• Nenhum resultado encontrado

Capítulo 2 OS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA

2.2. Uma questão de segurança nacional: a onda de interesse estrangeiro

Diferentemente das ameaças advindas das circunstâncias de ruptura com a Coroa britânica e das consequências da ausência de um poder central para conduzir assuntos comuns aos estados independentes, o início dos anos 70 é caracterizado como um período de configuração das instituições americanas em relação ao controle da aquisição de terras por estrangeiros.

O pânico americano sobre a possível perda do domínio de seu território começou muito antes da década de 70. Foi o receio dos países exportadores de petróleo dominarem a propriedade da terra, juntamente com a constatação da falta de dados dentro da máquina burocrática sobre o nível de estrangeirização do território, que levaram políticos e burocratas a considerar o assunto como um tipo de ameaça à segurança nacional. Esse mau funcionamento burocrático mostrava-se prejudicial ao próprio Estado.

Entre 1945 e 1973, os EUA estavam no auge do poder econômico, político, militar e moral. A Segunda Guerra Mundial, que durou de 1939 a 1945, evidenciou a liderança dos EUA, considerados superpotências, juntamente com a União Soviética, passando a ser rivais no campo militar, tecnológico, político, econômico e social81.

Terminada a Segunda Guerra, iniciou-se o período conhecido como Guerra Fria (1945-1991), onde a maior arma das duas superpotências estava na estratégia de influência

81 ―[...] o período de 1945 a 1967-1973 foi o momento alto da hegemonia americana no sistema-mundo capitalista,

no qual ocorreu a maior expansão de toda a história desse sistema, tanto de valor como de produção real, criando enorme riqueza e, ao mesmo tempo, grande tensão social (WALLERSTEIN, 2003 apud PEREIRA, 2011, p. 245).

na arena internacional e não no confronto armamentista diante do receio da bomba nuclear e a considerável distância entre os dois países. O grande resultado dessa guerra de estratégias foi a desconfiguração paulatina da União Soviética e a ascensão dos EUA como líder mundial.

A década de 70 pode ser considerada como o princípio da queda do poder hegemônico dos EUA82. A crise mundial do petróleo instaurada em 1973, que ocasionou o aumento dos preços dos barris e o fortalecimento econômico dos países produtores, teria dado início à relação comercial ―petrodólar‖83: ―[a]s a result of such developments, oil exporting

nations, the majority of which were Third World countries, anticipated substantial increases in their oil reserves‖ (OWEISS, 1974, p. 1).

A preocupação com o investimento estrangeiro nos EUA estava tanto relacionada com o receio do aumento surpreendente do preço do petróleo cobrado pelos membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP84) e a dependência em relação aos países produtores, assim como o efeito do excedente do ―petrodólar‖ em território americano (MAYBURY-LEWIS, 2014).

Somado a esse receio de perda do domínio do território para países do Oriente Médio, havia preocupação nos EUA com a atuação agressiva de investimento estrangeiro, em especial o japonês no setor imobiliário do estado de Hawaii:

82 Para fins deste trabalho entende-se que hegemonia ―[...] seria ‗a capacidade de ditar ou pelo menos dominar as

regras e acertos pelos quais se conduzem as relações internacionais‘. Em uma acepção mais simples, hegemonia seria a situação na qual um país tem significativamente mais recursos de poder e capacidade do que os outros‖ (PEREIRA, 2011, p. 249).

83 O termo ―petrodollars‖ foi criado pelo Professor Dr. Ibrahim M.Oweiss, do Departamento de Economia da

Universidade de Georgetown, onde lecionava desde 1967. A crise mundial do petróleo fez emergir a preocupação com o poder econômico dos países do Oriente Médio provocando uma alteração no relacionamento entre países: ―In

1973 world attention was once again directed toward the subject of oil, not only in terms economic factors but also in terms of political, historical, social, strategic, engineering and other technical dimensions. It was evident that the main focus was on the Middle East as the geographic area with the largest known reserves in the world‖ (OWEISS,

1974, p. 1).

During 1972 the largest foreign direct investors in this country were the Japanese, who, with an investment of $105 million, increased their annual rate of investment fivefold over that of 1971. Japanese holdings of real estate, predominately resort properties in Hawaii, have reportedly surpassed $350 million in value. It is believed, however, that a catalyst for the sudden concern over F.D.I. in the United States was the recent fourfold increase in the price of oil charged by members of the Organization of Petroleum Exporting Countries (OPEC). (WEBER, 1976, p. 493-494).

O aumento extraordinário no preço do petróleo geraria excesso de reserva monetária para investimento dos países do Oriente Médio nos EUA, principalmente considerando o cenário favorável da economia, os baixos preços de terra e a vantagem fiscal no país85:

With Arab oil producing nations' foreign currency reserves predicted to reach $400 billion by 1980, it is apparent that these funds must be invested. The investment of this surplus capital in American real estate ranks high on the "economic agenda" of the Arab countries. Several reasons exist for this high priority: (1) the political and economic stability of the United States; (2) the low price of United States real estate compared with the price of realty in other parts of the world; and (3) the considerable tax advantage allowed foreign investment in United States realty.Thus, the Mideast OPEC members have excess reserves they need to invest, and they appear to have a direct investment preference for United States real estate. (WEBER, 1976, p. 494).

Entretanto, não somente nacionalidades japonesas e árabes convergiram na década de 70 ao investimento direto em propriedade nos EUA. Europeus também evidenciaram interesse em propriedade da terra ao adquirirem imóvel, tanto na costa leste (Palm Coast), quanto em área rica em fosfato na Flórida. Neste último caso, por meio de investimento de empresa controladora de nacionalidade francesa:

Japan and the countries of the Mideast are not the only actual or potential foreign direct investors in United States property. In Florida, for instance, the I.T.T. Community Development Corporation is spearheading a drive to sell part of its 92,000 acre Palm Coast development to European investors. Of particular interest is the recent purchase of $11 million worth of property in the central Florida area by a French controlled chemical company for phosphate mining; phosphate is an essential ingredient in chemical fertilizers and, according to the Florida Phosphate Council, "Florida provides 75% of America's urgent need for phosphate".(WEBER, 1976, p. 494).

A reação imediata ao investimento direto estrangeiro (foreing direct investment – FDI) nos EUA ocorreu inicialmente em nível local, por meio de fazendeiros e seus

85 ―Esse excedente era preocupante também devido aos depósitos de petrodólar nos bancos americanos que por sua

representantes políticos, considerando o impacto direto do capital estrangeiro86. Entretanto, a mesma velocidade de reação não foi verificada na esfera federal, onde o Congresso optou pelo estudo da dimensão do investimento estrangeiro no país na propriedade da terra para tomada de decisão:

Thus far, American reaction to F.D.I. in realty has been primarily local. For example, in response to the Kuwait Investment Company's purchase of Kiawah Island, South Carolina, several environmental groups have protested the possible harm to turtle nesting grounds from resort development. Likewise, the Hawaiian populace has strenuously objected to the Japanese practice of buying resort properties, which are then made accessible exclusively to participants in package tours from japan. Congressional reaction has been minimal so far, and only recently did Congress appropriate $3 million to study the problem. There are, however, several bills pending in Congress that propose to act affirmatively in this area. (WEBER, 1976, p. 494).

A preocupação com o investimento estrangeiro, em larga escala, em imóveis nos EUA, principalmente aquele advindo do excedente de petróleo, recebeu reação inicial em nível local em virtude da localização da propriedade. O aumento da reação dos EUA guarda relação com o aumento da percepção da oportunidade das terras americanas para os países produtores de petróleo em terras.