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2. Revisão de Literatura

2.4 Breve análise jurisprudencial

Relativamente a esta questão, Lagoa (2015) advoga que a jurisprudência, ainda que num momento inicial da análise, não tem perfilhado a posição ampla sustentada pela doutrina. A seu ver, os tribunais não canalizaram a sua atenção para a construção de um conceito de gastos fiscal, fazendo apenas a apreciação de determinado gasto como sendo dedutível ou não dedutível.

Para completar este ponto de vista, será utilizada a exaustiva monografia jurisprudencial concebida por António Moura Portugal que, através da análise de vários acórdãos emitidos pelo STA e TCA até à data da sua obra, revelou a posição dos tribunais portugueses perante os requisitos fundamentais no que diz respeito à dedutibilidade dos gastos fiscais. Nesse sentido, tal como na análise respeitante à doutrina, serão abordados, ainda que de forma sucinta, os requisitos da comprovação, da indispensabilidade e da ligação aos rendimentos sujeitos a imposto e à manutenção da fonte produtora.

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2.4.1 A necessidade de comprovação dos gastos

Em primeiro lugar, perante aquela que é necessidade de comprovação, tem-se verificado “uma enorme evolução num curto espaço de tempo” (Lagoa, 2015: 16). Se por um lado, aquando da vigência do CCI não se deparava com qualquer necessidade de suporte documental, por outro, com a entrada em vigor do CIRC, o mesmo normativo, através do artigo 23.º existe uma clara referência à comprovação do gasto como requisito para a dedutibilidade do mesmo.

Na opinião defendida por Portugal (2004), a posição da jurisprudência, quanto ao que se entende por documento justificativo e à presença de fatura, pode ser agrupada em dois arestos. No primeiro assume-se que o cumprimento dos requisitos impostos pelo nº5 do artigo 36.º do CIVA pressupõe que se encontram confirmados os requisitos no âmbito do IRC. No segundo defende-se que a necessidade de documento justificativo não deve ser interpretada como a obrigatoriedade em apresentar uma fatura completa. Posto isto, a posição aqui defendida é semelhante à sustentada na doutrina, nomeadamente no que diz respeito à posição de Moura Portugal e Cantista Tavares.

Foram, ainda, discutidas situações em que os documentos justificativos não são emitidos na forma legal, ou seja, estes são representados por faturas emitidas por terceiros19. Verificou-se maior capacidade por parte dos tribunais inferiores20 em aceitar a dedutibilidade de gastos nestas condições. Com efeito, tanto o Tribunal de 1º Instância, como o TCA consideraram dedutíveis em sede de IRC, vários gastos comprovados através de faturas emitidas por terceiros. Estes alegaram que, tendo os gastos verdadeiramente ocorrido e encontrando-se as faturas preenchidas segundo os requisitos legais, exceto a parcela referente ao emitente, devem ser tidos em consideração todos os elementos em causa. Por outras palavras, estes elementos dizem respeito não só “a

motivação de combate à fuga e evasão fiscal”, mas também “o imperativo de tributar o rendimento real e a convicção que o contribuinte havia efetivamente suportado um encargo, naquele montante” (Portugal, 2004: 198). Assumindo uma posição contrária, o

STA advoga que, uma vez que o emitente não foi a entidade que prestou serviço, carece

19 Neste caso particular, entende-se como terceiros, entidades que emitiram faturas referentes a prestações

de serviços que não efetuaram.

20 Em termos hierárquicos, os Tribunais Administrativos e Fiscais organizam-se, por ordem crescente de

importância, da seguinte forma: Tribunais Administrativos de 1ª Instância, Tribunal Central Administrativo e Supremo Tribunal Administrativo.

22 de “valor probatório” e, por isso, a respetiva fatura não pode ser inserida na noção de documento justificativo (Portugal, 2004: 197).

Relativamente às posições adotadas, Portugal (2004) privilegia aquela que salvaguarda a realidade material, ou seja, a defendida pelo TCA, mencionando que a lei deve ser interpretada e aplicada tendo em consideração as conjunturas de cada caso. Contudo, salienta que não pode deixar de ser efetuada uma “visão sistémica e de conjunto

das exigências formais” (Portugal, 2004: 199).

Perante a possibilidade de serem admitidos outros meios de prova alternativos, o autor assegura que a maioria da jurisprudência possibilita a adoção de outros meios de prova para além do documental, nomeadamente a prova testemunhal, no sentido de garantir que determinado lançamento contabilístico respeita a um gasto.

2.4.2 O critério da indispensabilidade

Com recurso a um Acórdão21 emitido pelo STA, Portugal (2004: 235) começa a sua

análise jurisprudencial acerca do critério da indispensabilidade, afirmando que “a

indispensabilidade constitui um conceito indeterminado, necessitado de preenchimento”.

Para esmiuçar esta temática identifica dois grupos de arestos, um primeiro, mais extenso e variado, associado a uma noção restrita de indispensabilidade e, um segundo, mais circunscrito, mas composto por acórdãos mais recentes, concentrado numa perspetiva mais ampla.

O autor assume que nos acórdãos analisados não é percetível uma preocupação em conceber um conceito jurisprudencial de indispensabilidade. Por seu turno, estes preocupam-se em reconhecer o “conteúdo mínimo” e, ainda, as “definições pela

negativa” Portugal (2004: 237). Nesse sentido, salvaguardam que a indispensabilidade

“não é sinónimo de utilidade”22. Paralelamente, assumem que o conceito de

indispensabilidade pode ser substituído pela palavra “necessidade”, ou seja, um gasto que se assume como indispensável é aquele que é necessário para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto. Contudo, em todos os acórdãos onde esta relação é efetuada, os tribunais não materializam o que, de facto, se compreende por gasto necessário.

21Acórdão do STA de 23-09-1998, recurso nº 21 515, tendo como relator o Conselheiro Brandão Pinho.

23 Posto isto, no que diz respeito ao grupo de arestos que abarca a corrente restritiva, na perspetiva do autor, estes encontram-se subdivididos em três sentidos distintos do referido critério: indispensabilidade eficiente – o gasto só pode ser aceite fiscalmente se se identificar efetiva importância nos resultados do exercício em causa –, indispensabilidade

como consequência da obrigatoriedade – o gasto apenas será dedutível se for incorrido

no âmbito de alguma obrigação legal ou contratual –, e indispensabilidade ajuizada pelo

Fisco em função da normalidade do gastos – o gasto só é dedutível se o Fisco determinar

que o mesmo representa um gasto normal tendo em conta a atividade empresarial desenvolvida.

Por outro lado, quanto à aceção ampla, o critério da indispensabilidade é analisado de forma mais contígua àquela que é a realidade empresarial, ou seja, os gastos que forem realizados no sentido de produzir rendimentos são, em princípio, gastos que deverão ser atribuíveis a esse mesmo exercício. Com efeito, são dedutíveis para efeitos fiscais as despesas efetuadas no sentido de a empresa obter lucros. Na opinião de Portugal (2004), esta interpretação por parte da jurisprudência veio aproximar a posição dos tribunais ao conceito defendido pela doutrina. Contudo, os tribunais nunca definem de forma uniforme o conceito de indispensabilidade (Lagoa, 2015).

De notar que, perante estas duas posições da jurisprudência, o autor da especial importância àquela que segue uma interpretação ampla.

2.5 Os limites à dedutibilidade dos gastos: encargos dedutíveis e não