que “[...] o controle da ocupação e a forma de uso da terra, apesar de fundamental, não são suficientes para garantir a conservação e uso sustentável da floresta” (CAVALCANTI, 2002, p. 04). Esse autor acredita que as bases da sustentabilidade das Resex se encontram “na participação e no papel do progresso técnico, na diversificação da produção e na gestão do processo produtivo” (CAVALCANTI, 2002, p. 04).

Apesar das fortes críticas conferidas aos aspectos econômicos das atividades extrativistas, mencionadas principalmente por Browder (1992 apud CAVALCANTI, 2002) e Homma (1993), e os diferentes pontos de vista sobre a dinâmica existente nas Reservas Extrativistas, pontuadas por Anderson (1994), Cavalcanti (2002) e Maciel (2007), acredito que existam realidades que apresentam características que contradizem, mesmo que parcialmente, as ideias aqui expostas. Por outro lado, é fato que a pecuária tem sido uma alternativa econômica gerada pelo baixo retorno financeiro do extrativismo nas Resex.

Por tudo isso, a importância da governança dos recursos comuns se justifica como “meio e processo capaz de produzir resultados eficazes, [...] com a participação e ação do Estado e dos setores privados, sem necessariamente a utilização expressa da coerção” (GONÇALVES, 2005, p. 02). Nesse sentido, torna-se necessário conhecer como são identificadas as comunidades que residem nas Reservas Extrativistas, seu papel e sua relação com o local onde vivem, ou seja, seu território.