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Capítulo 2 OS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA

2.1. A adaptação das instituições americanas

2.1.1. A herança institucional: a terra como ativo econômico

No final do séc. XVIII e início do séc. XIX, a terra era considerada a base de riqueza e posição social na Inglaterra, visão que não encontrava amparo na ―América‖, em virtude de sua abundância e da ausência de um passado feudal. Tal circunstância acabou formando um pensamento distinto de direito de propriedade no novo continente:

As Lawrence Friedman has written, in England "land was the basis of wealth and social standing, and land law was the heart of the royal common law." Not so in America, where the very abundance of land and the absence of a feudal past combined to shape a distinct body of real property law. (HALL, 1987, p. ix).

Os pensamentos britânicos reinantes até o início do séc. XIX direcionaram o tratamento da terra em sentido contrário ao desenvolvimento, cujas evidências podem ser encontradas em registros históricos da herança inglesa a partir de frases ―faça o que bem entenda com a sua propriedade desde que não prejudique o vizinho‖ e ―o dono do solo é dono do céu‖. Tais concepções sobre a terra mostravam-se anacrônicas em uma época em que se buscava o desenvolvimento:

Americans also evolved new attitudes toward the use of land. Blackstone had summarized the essence of the English common law in two phrases: "Use your own property in such a manner as not to injure that of another"; and "the owner of the soil owns to the sky.‖ These were, of course, contradictory notions; an absolute right to use land could not be asserted if it harmed a neighbor's property. The contradictions were more apparent than real as long as the level of economic development remained at a low level. In a developing economy, however, such notions were clearly anachronistic. Typical of the antidevelopmental cast of much real property law, in both England and colonial America, was the doctrine of ancient lights. It precluded neighbors from impeding the flow of sunlight by erecting new buildings. Structures that created such an obstruction could be torn down as a nuisance. (HALL, 1987, p. ix-x).

Nesse período, o monopólio da terra era concedido pelo Estado ao proprietário como uma garantia de que não haveria competições, em virtude do risco assumido no uso da

propriedade: ―[d]uring the late eighteenth and the early nineteenth centuries, for example, they endorsed economic risk-taking by granting a monopoly over the use of property for a specific activity, like a ferry or a mill dam. The person taking the risk was guaranteed that he would have no competitors‖ (HALL, 1987, p. x).

Em razão do descompasso das tradições britânicas com os anseios dos americanos em relação à propriedade da terra para promoção do desenvolvimento no novo continente, ainda na primeira metade do séc. XIX, a terra passa a ser considerada um ativo econômico ou bem de produção e, consequentemente, começa a ser entendida mais como um bem de produção, que de acumulação (HALL, 1987, p. x)61.

Essa visão econômica sobre a terra pode ser evidenciada nas palavras dos Federalistas62, elites políticas, no sentido de que uma nação precisa da renda advinda da terra para se desenvolver63:

Uma nação não pode existir longo tempo sem rendas. Sem esse apoio essencial, não é possível sustentar a sua independência ou passar da condição subalterna de província particular. Seja, portanto, qualquer que for o Estado das coisas, é preciso que haja rendas; mas no nosso país, se a maior parte do peso dos tributos não recair sobre o comércio, não resta outro recurso senão as terras. (HAMILTON; JAY; MADISON, 2003, p. 79).

A doutrina estadunidense de proteção ao direito de propriedade até então vigente foi atacada, pois ela prejudicava novas e modernas tecnologias, além de barrar a

61 Nas palavras do autor: ―By the beginning of the nineteenth century, American property law moved toward a new

doctrinal foundation. Land was viewed as an economic asset that was important for what it could produce, rather than for the status that accroed as a result of owning it. Judges and legislators gradually evolved new roles during the first half of the nineteenth century that stressed the productive capacity of real property‖ (HALL, 1987, p. x,

grifei).

62 Hamilton, Jay e Madison, na obra ―O Federalista‖ (2003), lançam as bases do federalismo estadunidense, com o

registro da preocupação com a necessidade de um governo central, e do respeito à autonomia da esfera estadual. Nas palavras de Bernardes (2008, p. 163), a tensão que acompanhou a criação do federalismo nos EUA envolveu ―a preservação das identidades dos Estados-membros de um lado e consolidação e fortalecimento de uma união, de outro‖.

63 Nas palavras de Hamilton, em Federalist nº 12: ―A nation cannot long exist without revenues. Destitute of this

essential support, it must resign its independence, and sink into the degraded condition of a province. This is an extremity to which no government will of choice accede. Revenue, therefore, must be had at all events. In this country, if the principal part be not drawn from commerce, it must fall with oppressive weight upon land

competição, sendo, dessa forma, nociva à economia do país. Novos conceitos em relação ao direito de propriedade começaram a corroer a noção tradicional britânica sobre a terra e, consequentemente, juízes e legisladores tiveram que balancear os direitos frente à tensão criada entre o direito individual e o bem-estar coletivo que poderia ser favorecido pelo desenvolvimento:

By the end of the first quarter of the nineteenth century this doctrine was under attack because it precluded the introduction of new and more efficient technology and dampened competition. The reasonable use and public purpose doctrines emerged to replace it. These new concepts eroded the traditional notion of vested property rights and created a tension in which judges and legislators had to balance the rights of the individual to property against the good that would accrue to the community through increased development [...]. (HALL, 1987, p. x).

Destaca-se que foram utilizados profissionais habilitados, juízes e legisladores, para manejar recursos de poder, no caso, as normas referentes ao direito de propriedade, com vistas a alcançar os objetivos desejados pelas elites políticas que estavam configurando as novas bases da sociedade americana.

A partir do início do séc. XIX, a terra passa a ser vista sob a perspectiva de uso razoável para o fomento da concorrência e, consequentemente, o desenvolvimento da economia64. A mudança de pensamento baseou-se no fato de que o monopólio do direito de propriedade não possibilitava a competição de mercado e, nesse sentido, inviabilizava o progresso.

A doutrina inglesa de ―acúmulo de riqueza‖ por meio do ―acúmulo de terra‖ fazia pouco sentido diante da vastidão do novo continente no período de colonização dos EUA e do desejo de desenvolvimento econômico, o que gerou adaptação das instituições às novas circunstâncias.

64 O caso julgado pela Suprema Corte Americana Tyler v. Wilkinson destaca a razoabilidade no uso da terra pelo

proprietário, ou seja, um ―reasonable use‖ [24 F. Cas. 472 (D.R.I. 1827)]. Disponível em: http://citation.allacademic.com/meta/p_mla_apa_research_citation/3/1/6/8/1/pages316810/p316810-10.php. Acesso: 19/12/2014.