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A harmonização fiscal na União Europeia e a CCCTB

2. Revisão de Literatura

2.6 A tributação sobre o rendimento das empresas num panorama internacional

2.6.2 A harmonização fiscal na União Europeia e a CCCTB

A par dos EUA, a União Europeia, como um todo, também representa uma das maiores potências a nível mundial.

Contudo, segundo a opinião de Bettendorf et al. (2009), tal como nos EUA, a Comissão Europeia assume que os sistemas de impostos vigentes na União Europeia eram altamente ineficazes. O autor advoga que esta realidade tem sido motivada pelo facto de o princípio da contabilidade separada impor que as empresas multinacionais apresentem contas separadas em cada país onde atuam.

Por vezes, para o autor, determinar com exatidão qual a proveniência dos lucros é difícil e arbitrário, o que faz com que as multinacionais tenham a possibilidade de deslocar os lucros para países onde a taxa de imposto é mais baixa. Na perspetiva de Andrade (2016), este tipo de jurisdições, principalmente quando não colaboram na permuta de informações fiscais, fazem com que alguns sujeitos passivos camuflem o seu património e rendimentos e, por isso, não cumpram com os seus deveres fiscais.

De facto, de forma a caminharmos para uma União Europeia cada vez mais unificada, é necessário que as políticas monetárias e fiscais dos diversos Estados-membros progridam num único sentido e, por isso, estas devem ser coordenadas centralmente, no intuito de eliminar as distorções anteriormente expostas.

33 Nesse sentido, na opinião de Ralha (2014), a harmonização fiscal permite a supressão das barreiras fiscais associadas a atividades económicas transfronteiriças, lutando contra a concorrência fiscal excessiva e, visivelmente prejudicial, no sentido de “promover uma

maior cooperação entre as administrações fiscais, com o propósito de combater a fraude fiscal”.

De que forma poderão os países da UE uniformizar as suas políticas fiscais?

Recentemente, a União Europeia tem procurado a resposta para esta questão através de uma proposta de diretiva sobre a matéria coletável consolidada comum em sede de imposto sobre o rendimento das sociedades (CCCTB), tendo sido apresentada em 2011 e relançada em 2015. Iremos analisar cada proposta, expondo a opinião de diversos autores, não só nacionais, como internacionais, em relação às mesmas.

Em 16 de Março de 2011, a proposta apresentada enunciava um conjunto de regras para o cálculo dos resultados fiscais a título individual, a respetiva consolidação desses resultados e, ainda, a repartição da matéria coletável consolidada por cada Estado- membro envolvido (Santos, 2016). Pretende-se, então, eliminar fenómenos de sobretributação e dupla tributação, tal como se verifica no princípio da neutralidade, onde se pretende diminuir os encargos administrativos e os custos de conformidade. Note-se que esta realidade vai de encontro com o que se verificou nos EUA.

A matéria coletável foi, então, calculada com base nos réditos líquidos provenientes de vendas e transações, aos quais se subtraem os réditos isentos, os encargos dedutíveis – todos os gastos associados a vendas e despesas líquidos do valor do IVA, no sentido de obter rendimentos – e outros elementos igualmente dedutíveis. A consolidação revela-se o fator chave da proposta, na medida em que permite eliminar os protocolos associados aos preços de transferência e, ainda, a dupla tributação intragrupo (Santos, 2016). Deste modo, as perdas incorridas por determinado contribuinte são automaticamente equilibradas pelos lucros originados por outros membros do mesmo grupo.

Posto isto, importa ressalvar que a CCCTB possui um caráter opcional para as empresas. Tal significa que esta proposta não será imposta a empresas que não pretendam extravasar o seu negócio para além das suas fronteiras territoriais. Por esta mesma razão, cada EM pode ter de aplicar dois regimes distintos.

Na literatura nacional, Ralha (2016) advoga que com a introdução da CCCTB propunha-se introduzir justiça e eficiência na tributação do rendimento das sociedades,

34 potenciando o crescimento das receitas fiscais para os EM. Paralelamente, Martins (2014) assume que a referida proposta possibilitaria garantir a consistência do cálculo do lucro tributável nas diversas jurisdições, contudo, não conseguiria harmonizar as taxas de imposto, uma vez que se trata de uma harmonização parcial.

No âmbito internacional, Devereux e Loretz (2008), Gnaedinger (2008) e Perna e Cerioni (2012) discutiram o papel da proposta de diretiva sobre a CCCTB na necessidade de harmonização fiscal da União Europeia.

Devereux e Loretz (2008) investigaram o possível impacto que seria causado nas receitas fiscais da União Europeia, provenientes do imposto sobre o rendimento das empresas, através da implementação da CCCTB. Nesse sentido, avaliaram especificamente o impacto de duas componentes da proposta, sendo elas a consolidação dos rendimentos tributáveis na UE e, ainda a repartição desses rendimentos. Esta análise teve por base estimativas do lucro tributável, no período de 2000 a 2004, de empresas individuais em toda a UE, abarcando igualmente empresas que são membros de grupos multinacionais.

Nas suas conclusões, os autores formulam duas situações, a primeira, na qual a CCCTB é opcional para as empresas e a segunda onde a mesma possui um caráter obrigatório. Deste modo, perceberam que na primeira situação, as empresas apenas adotarão a proposta se conseguirem prever que irão beneficiar de impostos conjuntos mais baixos. Como consequência, caso as previsões por parte das empresas se encontrem corretas, as receitais fiscais globais da UE irão diminuir cerca de 2,5%. Convém destacar o facto de, na opinião dos autores, nesta situação as receitas fiscais de países como a Hungria, Eslováquia e República Checa irão provavelmente aumentar em 50% como consequência de uma redução significativa nas receitas fiscais de países como a Dinamarca, Itália, Finlândia, Alemanha e Luxemburgo. Por outro lado, caso as empresas não tivessem a possibilidade de optar ou não pelo vigente na proposta, verificar-se-ia um aumento nas receitas fiscais globais de cerca de 2%, onde a Espanha ganharia receitas significativas e a Finlândia estaria na situação inversa. Perante este panorama, os autores revelaram-se reticentes quanto à adoção da CCCTB.

Aproveitando a conclusão final encontrada pelos últimos autores, Gnaedinger (2008) estudou as razões apontadas pelos governos dos diversos EM que se revelaram rígidos quanto à implementação da CCCTB. Verificaram que a Irlanda receava uma excessiva

35 perda de autonomia para decidir quanto à base de imposto a adotar, receando que o país se torne num destino menos aliciante sob o ponto de vista fiscal; a Polónia revelava-se descrente na proposta, uma vez que todas as suas previsões evidenciavam uma perda de receitas fiscais para o país; a Letónia e a República Checa temiam uma redução da base tributária que, por sua vez, causaria uma redução das receitas fiscais, pressionando as finanças públicas. Posto isto, numa perspetiva geral, todos os países em estudo temiam a CCCTB por motivos semelhantes, perda de receita fiscal para o país.

Perna e Cerioni (2012) realizaram uma abordagem diferente, na medida em que analisaram o impacto da introdução da CCCTB na formulação das opiniões emitidas pelos tribunais nacionais. Nesse sentido, os juízes teriam de se confrontar com um novo conjunto de regras comuns no sentido de resolver os litígios entre diferentes administrações tributárias e entre AT e contribuintes. Estes concluíram que se a CCCTB fosse introduzida e não se efetuasse alteração das disposições legais que causam as questões interpretativas, este desafio tornar-se-ia estimulante para os juízes nacionais.

Em 2015, tendo em conta o ambiente de crise que se vivia na União Europeia verificou-se o relançamento da CCCTB, com o principal intuito de tornar a tributação do rendimento das empresas na UE “mais justa, mais competitiva e mais favorável ao

crescimento”35.

A Comissão Europeia36, após um período de quatro anos em que foram analisadas todas as questões técnicas associadas à primeira proposta da CCCTB, percebeu que a mesma era demasiado ambiciosa para ser aplicada de uma só vez. Consequentemente, foram efetuadas alterações na proposta original, nomeadamente a mudança do carácter facultativo para obrigatório da CCCTB pelo menos para as empresas multinacionais, onde o rendimento consolidado do grupo seja de mais de 750.000.000 euros (Nikolay e Spengel, 2017).

Paralelamente, uma vez que a principal dificuldade da proposta original foi a aplicabilidade numa única fase, optou-se por uma abordagem step-by-step. Nesse sentido, a proposta foi repartida por várias fases, no intuito de facilitar a aplicação e concordância por parte dos EM. Na primeira fase, a consolidação, momento em que se elimina o incentivo à transferência dos lucros intracomunitários, passará para segundo plano, uma

35 https://ec.europa.eu/taxation_customs/business/company-tax/common-consolidated-corporate-tax-base-

ccctb_en

36 vez que foi o elemento mais difícil nas negociações da proposta original. Este facto fará com que os EM prosperem mais rapidamente noutros parâmetros da CCCTB, nomeadamente a base comum e os fatores internacionais associados ao controlo da erosão da base e da transferência de lucros. Após garantir que a base comum se encontra devidamente aplicada, a consolidação será introduzida numa segunda fase.

Na opinião de Santos (2016: 13), “embora se mostre uma proposta cuja aprovação

será desejável (embora com ajustamentos vários) o seu futuro é incerto, havendo problemas técnicos e sobretudo políticos a resolver”.