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A Guerra e suas interpretações

3. A Guerra e o Conservadorismo

3.2 A Guerra e suas interpretações

A guerra é um tema muito recorrente dentro da história, contudo, o estudo desta se concentra no século XX, na primeira e na segunda guerra mundial. Dentro desse tema existem diversas possibilidades de análise, uma delas é referente ao direito. Se formos entender o tratado de Bello, talvez tenhamos que olhar por este ângulo.

Para isso recorreremos a Noberto Bobbio para entendermos rapidamente algumas de suas idéias sobre a guerra e o direito. A partir disso poderemos iniciar nosso exame do texto de Andrés Bello.

Bobbio entende a relação entre a guerra e o direito de três formas, guerra como objeto do direito, como meio de realizar o direito e a guerra como antítese do direito. A guerra como objeto do direito, aparece como a primeira ligação entre esses dois temas. Nesse momento a guerra deixa de ser vista como algo natural e começa a ser legitimada e limitada através de uma regulamentação moral e jurídica. Isto se inicia na

Roma antiga e é retomada durante a Idade média, com a doutrina da guerra justa. Esta idéia pressupõe que existem guerras justas e injustas75.

A segunda forma, guerra como meio de realização do direito, surgiu com o direito internacional moderno, o qual vê a guerra como meio de realização do direito. Esta idéia vê a guerra como a sanção a um Estado que tenha tido uma conduta moral e jurídica ilícita. Esta doutrina era voltada aos Estados e não aos indivíduos76.

A terceira forma, guerra como antítese, se desenvolveu a partir das idéias de Thomas Hobbes, e do seu entendimento de que os estados, assim como os indivíduos, em estado de natureza, estão em situação de guerra pelo fato de não haver um soberano que aplique as leis através de uma força superior77.

Ao interpretarmos os escritos de Bello a respeito da guerra, talvez não consigamos encaixá-lo em alguma destas formas apresentadas por Bobbio, entretanto, é evidente que uma delas é o oposto do que Bello pensa a respeito da guerra.

O conceito de guerra e a visão a cerca da sociedade de Andrés Bello, destoa da idéia que surgiu no final do século XVIII e que foi responsável pela mudança do pensamento sobre o Estado moderno. Aqui me refiro a Thomas Hobbes. Isso fica claro logo no inicio da segunda parte da obra de Bello.

Se dice que la paz es el estado natural del hombre; y que si se emprende la guerra, es para obtener una paz segura, su único fin y objeto legítimo. Es preciso confesar que la casi no interrumpida serie de contiendas hostiles que presentan los anales del género humano, da algún color a la guerra general y constante de todos contra todos, que es la base de la extravagante teoría de Hobbes, y a la opinión de varios autores, que habiendo observado el carácter de las tribus indias, sostienen que el hombre en el estado salvaje tiene un instinto y apetito nativo de guerra. Pero tampoco admite duda que uno de los primeros resultados de la civilización es el amor a la paz y el justo aprecio de sus inestimables bienes78.

Ao entendermos que Bello participava ativamente de um governo, onde contribuía de forma direta para a construção de um Estado, em um contexto, como já

75 BOBBIO Apud MIGUEL, Alfonso R. Guerra, justicia y derecho internacional. In: Isonomía: Revista de

teoría y filosofía del derecho. nº 20. Abril 2004. p. 60

76 Ibid. p. 61 77 Ibid. p. 62

colocado, onde as nações estão em formação, onde existia a necessidade de consolidar um Estado, que ainda era frágil, pensando não apenas o Chile, mas toda a América Hispânica, parece-nos que o discurso sobre Nação, Estado, Guerra, foge de uma idéia hegemônica.

Formar as nações pensando o Estado como colocado por Hobbes, parece não ser o objetivo de Bello, nem do governo ao qual participa. Este, como salientado pela historiografia, é um governo conservador, o qual lutou, literalmente contra os liberais que tentaram implantar uma república como a européia ou estadunidense na América.

Para compreendermos essa discordância de Bello em relação ao pensamento de Thomas Hobbes, vamos nos debruçar rapidamente sobre a obra desse autor, e compreender a guerra e o Estado para ele. Hobbes é tido como um divisor de águas no que se refere ao Estado, pois, antes dele, havia um predomínio, desde a antiguidade, da idéia escolástica de Estado, que era proveniente do pensamento de Aristóteles.

O modelo, como denomina Norberto Bobbio, de Thomas Hobbes é chamado de Jusnaturalista e após sua criação foi de diversas formas modificado, porém é importante dizer que existe uma base inalterada que é recorrente em todas as suas modificações. Nessa base encontram-se três características básicas: Estado de natureza, Contrato Social e Estado Civil79.

Para Hobbes, o primeiro pensador a construir essa idéia, em sua origem a humanidade vivia em estado de natureza, um estado não político, dominado pela guerra. Nesse estado os indivíduos eram livres e iguais, e não eram associados. Isso, segundo Hobbes, fazia com que os indivíduos vivessem em uma situação constante de guerra, devido ao fato da igualdade gerar a cobiça e possibilitar que mais de um individuo desejasse o mesmo objeto, e assim poderia fazer qualquer coisa, até matar para conquistá-lo80.

Para Hobbes, a constituição do Estado ocorre a partir de um consenso, ou seja, um acordo entre os indivíduos que vivem no estado de natureza. Necessário frisar que este consenso não ocorre de forma natural, e sim através de acordos firmados entre os

79 HOBBES Apud BOBBIO, Norberto. Thomas Hobbes. Rio de Janeiro : Campus, 2004. p.4 80 Ibid. p.34

indivíduos, que segundo Hobbes o fazem devido a uma necessidade de sair do Estado de natureza por causa da situação belicosa81.

Esse acordo firmado entre os indivíduos que vivem no estado de natureza, é denominado de contrato social. Este contrato feito entre os indivíduos é o que possibilita a criação do Estado, como uma forma de organizar a sociedade. Assim, o consenso entre os indivíduos forma um Estado – Leviatã – o qual possibilita a constituição de um estado Civil, onde antes havia um estado de natureza, desta forma ocorre uma mudança da situação não-política para uma situação política.

Norberto Bobbio insiste no fato deste Estado ser uma construção, no sentido de que “jamais existiu uma formação histórico-social como a descrita”82. O que é diferente da idéia que anteriormente havia a cerca de Estado. Os pensadores aristotélicos defendiam que a constituição do Estado ocorria de forma natural a partir da família. Assim sendo, acreditavam que a família como base fundamental da sociedade, evoluía naturalmente e com o decorrer do tempo agregava outras famílias, e estas, formariam ao longo de um desenvolvimento progressivo um estado. Assim o Estado para o modelo Aristotélico é o fim da evolução natural da família83.

O que marca esta concepção de Estado de Hobbes, para nós, é a idéia de guerra. “O estado de natureza é o estado de guerra de todos contra todos”84. O estado, a partir disso, tem como objetivo acabar com os conflitos. Esse estado de guerra segundo Hobbes pode ser verificado em três situações, no entanto vou me deter em apenas duas:

01)No caso da guerra civil, ou seja, quando o Estado já existe, mas se dissolve por variadas razoes, ocorrendo a passagem as sociedade civil à anarquia, situação que poderia ser chamada de antiestatal. 81 Ibid. p.02 82 Idem 83 Ibid. p.07 84 Ibid. p.35

02)na sociedade internacional, onde as relações entre os estados não são regulamentados por um poder comum, numa situação que poderia ser chamada de interestatal85.

A partir do exposto, nos deteremos na obra de Bello e entender de que forma este intelectual concebe a guerra, para desta forma podermos fazer uma comparação com as visões sobre a guerra e buscar assim entender a relação desta com a construção da nação e do Estado se possível.

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