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2- A Companhia Armour em Sant’Ana do Livramento

3.5 A Greve de 1949

Em abril de 1949 os operários do Armour entraram em greve. Sobre esse

40 Idem, p. 103.

episódio o pesquisador santanense Marlon Aseff coloca:42

“Na edição de segunda-feira, 4 de abril de 1949, o jornal o Republicano, porta- voz da UND local, publicava: ‘como vinha sendo esperado de há muito, finalmente na 6º.a feira última irrompeu o movimento grevista no frigorífico Armour desta cidade, sob o pretexto de pleitear o aumento de salário dos funcionários daquele frigorífico e contra o desconto do imposto sindical, mas, na realidade, servindo aos desígnios revolucionários e subversivos dos comunistas que procuram acima de tudo a anarquia, a desordem e a desharmonia social. O movimento teve uma longa preparação psicológica, através da impressa comunista, da distribuição de boletins subversivos, e da atuação desenvolvida pelos vereadores comunistas Lucio Soares Neto e Solon Pereira Neto, na Câmara Municipal, procurando da tribuna daquela Câmara agitar os meios operários e sindicais e justificar o direito de greve. Porque a greve, é preciso que se diga, embora uma faculdade constitucional, por não ser de auto-aplicação, e depender da regulamentação legal, praticamente não existe em nosso país.” (POTOKO, 2013, p.145)

Corria na cidade de que os líderes da greve haviam sido presos e levados para a capital, Porto Alegre. Segundo pesquisadores da cidade foram momentos tensos em que os militantes que estavam até o momento em liberdade decidiram agir. Entre os líderes do partido comunista estavam Lucio Soares Neto, secretário do partido e Hugo Nekesaurt, homem de confiança do partido. Aseff relata sobre esses momentos de tensão na fronteira:43

“Escondidos em um fundo de quintal de uma modesta casa nas cercanias no frigorífico, junto a um chiqueiro de porcos, varavam a noite despistando a polícia, correndo risco de vida. Hugo recorda: “Estávamos nos fundos de uma casa de gente requetepobre. E de madrugada é que se deu o caos. As mulheres dos companheiros presos foram exigir, chorando, uma solução. Se dizia que iam ser levados para Porto Alegre no trem que saía de manhã e ninguém sabia o que podia acontecer”.

Pressionado, Lucio não resistiu ao apelo desconcertante das companheiras, angustiadas pela incerteza da luta e o que poderia acontecer aos seus maridos. De súbito, determinou a Hugo mais uma das missões quase suicidas, que já faziam parte do cotidiano da luta. É o velho militante comunista, sobrevivente daquelas décadas radicalizadas, que rememora: “No portão do Armour a greve tava fervendo, miles de personas não? quase dentro da fábrica. E o Lúcio me manda a mim que vá ao bairro Wilson, na estação ferroviária, a conquistar brigando a liberdade dos comunistas que iam seguir preso. E digo, e vou só? Sim, você vai no Armour, pega gente no portão e vai lá, o trem vai parar na estação do Wilson, você sobe no último vagão, passa por todos e manda que eles desçam. Mas não era para dizer aos companheiros qual era a missão que o partido mandou, só quando chegasse no trem. Aí caminhamos uns cinco ou seis quilômetros pela via férrea, e quando chego e digo olha, nós vamos fazer o seguinte, vamos ver se recuperamos a liberdade dos nossos companheiros, todos deram volta, uns cinco ou seis, e eu fiquei sozinho.Agora imagina, tinham que

42 POTOKO, 2013, p. 145.

levar gente muito bem armada para fazer isso, e eu com um revólver 32 e sozinho”. Hugo não desertou. Esperou o trem, e conforme o combinado com Lucio, ofereceu- se ao sacrifício pela liberdade dos companheiros. Nem que fosse à bala iria tirar dali Felício, Aladim, Horacílio, Pedro e Adair. Também deviam estar no trem o Juvelino, o Nazário, o Joventino, o Antônio, o Ernesto e o Toríbio. Com a arma em punho, dissimulada no bolso, percorreu os vagões em intermináveis minutos. Mais uma vez, a sorte o acompanhou. O conflito fora adiado. Os companheiros ficaram detidos na delegacia, de onde só sairiam depois de sumariamente demitidos do frigorífico. Hugo desceu em Palomas e empreendeu uma arriscada caminhada rumo ao centro do conflito, novamente. Enquanto percorria os quilômetros que o separavam da cidade, da fábrica e dos grevistas, pensava na peculiaridade da luta. Mal poderia supor que pouco mais de um ano depois veria quatro de seus companheiros chacinados em frente ao Parque Internacional. Quem observasse aquele homem caminhando pelos trilhos; obstinado, cansado, envolvido até a raiz na luta social, não poderia supor que a luz daquela manhã outonal iluminava um idealista que pouco se importava com as privações que o combate impunha. Conforme bem notou o historiador Jorge Ferreira, para os comunistas “amargurado era aquele que não sabia as origens de seu sofrimento, infeliz era o operário alienado que desconhecia as razões de sua miséria, sacrificado era o camponês que nascia e morria faminto acreditando na vontade de Deus; sofrido era o pequeno-burguês em sua vã corrida para alcançar os capitalistas. Para um autêntico revolucionário, o sofrimento era um sentimento perturbador tão somente para aquele que ignorava as matrizes de suas dores”. (...)Não que Hugo fosse frontalmente contra os pequenos burgueses ou os caudilhos. Admirava Don Pedro Irigoyen, o dono do saladeiro, que soube ludibriar os gringos que pensavam ter comprado o terreno do Armour com direito aos eucaliptos da avenida, semeados por ele. Lembra com indisfarçável orgulho da frase proferida tantas vezes por Don Pedro: “Mientras exista Pedro Irigoyen, y sea dueño del saladero, nunca van a ver un milico en el portón”. A hombridade da luta política também acendia a admiração ao caudilho maior, Flores da Cunha. “Gosto do Flores, apesar do Flores ser da UDN , porque era um homem romântico, humano, chorava por qualquer coisa. E era o valente número um não?”. A relação com o Frigorífico passou da admiração para uma crescente consciência de classe. Quando olha para trás e revê a luta que teve como palco o frigorífico, Hugo reflete sobre os prós e os contras que o desenvolvimento capitalista impôs naquele momento : “Isso eu penso até hoje, quando perco o sono. É a evolução do mundo, claro, eram uns ladrões, sempre foram uns ladrões, mas teve uma etapa em que eles ajudaram os povos, verdade? Porque quer indústria melhor do que um frigorífico para trabalhar? As pessoas aqui de Santana trabalhavam em campanha, grátis, por comida. Faziam muro de pedra, quando não havia alambrado. E eu faço uma comparação do Frigorífico com um filho. Você cria o seu filho, ajuda, mas ele cresce e casa e você deixa de ajudar. Ele já é livre. E com os capitalistas sucede a mesma coisa, a princípio é encantador trabalhar em um frigorífico, mas depois um se dá conta de que é roubado” (Entrevista disponível em http://www.celpcyro.org.br/joomla/index.php?option=com_content&view=article&I temid=0&id=358)

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