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2. A paz e a Nação

2.4 O Estado de Paz

A primeira parte da obra, intitulada estado de Paz, é destinada a explicar, de forma geral, quais são os direitos e os deveres de uma nação nos tempos em que está não esta guerreando. Para tanto no início desta primeira parte Bello procura fazer uma conceituação de nação. E logo no primeiro parágrafo já nos deparamos com uma

53 CALDERA, Rafael, op.cit. 126 54 JAKSIC, Iván, op. cit. p.136 55 idem

questão muito relevante, a qual já foi interpretada por Chiaramonte56. Não existe diferença entre Estado e Nação para Bello. “Nación o Estado es una sociedad de hombres que tiene por objeto la conservación y felicidad de los asociados; que se gobierna por leyes positivas emanadas de ella misma, y es dueña de una porción de território”57.

Desta forma, percebemos uma característica dos intelectuais e do governo dessa época. Eles não se preocupavam com a idéia de nacionalidade, ou seja, no primeiro momento não havia interesse em criar uma afeição da população com o seu país. Pelo contrário, essa falta de distinção entre os dois conceitos, aponta para o fato de haver uma preocupação com a consolidação do Estado, do governo, mais do que isso, como demonstra Bello no decorrer da primeira parte, uma preocupação com a soberania.

As nações ou Estados como coloca Bello, são segundo este, iguais aos homens, e portanto como estes são naturalmente iguais entre si, as nações também são iguais entre elas.

Mais do que isso, é evidente no primeiro momento da obra a preocupação do intelectual com as novas nações. Em sua primeira edição ainda em 1832, os países da América Hispânica enfrentavam problemas graves, e obviamente eram frágeis em relação a outras potências. Contudo, elas estavam seguras, pois se respaldavam no direito de gentes, que afirma: “La República más débil goza de los mismos derechos y está sujeta a las mismas obligaciones que el imperio más poderoso”58.

Porém aponta Bello, o que torna essa nação igual às outras é ela ser realmente uma nação, o que por sua fez ocorre somente se está for independente e soberana. A partir desse momento, esses dois conceitos são amplamente utilizados por Bello. “La

independencia de la nación consiste en no recibir leyes de otra, y su soberanía en la

existencia de una autoridad suprema que la dirige y representa”59

.

56 Ver artigo CHIARAMONTE, José Carlos. La formación de los Estados nacionales en iberoamérica. In:

Boletín del Instituto de Historia Argentina y Américana E. Ravignani,. Terceira serie, n. 15, 1º. Semestre de 1997.

57 BELLO, Andrés. op.cit. p.141 58 Idem

Este pequeno trecho demonstra de forma clara as idéias de Bello a respeito de independência e soberania. O primeiro conceito, nos remete ao próprio trabalho do intelectual, uma nação só é independente se não recebe leis de outra, assim necessita criar as suas próprias leis, pois, a partir disso não necessita sujeitar-se as outras nações. Esta questão nos leva a biografia do autor, e a sua grande preocupação com as leis, as quais sempre foram importantes em sua visão, tanto que escreveu um tratado de direito internacional, livros sobre direito, um código civil, ajudou na elaboração de uma constituição.

Já o segundo conceito é novamente tratado por Bello mais adiante, e com algumas complementações interessantes. Ele afirma que:

El poder y autoridad de la soberanía se derivan de la nación, si no por una institución positiva, a lo menos por su tácito reconocimiento y su obediencia. La nación puede transferirla de una mano a otra, alterar su forma, constituirla a su arbitrio. Ella es, pues, originariamente, el soberano60.

Se Bello aponta que a soberania de uma nação consiste na existência de uma autoridade, agora complementa que originariamente esta nação é o soberano. Pois, esta autoridade como ele assinala, pode ser modificada, uma nação tem o total direito de escolher seu soberano, que pode ser uma monarquia absolutista, uma república ou uma monarquia constitucional, isso deriva da vontade dos cidadãos.

Dando continuidade a seu conceito de nação, Bello congrega a essa idéia inicial de a nação ser independente e soberana devido as questões internas, a necessidade de a nação ser soberana também internacionalmente, e é para isso, segundo ele, que existe um tratado de direito internacional. Pois, retornando a imagem da nação como uma pessoa, esta precisa dialogar com as outras, sob a égide do direito de gentes.

Desta forma Bello afirma que existem duas soberanias, a inmanente e a

transeunte, a primeira trata de questões internas e a segunda de questões externas. Só

a sua relação com as outras nações torna uma nação um verdadeiro corpo político. Diante disso afirma Bello, “toda nación, pues, que se gobierne a sí misma, bajo

cualquiera forma que sea, y tiene la facultad de comunicar directamente con las otras, es a los ojos de éstas un Estado independiente y soberano”61.

Assim, percebemos a preocupação desse intelectual venezuelano em dois pontos fundamentais, remetendo-se a seu biografo Jaksic, e a idéia de Ordem. Existe para Bello a necessidade de uma ordenação interna, obviamente baseada nas leis, entretanto, isso não é suficiente para uma nação. As relações externas também se fazem necessárias para promulgar um país como independente e soberano, e tanto a questão interna como externa, são inexoravelmente complementares, uma possibilita a consolidação da outra.

Esta interpretação da obra de Bello não é inovadora, ela já foi detectada por seu biografo Ivan Jaksic. “Insisti em que para que los países pudieran lograr La estabilidad política interna, necesitaban suscribir y cumplir ciertas reglas internacionalmente reconocidas”62

.

Ao se referir a relações externas entre as nações, Bello demonstra mais uma vez a preocupação com os novos Estados, agora no que diz respeito as suas independências. Escreve sobre o reconhecimento de uma nação por outra, em que momento esse reconhecimento pode ocorrer e a sua validade.

Si se presenta pues un Estado nuevo [...] por la desmembración de un Estado antiguo, a los demás Estados sólo toca averiguar si la nueva asociación es independiente de hecho, y ha establecido una autoridad que dirija a sus miembros, los represente, y se haga en cierto modo responsable de su conducta al universo. Y si es así, no pueden justamente dejar de reconocerla, como un miembro de la sociedad de las naciones63.

Nitidamente, Bello se remete as guerras de independência, buscando legitimá- las, e novamente essa legitimação se dá em duas frentes, como comentado anteriormente, interna e externamente. Quando um país surge, desmembrando-se de outro Estado, para ser aceito pelos outros, necessita de uma autoridade, e caso isso ocorra nada impede que seja reconhecido.

61 Ibid. p .143

62 JAKSIC, Iván. La República Del Orden: Simón Bolívar, Andrés Bello y Las Transformaciones del

Pensamiento Político de la Independencia. op.cit. p. 212

Além disso continua Bello:

En el caso de separarse violentamente de una antigua nación y constituirse en Estados independientes una o más de las provincias de que estaba aquélla compuesta, se ha pretendido que las otras naciones estaban obligadas a respetar los derechos de la primera, mirando a las provincias separadas como rebeldes y negándose a tratar con ellas. Mientras dura la contienda entre los dos partidos, no hay duda que una nación extraña puede abrazar la causa de la metrópoli contra las provincias, si lo cree justo y conveniente, así como la de las provincias contra la metrópoli en el caso contrario. Pero una vez que el nuevo Estado o Estados se hallan en posesión del poder, no hay ningún principio que prohíba a los otros reconocerlos por tales, porque en esto no hacen más que reconocer un hecho y mantenerse neutrales en una controversia ajena64.

Esse trecho deixa claro a situação colocada acima, ficando evidente sua posição perante as nações da América, utilizando o termo “separações violentas”, e reitera, a necessidade de a nova nação ou Estado deter o poder, ou ter uma autoridade para ser reconhecida.

Para dar mais ênfase a liberdade conquistada pelos países da América em relação à Espanha, e legitimidade a estes países, apontando que já tem uma autoridade e um poder próprio, Bello utiliza como exemplo uma nota do governo inglês ao representante da Espanha na Inglaterra, com os motivos que levaram este países a reconhecer as novas nações.

Ao pensar de que forma surgem as Nações, ou Estados, fica explicito a intenção de Bello. Intenção que devemos entender como necessidade de um contexto que, como colocado por José Carlos Chiaramonte, é o da construção das nações na América, e Bello, como já foi colocado, faz parte dessa conjuntura, além de participar ativamente dela.

Para além de como se formam as nações, o que são, a primeira parte ainda tem uma infinidade de temas que poderiam ser explorados, contudo vamos nos ater as conseqüências imediatas das independências e da soberania das nações.

Segundo Bello,

De la independencia y soberanía de las naciones se sigue que a ninguna de ellas es permitido dictar a otra la forma de gobierno, la religión, o la administración que ésta deba adoptar; ni

llamarla a cuenta por lo que pasa entre los ciudadanos de ésta, o entre el gobierno y los súbditos65.

Desta forma, cada nação tem o direito de escolher sua forma de governo, suas leis, e tem a possibilidade de resolver seus problemas internos sem a interferência de outra nação. Nenhum Estado tem o direito de interferir nos assuntos internos de outro. Os atos internos que são permitidos à nação, que é independente e soberana, podem ser diversos, contudo não podem extrapolar os direitos de outras nações.

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