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2.3 A PARTICIPAÇÃO SOCIAL E AS INSTÂNCIAS REGIONAIS DE GOVERNANÇA

2.3.1 A governança e a participação social no processo decisório: contextualização do

As instituições públicas são responsáveis pela condução do processo de desenvolvimento de um país, fato este que afeta toda a sociedade. As consequências das decisões tomadas pelo poder público recaem e são sentidas sobre o povo e este percebe se suas expectativas estão sendo atendidas ou não. Assim, o processo decisório no âmbito do poder público está imerso em valores e responsabilidades sociais de modo que as decisões do governo devem caminhar paralelas ao nível de apoio da sociedade ao poder público. Pereira e Fonseca (1997) argumentam que o processo decisório carece de ser fruto de discussões e de debates através de um processo de negociação, de consenso, e com ampla participação popular para não perder sua legitimidade.

Convergindo com esta proposta, emerge um novo modelo de desenvolvimento voltado para as relações de cooperação interinstitucional, que promova a acumulação e a troca de capital, conhecimento e tecnologia. Paralelo a esta perspectiva de desenvolvimento surge também a nova tendência de descentralização da administração pública, que pressupõe a desconcentração do poder e das responsabilidades de planejamento e orçamentárias. Deste modo, o poder público dilui a sua autoridade para outras instituições e requer novos modelos de gestão.

A participação em âmbito público pressupõe a possibilidade dos cidadãos e dos agentes sociais serem capazes de decidir sobre a partilha do poder, do saber e da riqueza. O Estado, diante deste cenário, deve garantir a legitimidade necessária para representar a sociedade no papel de prestador de serviços à coletividade (GRIMM, 2013). Deste modo, para

46 atingir o atendimento às demandas da sociedade, esta mesma sociedade deve interagir de modo efetivo tanto na elaboração como na execução e no monitoramento das políticas públicas.

Dentre as novas formas de administração e processo de decisão na administração pública está a descentralização, que objetiva minimizar o autoritarismo, o formalismo e a burocratização excessiva. Idealmente, a participação na perspectiva da descentralização vai mais além da liberdade de escolher o seu representante e remete à educação, ao empoderamento3 e ao se sentir sujeito e cidadão conhecedor de seus deveres e direitos. Remete ainda ao diálogo, à autonomia para identificar, refletir e decidir sobre seus problemas e sobre as estratégias de intervenção em sua realidade.

Esta nova forma de administrar, ao qual a gestão do turismo também se insere, requer uma série de iniciativas e atitudes como o compromisso do alto poder em legitimar a participação no processo de decisão, bem como dar maior autonomia aos agentes e instituições locais. No turismo, a partir da implementação do macro-programa de regionalização que busca dentre outros objetivos promover a gestão participativa da atividade através da institucionalização de instâncias de governança regional - IGRs, foram formados fóruns e conselhos estaduais, regionais e municipais em todo o país. Deste modo, cada Polo de Turismo foi orientado a criar a sua IGR e cada município estimulado a implantar um conselho municipal de turismo. No Polo de Turismo Seridó, sua instância de governança foi legalmente instituída em forma de conselho com representatividade do poder público, iniciativa privada, instituições de ensino superior e da sociedade civil organizada.

Seguindo o modelo dos ―destinos turísticos‖, o turismo no Polo Seridó mesmo que ainda em fase embrionária, acontece em determinados espaços utilizando os recursos naturais através de trilhas e outras atividades esportivas e exigindo a transformação das áreas naturais para a construção de equipamentos de lazer e hospitalidade, criando assim as ―territorialidades‖. Estas territorialidades na maioria das vezes ocorrem em detrimento do investimento social e do fortalecimento da identidade local, alheias à inserção da comunidade local na dinâmica do fenômeno turístico. Além disso, a criação de um polo de turismo incita na sociedade uma expectativa quanto aos benefícios econômicos e socioculturais que o turismo pode gerar para ela.

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Baseado em KLEBA e WENDAUSEN, 2009, acredita-se que empoderamento deve estar presente nas três dimensões da vida em sociedade. A dimensão individual, que pressupõe autonomia e liberdade para exercer a cidadania; o empoderamento no grupo, através do respeito recíproco, apoio mútuo e sentimento de pertencimento das pessoas que fazem parte de um mesmo grupo social; e o empoderamento estrutural que são as estruturas necessárias para viabilizar o engajamento e a participação. Estas três dimensões não são separadas e interagem de modo que esta separação de níveis é somente para fins didáticos e avaliativos.

47 Por estas questões, a participação social tanto na concepção como na execução das políticas públicas de turismo é fator premente para o processo de desenvolvimento. É através da participação social no processo de decisão que uma sociedade define suas verdadeiras carências e aponta suas peculiaridades econômicas, culturais, políticas e naturais para que a condução do processo de desenvolvimento seja compatível com as características locais. Neste contexto, o Estado emerge como aparato político-ideológico para garantir a ordem numa luta de interesses divergentes entre as classes sociais, exercendo a sua soberania sobre a sociedade.

Face ao exposto, ao se propor alternativas de turismo em determinada comunidade precisa-se conhecer sua realidade, seus usos, relações e valores quanto aos recursos naturais, bem como encontrar formas de inserção socioeconômica no processo produtivo do turismo local. Para alcançar o desenvolvimento que se deseja, a gestão do turismo precisa munir-se de um arranjo institucional local, um órgão colegiado que planeje e gerencie o uso dos recursos naturais, e insira os saberes das populações autóctones e as possibilidades político- institucionais locais carregadas de conhecimento tácito (SOUZA; SAMPAIO, 2013).

Todas estas questões deveriam ser discutidas no âmbito do Conselho do Polo de Turismo Seridó e anteriormente pontuadas em arenas públicas de participação em nível local. Tal realidade proporcionaria a participação efetiva da comunidade local no planejamento e na gestão do turismo, e garantiria que entraves ao desenvolvimento regional fossem expostos e debatidos em busca das estratégias de intervenção, entendendo que o desenvolvimento deve estar baseado na dinamização equânime das atividades sociais, culturais e políticas, fundamentada em uma transformação participativa e consciente da realidade local. Hansen e Melo (2004, p.12) defendem que, ao estimular e viabilizar a construção de governança,

a ação política passa a atuar no melhoramento da cultura de inovação (relacionada ao diálogo social), na implementação do aprendizado (mediante a cooperação e compartilhamento do conhecimento e informação), na maximização de recursos coletivos (características de associações de empresas e organizações de apoio), e enfim, na consolidação das redes sociais.

Assim, a descentralização política imprime a participação popular no processo de decisão, no planejamento e na fiscalização e monitoramento no uso dos recursos sociais, naturais e econômicos. Tal fato remete também a mudança do papel do Estado que deixa de ser produtor de serviços e bem público para ser agente ativador e coordenador dos atores que intervém e elaboram os serviços e os bens públicos (ARAUJO, 2009).

No entanto, Dagnino (2004, p.109) ao tratar sobre participação e cidadania, afirma que esta descentralização do poder do Estado muitas vezes vem reforçar os interesses

48 neoliberais, já que atende às suas exigências quanto a ajustes estruturais. A diminuição das responsabilidades do Estado, segundo a autora, leva ao encolhimento dos espaços políticos de participação e consequentemente, da democracia ―(...) e suas consequências são o aprofundamento da exclusão justamente daqueles sujeitos, temas e processos que possam ameaçar o avanço do projeto neoliberal‖. Em se tratando do Polo de Turismo Seridó, a composição de sua IGR tem predominância de representantes do poder público e da iniciativa privada, estabelecendo uma discussão onde prepondera uma perspectiva gerencialista e empreendedorista, transcendendo do ambiente corporativo e se inserindo no âmbito da gestão estatal. É fato que estas ações são relevantes para o fomento turístico, e que estes agentes sociais locais imprimem um papel importante para a condução do processo de planejamento turístico. No entanto, como cada região apresenta características econômicas e sociopolíticas locais, e no caso do Polo de Turismo Seridó, como seus atrativos turísticos potenciais se encontram em áreas rurais e naturais, muitas vezes coexistindo com atividades econômicas como agricultura e pecuária, é importante que representantes da sociedade civil que habitam ou que mantém relações de convívio com as áreas onde estão os atrativos turísticos componham o conselho gestor do turismo.

Diante do cenário atual onde a participação vem assumindo novos significados emerge um conceito que deve caminhar junto com a participação: a cidadania. Por isso, o Conselho do Polo de Turismo Seridó ainda carece da inserção de outros sujeitos sociais coletivos (p.ex. sindicatos laborais, associações de comunidades rurais) para que esta IGR se torne uma arena pública de participação social legítima. Neste sentido, a cidadania deve ser entendida primeiramente como o direito a ter diretos, ou seja, o acesso aos serviços e bens básicos como proteção do meio ambiente, autonomia do próprio corpo, moradia, saúde e educação. Somado a isso, a cidadania requer a formação de sujeitos sociais atuantes, participativos ―definindo o que consideram ser seus direitos e lutando para seu reconhecimento enquanto tal‖ (DAGNINO, 2004, p.104).

Assim, não só a ampliação dos espaços de participação social contribui para o turismo como atividade econômica geradora de desenvolvimento. Esta participação deve ser antecedida de um empoderamento local, através da construção e difusão do conhecimento. Estas iniciativas precisam ser estabelecidas em âmbito local para que a sociedade possa encontrar no Conselho do Polo de Turismo Seridó importante espaço de discussão e tomada de decisão.

49 Cabe então a reunião de esforços e estudos para analisar e diagnosticar o nível de participação da comunidade local na gestão do turismo, e o nível de representatividade que os sujeitos sociais imprimem nas instâncias regionais de governança do para o desenvolvimento.