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3. A Guerra e o Conservadorismo

3.4 Conservadorismo

A historiografia a respeito da América Latina sempre afirmou que no período posterior as guerras de independência, durante a construção dos estados, houve uma disputa entre os liberais e os conservadores. Como já colocado no primeiro capitulo, Safford afirma que podemos dividir o período pós-independência, primeiramente como domínio dos liberais, depois, reação conservadora e o governo destes, e em seguida a volta dos liberais.

Nessa visão hegemônica a respeito das sucessões políticas, os conservadores conquistaram o poder e conseguiram através de um governo autoritário, de uma mistura com o passado colonial, construir um Estado, como podemos ver no caso do Chile. Entretanto, essa historiografia não se atenta a discutir sobre esses conservadores.

Para a historiografia eles são autoritários, centralizadores, retomam o passado colonial, contudo não a historiografia não vai além disso. Existe uma predominância de se estudar os liberais e as idéias iluministas na América. Todavia, é evidente que os conservadores também tinham suas teorias, também eram leitores. Suas propostas e

idéias eram baseadas em pensadores. Estudando a obra de Bello constatamos que uma das influências era o direito de gentes.

Pensando a formação das nações na América Latina, através da ótica de José Carlo Chiaramonte, e analisando a obra de Bello e o seu contexto, fica evidente que este intelectual participa do campo conservador. Mas não apenas por fazer parte de um governo conservador, e sim por apresentar idéias que se contrapõem nitidamente a idéia de Estado de Hobbes, nesse caso através da guerra.

Desta forma, ao pensarmos a contraposição de Bello perante as idéias de Thomas Hobbes, percebemos que o Latino Americano tem outra preocupação em relação ao Estado, que era divergente do autor de Leviatã. Os Estados, ou nações, no ponto de vista de Bello, estavam se formando no início do século XIX, e o intelectual, como já apontamos nesse trabalho, estava preocupado com esse fato, a análise presente no segundo capítulo demonstra isso, para tanto, este não recorre às idéias hegemônicas da Europa.

Isso caracteriza que o pensamento de Bello faz parte do pensamento conservador. O conservadorismo, na análise de Karl Mannheim, é tido como um pensamento que surgiu para contrapor o pensamento ilustrado, um movimento contra- revolucionário, que se propunha a combater as idéias da Revolução Francesa97. “Os

conservadores atacaram o conteúdo do pensamento do direito-natural questionando a idéia de “estado de natureza”, a idéia do contrato social, o principio de soberania popular e os Diretos do Homem”98.

Em síntese, o pensamento conservador se caracteriza por,

sua natureza qualitativa, sua ênfase no concreto em contraposição ao abstrato; sua aceitação da realidade presente duradoura comparada com o desejo progressista da mudança; a simultaneidade ilusória que ele atribui aos acontecimentos históricos comparada com a concepção linear liberal do desenvolvimento histórico; sua tentativa de substituir o indivíduo pela propriedade territorial como base da história; sua maior preferência pelas unidades sociais orgânicas do que pelas unidades aglomeradas, tais como as classes99.

97 MANNHEIM, Karl. O pensamento conservador. In: MARTINS, José de Souza. (org.). Introdução a

crítica á sociologia rural. São Paulo, Hucitec. 1980. p. 87

98 Ibid. p. 129 99 Ibid. p. 125

Mannheim afirma que essas características são apenas alguns exemplos que “prenunciam uma intenção básica, o impulso fundamental que existe na raiz desse pensamento”100. Contudo esses exemplos já demonstram alguns aspectos

interessantes que podemos claramente encontrar em Bello.

Desta forma, a característica do pensamento conservador que podemos encontrar explicitamente na obra Principios de Derecho Internacional, principalmente na parte referente a guerra, é o seu apego ao imediato, ao real, ao concreto, sua percepção da realidade, contrapondo-se a abstração.

Isso como já apontado é visível na concepção de guerra de Bello, o qual enxerga esta como algo normal, existente e que não se pode negar, desta forma, deve-se olhar para ela de forma racionalizada, pensando a melhor maneira de ela ocorrer. Aliás, essa é a grande intenção do tratado de Bello.

Neste sentido, além do que já foi citado da obra de Bello, podemos perceber essas características em diversos trechos da obra

Si un acto, pues, considerado en su generosidad, es necesario para vencer la resistencia del enemigo y alcanzar el objeto de una guerra legítima, deberá tenerse por lícito según el Derecho de gentes, sin embargo de que empleado sin necesidad, y cuando medios más suaves hubieran sido suficientes, sea criminal ante Dios y en la conciencia101

Aqui nesse extrato fica evidente a condição de normalidade da guerra, no sentido que para alcançar o objetivo pode-se fazer o necessário, sendo uma guerra legitima. Contudo a guerra não é algo irracional, pois existe um limite, e caso esse não seja respeitado o soberano que comanda a guerra será julgado perante Deus.

Fica explicito que a guerra no momento em que Bello escreve é algo do cotidiano, da sua realidade. “Según el Derecho de la guerra, reconocido por las naciones antiguas, y aun en gran parte por los pueblos modernos”102. A guerra é algo que faz parte dos acontecimentos. O que demonstra a carcateristica conservadora de aceitação da realidade presente, como afirma Mannheim.

100 Ibid. p. 126

101 BELLO, op. cit. p. 262 102 Ibid. p. 254

Além disso, outra característica conservadora apontada por Mannheim aparece na obra de Bello. Mannheim afirma que os conservadores são contrários a idéia ilustrada de “validade universal para todos os indivíduos”103. Neste sentindo Bello afirma

em relação a guerra: “No solamentees privativo del soberano determinar y declarar la guerra, sino dirigir las operaciones de ella”104. Como também

El soberano que emprende una guerra injusta comete el más grave, el más atroz de los crímenes, y se hace responsable de todos los males y horrores consiguientes: la sangre derramada, la desolación de las familias, las rapiñas, violencias, devastaciones, incendios, son obra suya105

Assim, nesse segundo trecho fica mais evidente a idéia contraria a validade para todos os indivíduos. Mesmo que sejam diversos homens que lutem na guerra e que causem os problemas é apenas o soberano que deve pagar pelos estragos.

A partir disso, podemos entender melhor a contraposição de Bello à Hobbes. Contudo, a partir de Mannheim fica clara a resistência dos conservadores aos ilustrados. Entretanto, nessa obra Bello não fala a respeito deles, não concorda nem discorda desses pensadores.

Porém, devemos entender que o governo o qual Bello participa renega as idéias dos iluministas lutando contra os liberais da América Hispânica, os quais, como já demonstrado, são defensores das idéias provenientes da Revolução Francesa.

Desta forma pode-se entender que Bello, como participante, e por que não, como um dos idealizadores do estado conservador chileno, o qual é denominado de

portaliano devido a seu surgimento durante o governo de Portales, também recusa as

idéias ilustradas provenientes da revolução francesa.

103 MANNHEIM. op.cit. p. 129 104 BELLO. op.cit. p. 261 105 Ibid. p. 248

CONCLUSÃO

Neste breve trabalho monográfico podemos responder algumas questões que haviam no início de seu desenvolvimento, além de outras que apareceram durante seu desenvolvimento, contudo surgiram questões no decorrer desse trabalho que geraram mais questionamentos do que respostas.

Podemos compreender que a vida de Andrés Bello e o contexto no qual este intelectual estava inserido representaram muito na formulação de sua obra, como já havia afirmado seu biografo Jaksic, é presente a preocupação de Bello com os acontecimentos que ocorriam no inicio do século XIX, como a constituição dos novos Estados que estavam surgindo.

Observando o seu tratado de direito, tanto na primeira parte, a qual tem como objetivo relatar os direitos e deveres das nação em tempo de paz, e na qual é mais evidente a sua preocupação com a América, como também na segunda parte, onde escreve sobre a guerra.

A interpretação de Bello sobre os conceitos de nação, estado, independência, soberania, nos mostram claramente sua inserção no meio em que vive, assim como sua preocupação com este meio.

Seus dois biógrafos utilizados nessa monografia aludem para o fato de existir essa preocupação de Bello, contudo essa seria derivada de um sentimento do intelectual pela América. Obviamente percebemos que seu interesse pelo conhecimento faz parte realmente de sua pessoa.

Contudo, temos que considerar que este intelectual, principalmente no Chile, onde escreveu a maioria de suas obras, estava a serviço de um governo. Mais do que isso participava ativamente do governo chileno.

Aliando isso ao contexto percebemos que sua preocupação com as novas nações, não se da apenas por um prazer próprio, mas sim por uma necessidade existente nos novos países que estavam surgindo no início do século.

Essa necessidade ocorreu pelo fato de as guerras de independência não terem provocado os objetivos que eram esperados pelos seus líderes. Assim, o contexto posterior era de instabilidade política e desordem.

Entretanto, houve diversas tentativas de legitimar as novas nações, entre elas se buscou implantar repúblicas liberais ao molde francês e estadunidense. Porém como foi demonstrado isso não funcionou. Só fez surgir maior rivalidade entre os liberais e os conservadores.

Nesse sentido, para entendermos essa construção das nações ou estados, recorrermos ao brilhante trabalho de José Carlos Chiaramonte, onde este aponta alguns indícios interessantes sobre a formação dos estados.

Entre eles, o fato de os estados serem legitimados não pelas idéias hegemônicas que estavam em voga na Europa naquele período. Ou seja, existia uma recusa aos ilustrados. Para tanto, essa legitimação ocorreu a partir do direito de gentes.

Isso nos remete a Andrés Bello, pois seu tratado é exatamente isso, um tratado de direito internacional, ou como ele afirma, direito de gentes. Isso é um conjunto de regras as quais os Estados devem seguir para poderem se estabelecer.

Na segunda parte do tratado, fica mais evidente os apontamentos colocados por Chiaramonte. Se Bello não demonstra nitidamente uma recusa aos ilustrados, evidencia-se um recusa em relação a Thomas Hobbes. Seu entendimento a respeito da guerra é claramente oposto ao de Hobbes.

A partir desse simples fator, surgiram diversos questionamentos. Pensando em um conjuntura de formação dos Estados, se Bello se diferenciava de Hobbes quanto a guerra, ele também se distingue quanto ao construção do Estado?. Possivelmente sim.

Se isso ocorreu, que tipo de estado Bello estava imaginando?. Podemos entender que devido ao fato dele fazer parte de um governo conservador, o Estado também não deveria ser construído aos moldes dos ilustrados.

Todos esses questionamentos nos levaram ao outra pergunta. O que seria esse governo conservador?. Toda a historiografia sobre a América, desse período, enfatiza as idéias liberais, contudo, ao mesmo tempo, afirma que os conservadores conseguiram constituir os Estados sendo contrários a essas idéias.

Se os conservadores contribuíram para a consolidação dos novos Estados, como fica evidente no Chile, isso se deu a partir do que?. Assim como os liberais americanos se inspiravam nos ilustrados, em que os conservadores se baseavam? Essas respostas

não são contempladas pela historiográfica, que parece renegar o estudo sobre os conservadores.

Assim, para termos algumas respostas a esses questionamentos, recorremos a Karl Mannheim e seu estudo sobre o pensamento conservador. Entretanto ainda ficamos carentes de respostas.

Se durante o século XIX as idéias liberais dos ilustrados dominavam a Europa, Mannheim aponta que havia exceções, que surgiram justamente para contrapor aos franceses. Ele aponta para a Alemanha como a grande resistência. Contudo, devemos olhar para outro país, o qual tem uma forte ligação com a América, a Espanha.

Neste país, a resistência aos ilustrados durante o século XIX foi evidente106. Isso nos permite questionar se essas idéias chegaram a América, ou mesmo, se influenciaram os governos conservadores hispano-americanos. Pois além da ligação histórica entre os americanos e os espanhóis, existe a questão das universidades, as quais foram criadas pelos europeus, e foram importante na formação dos intelectuais que, como Bello, se preocupavam com a constituição dos novos estados.

Desta forma, podemos concluir que é necessário mais estudo sobre as idéias que estavam presentes na América no início do século XIX, assim como, uma maior investigação sobre os conservadores hispano-americanos e a base de seu pensamento.

106 Ver. ALONSO, Carmem L. El pensamiento conservador espanõl em El siglo XIX: de Cádiz a la

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