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A Hidroenergia na Política Externa Brasileira: a questão com o

CAPÍTULO 2 – CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE O ESTUDO DA POLÍTICA

3.4 As relações energéticas do Brasil na América do Sul: Bolívia e Paraguai

3.4.2 A Hidroenergia na Política Externa Brasileira: a questão com o

A geração hidroelétrica atualmente é responsável por cerca 19% da oferta energia elétrica mundial e continuará a ser uma importante fonte renovável no futuro. Para o Brasil, essa fonte é especialmente importante, dado o seu peso na matriz elétrica nacional. Nota-se, ainda, que o Brasil tem muito potencial hidrelétrico inexplorado, que equivaleria a 182 GW, de acordo com a EPE. Na Amazônia é onde se encontra a maior parte desse potencial.

O Brasil está em uma região favorecida em relação ao seu potencial hídrico. Sabe-se que o país tem a sua disposição locais estratégicos para explorar a capacidade de geração de energia advinda da água. Assim, observa-se em todo território nacional a presença de usinas hidrelétricas.

Data de 1883 o início da operação da Usina de Ribeirão do Inferno para aproveitamento dos recursos hidrelétricos brasileiros. Em 1899, a empresa canadense LIGHT começou a operar em São Paulo, fornecendo luz e serviço de transporte público (bondes elétricos). No Rio de Janeiro, a Light chegou em 1905. Essa empresa construiu a Usina Hidrelétrica de Fontes, que em 1909 tinha potência instalada de 24.000 kW (24 MW), sendo uma das maiores do mundo na época. Além da Light, outra companhia estrangeira destacou- se no período: a norte-americana AMFORP.

Na década de 20, a Light e a Amforp controlavam São Paulo (capital e interior), Rio de Janeiro e a maior parte das capitais do país. Durante este período o Estado não intervinha

caráter estratégico a recursos como petróleo, gás e também a água. Em 1934 criou-se o Código das Águas, regulamentando o setor. 19

Foi, contudo, na segunda metade do século XX que o aproveitamento do potencial hidrelétrico brasileiro passou a fazer parte da concepção estratégica nacional. Nosso foco será a análise das relações Brasil-Paraguai em relação à Usina de Itaipu, as quais se inserem nesse contexto.

A decisão brasileira de explorar os recursos energéticos do Médio Paraná parecia duplamente lógica: em primeiro lugar do ponto de vista da energia escolhida. Na época, o Brasil só podia garantir, com recursos próprios, menos de 20% de suas necessidades em petróleo. Parecia natural que esse explorasse a parte brasileira de maior potencial hidrelétrico mundial, justamente porque os caprichos da natureza havia posto sob a soberania brasileira a parte mais interessante desse potencial (CAUBET, 2000: p.113).

Os governos de Jânio Quadros e João Goulart já esboçaram o interesse em capacitar o Brasil com Usinas hidrelétricas no sul do país, todavia, será no ano de 1966 que se assina a Ata das Cataratas ou Ata de Iguaçu, dando início à cooperação bilateral com o Paraguai para o desenvolvimento das relações no campo econômico. Esse documento tinha dentre seus objetivos a meta de fazer um levantamento dos recursos hidráulicos que poderia ser aproveitado conjuntamente pelos países.

A mobilização dos dois vizinhos no sentido de explorar os recursos hídricos comuns despertou a atenção da Argentina, país que moveu esforços para uma regulamentação internacional a respeito da utilização dos recursos nos Rios da Bacia do Prata. Em 1969, foi assinado o Tratado da Bacia do Prata com vistas a regularizar a cooperação multilateral na região. Entretanto eram os empreendimentos bilaterais que chamavam atenção dos países. Outras reuniões foram realizadas nesse contexto, mas é a construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu que causou grandes debates.

O Tratado de Itaipu foi assinado por Brasil e Paraguai, na cidade de Brasília, em 26 de abril de 1973. A Usina, pelo Tratado, pertence aos dois países em partes iguais, e cada um tem direito a 50% da energia produzida. Caso uma das partes não use toda a cota, vende o excedente ao parceiro a preço de custo, nesse caso, o Paraguai se obrigou a vender o

19 A propriedade dos rios deixava de ser do proprietário da terra onde corriam e passava, conforme o caso, a ser

propriedade do município, do estado ou da União; a propriedade das quedas d’água e do potencial hidroelétrico deixava de ser do proprietário da terra e passava a ser patrimônio da nação, sob a forma de propriedade da União. A partir de então, o aproveitamento de potencial hidrelétrico passou a depender de autorização ou concessão (por prazo máximo de 30 ou 50 anos, conforme o montante dos investimentos); as tarifas passaram a ser fixadas segundo os custos de operação e o valor histórico dos investimentos; Estado (governo federal) passava a deter o poder de concessão e de fiscalização. Cf: BERMAN, Célio. Notas de aula. Out de 2008. Disciplina Análise Política da Energia. Instituto de Eletrotécnica e Energia. Universidade de São Paulo.

excedente energético ao Brasil até 2023. O Paraguai utiliza apenas cerca de 5% dessa energia, sendo o restante vendido ao Brasil.

O Brasil paga um valor determinado por cada megawatt vendido pelo Paraguai, aproveitando, dessa quantia, para abater da dívida que o vizinho tem pela construção da usina. O Brasil arcou sozinho com a construção de Itaipu, o que determinou esses termos do acordo. Ao vender energia a preço de custo, o Paraguai está pagando a sua parte de Itaipu. A última "prestação" vencerá em 2023, para quando estava prevista a renegociação do contrato (PARAGUASSU, SAMARCO, MARQUES e CHRISPIM, 2009).

A problemática jurídica em relação à cooperação bilateral Brasil-Paraguai para a construção da hidrelétrica de Itaipu foi bastante problemática, em virtude das queixas da Argentina em relação aos direitos dos demais países, especialmente que estariam abaixo do fluxo onde as obras seriam realizadas.

Com o Tratado de Itaipu, assinado em 1973 com o Paraguai, A Argentina questionava a exploração desses recursos, levantando a tese da obrigatoriedade de consultas e entendimento com os países que se situam abaixo. De outro lado, o Brasil levanta a tese da possibilidade de indenizar somente a posteriore caso ocorressem danos significativos. Levada a julgamento na ONU, a tese argentina obteve maioria, vencendo a brasileira. Nessa votação, o bloco de países africanos votou desfavoravelmente ao Brasil em decorrência da falta de apoio explícito brasileiro à independência das colônias portuguesas na África. E os países Árabes também se posicionaram contrariamente ao Brasil por suas posições dúbias na questão palestina. Árabes e africanos estavam orquestrando impor embargo ao fornecimento de petróleo ao Brasil (OLIVEIRA, 2005: p.153).

Em 1979, Brasil, Argentina e Paraguai assinam um acordo tripartite para a compatibilização de Itaipu e Corpus (projeto hidrelétrico argentino-paraguaio). O acordo versava sobre a harmonização das barragens de Itaipu e Corpus, determinando princípios gerais de ação para os três países. Em 1984, Itaipu é inaugurada.

Se, na época da construção, os principais problemas enfrentados pelo Itamaraty relacionavam-se às queixas da Argentina, hoje é o Paraguai que apresenta questionamento para o MRE. No ano de 2008, foi eleito Presidente do Paraguai Fernando Lugo, o qual, da mesma forma que Evo Morales na Bolívia, utilizou em seus discursos de campanha eleitoral a proposta de renegociar com Brasil a mudança nos termos do Tratado de Itaipu, tentando receber mais pela energia vendida.

a vender gradualmente a energia excedente no mercado brasileiro; houve um aumento no valor adicional pago pelo Brasil pela energia paraguaia, que passa de US$ 120 milhões para US$ 360 milhões; concordou-se que os dois países poderão vender juntos parcela da energia de Itaipu a terceiros mercados a partir de 2023. Os termos do acordo terão de ser submetidos ao Congresso dos dois países, onde devem encontrar resistências.

O governo brasileiro está diante de uma complexa geopolítica na América do Sul, pois ao tentar manter sua posição de potência emergente global e líder regional o país deve arcar com o ônus e a responsabilidade dessa pretensão. Nesse sentido, a postura conciliatória de renegociação dos termos do contrato com a Bolívia cedeu espaço para que Equador, Argentina e Paraguai contestassem acordos bilaterais com o Brasil.

O tema de Itaipu foi um dos grandes desafios da diplomacia brasileira na temática energética e continua a ser. A problemática com a Argentina rendeu debates na ONU, os quais não foram vantajosos ao Brasil. A construção da usina representou a consecução de um acordo diplomático bilateral histórico para a América do Sul, unido Paraguai e Brasil na integração física energética.

4. Considerações Finais

Apesar da relevância dos acontecimentos supracitados para agenda de política externa do Brasil, é somente no ano de 2006 que o Ministério das Relações Exteriores vai institucionalizar a questão. No mês de junho daquele ano, foi criado o Departamento de Energia do Itamaraty, que diferentemente da Divisão de Energia e Minerais, possui mais capacidade de ação e centralização do assunto dentro do Ministério.

O Departamento de Energia do Itamaraty é formado pela Divisão de Recursos Energéticos Não-Renováveis (DREN) e pela Divisão de Recursos Energéticos Novos e Renováveis (DRN). A criação desse Departamento conferiu à energia status político- diplomático no Brasil, sendo discutida e negociada dentro da instituição responsável pelos assuntos exteriores. 20

Dentre os principais motivos para a criação do Departamento de Energia do Itamaraty em 2006, aponta-se as negociações de gás com a Bolívia, as quais o MRE precisou acompanhar a Petrobrás em virtude da importância do tema para a Política Externa Brasileira, visto a importância das relações regionais para o país. O Segundo motivo é o objetivo do

20 Sobre o Departamento de Energia ver Decreto de criação. Disponível em <

governo Lula de criar um mercado internacional para os biocombustíveis.

Há uma terceira razão para a preocupação com a energia: o fator pré-sal, pois com a descoberta das primeiras reservas em 2005, o tema ganhou amplitude na agenda brasileira. Havia a necessidade de um órgão no governo que centralizasse as ações externas sobre a questão, visto o constante interesse que outros países têm em relação à tecnologia brasileira. Todavia, ainda é necessário investigar a razão pela qual a criação do órgão foi tão tardia e até mesmo seu vínculo com o contexto energético internacional.

É visível que o contexto externo, interno e as diretrizes de ação do governo Lula modificaram a forma pela qual a energia vinha sendo tratada. Nosso intuito é compreender a dimensão representada pela institucionalização da temática no Ministério das Relações Exteriores e como esse acontecimento está vinculado à estratégia de inserção internacional do Brasil, que como vimos é objetivo da política externa. Assim, acreditamos cumprir o objetivo inicial de compreender a o papel que a questão energética representa para a política externa do governo Lula da Silva.

CAPÍTULO 3 – A POLÍTICA EXTERNA DO GOVERNO LULA E A QUESTÃO