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A parceria estratégia com a Bolívia

CAPÍTULO 2 – CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE O ESTUDO DA POLÍTICA

3.4 As relações energéticas do Brasil na América do Sul: Bolívia e Paraguai

3.4.1 A parceria estratégia com a Bolívia

No contexto das interconexões energéticas do continente sul-americano, a Bolívia é um importante parceiro do Brasil, dada a interdependência entre esses países no âmbito do gás natural. A Bolívia é o principal fornecedor de gás ao Brasil, que, por sua vez, é o principal comprador do produto boliviano. Nos dias de hoje, o Brasil apresenta-se com a perspectiva de diminuir sua dependência em virtude dos investimentos na exploração de gás na região do pré-sal, pois a instabilidade que marca o governo boliviano pode atingir diretamente o abastecimento no Brasil, como ocorreu em 2006.

setor. Maria Luiza Ribeiro Viotti, ao analisar as relações Brasil-Bolívia sobre a questão, afirma que houve duas razões principais que levaram o Brasil e buscar uma maior integração com a Bolívia na década de 30, a primeira seria o interesse político natural por ser um vizinho estrategicamente importante e a segunda pelo interesse na exploração do petróleo boliviano. (VIOTTI, 2000: p.188). O fim da Guerra do Chaco e a descoberta de petróleo na região oriental da Bolívia permitiu uma aproximação entre os dois países. Para Alexandre Hage,

Para o Brasil, o aumento de relacionamento diplomático com La Paz não era sem propósito, pois havia nele um traço de conveniência à medida que a consolidação do processo político e econômico, inaugurado pelo primeiro governo de Getúlio Vargas, necessitasse de superávit de petróleo para a consecução do projeto de substituição de importações e seu fito de industrializar efetivamente o país. Pelo motivo de o território nacional ser pobre em carburantes, e pelas dificuldades de importação do Oriente Médio, aquele governo havia vislumbrado a possibilidade de se conseguir o energético pela aproximação diplomática com a Bolívia, ação de caráter geopolítico com irradiação para o futuro. (HAGE, 2007: p. 117).

No ano de 1938, é assinado tratado entre os dois países para aproveitamento e exportação do petróleo boliviano para o Brasil. O Tratado Sobre Saída e Aproveitamento do Petróleo Boliviano estabelecia a construção de uma estrada de ferro (Ferrovia Corumbá-Santa Cruz), que aos interesses brasileiros serviria para escoar petróleo, já para a Bolívia era uma alternativa ao isolamento do país no centro do continente.

No mesmo âmbito, criou-se uma Comissão Mista Brasileiro-Boliviana, sediada em Santa Cruz de la Sierra, para levar adiante as prospecções e os estudos relativos a transporte e comercialização do petróleo. O que vale ressaltar é que o Tratado não prosperou, principalmente pelo fato de não se encontrar petróleo nos níveis esperados pelo Brasil. Contudo, essa iniciativa merece destaque por ser o marco inicial das negociações Brasil- Bolívia sobre questões energéticas.

Hage argumenta que entre o tratado de 1938 e as futuras negociações entre Brasil e Bolívia, pouco se desenvolveu na parceria estratégica, dada a circunstâncias como a segunda guerra mundial, pouco conhecimento geológico da região, o que acarretava em imprecisão acerca das possíveis reservas de petróleo, o fato do governo Dutra não ter dado foco especial ao tema e a revolução nacionalista ocorrida na Bolívia em 1952.

Outra tentativa de empreender uma cooperação com a Bolívia no setor petrolífero serão os Acordos de Roboré, firmado em 1958. Estes, além da busca por petróleo, intencionavam a exploração de gás natural no país vizinho. Por esse acordo, o Brasil seria o principal comprador de hidrocarbonetos da Bolívia e arcaria com diversos investimentos em infra-estrutura para viabilizar o comércio.

Os acordos de Roboré não ajudaram a aumentar o comércio de petróleo entre os dois países, visto que as reservas bolivianas não garantiram o abastecimento de petróleo ao Brasil. Entretanto, na década de 70, terá início uma nova etapa no processo de cooperação em energia com a Bolívia, voltada para a compra do gás boliviano, comércio que persiste nos dias de hoje.

No contexto da década de 70, marcado por mudanças no paradigma da política externa brasileira e crise do petróleo, os Presidentes Médice do Brasil e General Hugo Banzer da Bolívia iniciam, em 1972, as negociações para a assinatura de acordo para a compra do gás boliviano. O processo de negociação foi longo, mas finalizado em 1974, no governo Geisel. O acordo estipulou a criação de um pólo industrial na fronteira Brasil-Bolívia e a compra, pelo Brasil, do gás boliviano, de maneira que a Bolívia apresentasse um estudo confirmando da disponibilidade de reservas suficientes para o fornecimento de 240 milhões de pés cúbicos diários pelo prazo de 20 anos (VIOTTI, 2000: p.195).

Diante da crise do petróleo e da dificuldade em dar prosseguimento à construção do pólo industrial, as negociações com a Bolívia passaram a ser pautadas no aumento do volume de gás importado pelo Brasil. Em 1978, a Petrobrás e a estatal petrolífera boliviana YPFB firmam outro acordo de intenções sobre o tema. Todavia, empreendimentos de grande envergadura só serão retomados nos anos 80. A situação política interna da Bolívia impedia grandes avanços nas discussões sobre o gás com o Brasil.

É no governo de José Sarney, em 1988, que um novo acordo é negociado e assinado. Esse acordo aumenta o volume mínimo de gás importado diariamente e prolonga para 25 anos o período de vigência. Segundo Viotti, são esses acordos que abrem espaço para a utilização gradual do gás no mercado brasileiro, hoje, muito dependente dessa importação.

Entretanto, acordos mais ambiciosos serão firmados na década de 90, diante da postura brasileira de diversificar a matriz energética nacional e impulsionar a utilização do gás. Em 1993, na cidade de Cochabamba, na Bolívia, firma-se acordo que estipula, dentre as principais metas, a construção de um gasoduto que ligaria os dois países. O gasoduto em questão foi inaugurado em fevereiro de 2000.

Hage complementa salientando que as relações Brasil-Bolívia vão além da questão energética, “o Brasil guarda com o vizinho andino sua maior fronteira de todos os limítrofes. Por essa razão o relacionamento entre Brasília e La Paz não demora somente no gás natural,

no setor de energia seguiam o ritmo estipulado pelos tratados. A Petrobrás investia no país vizinho e ele se tornava o principal fornecedor de gás para a indústria e a produção de energia elétrica brasileira. A participação da brasileira Petrobrás no Produto Interno Bruto (PIB) boliviano chegou a 18%, e a empresa respondia por 24% dos impostos recolhidos em todo o país (BUARQUE, 2009). Contudo, alterações no quadro político interno da Bolívia causaram modificações no acordo e um grave incidente diplomático em 2006.

Evo Morales, atual presidente da Bolívia, em seus discursos de campanha, já sinalizava o interesse em modificar os termos do acordo com a Petrobrás e mesmo de nacionalizar as reservas de gás do seu país. Depois de eleito, no mês de maio de 2006, anuncia a nacionalização da exploração de petróleo e gás, e ordena a ocupação dos campos de produção das empresas estrangeiras no país, dentre elas a estatal brasileira Petrobrás. Na época, 52% do gás consumido no Brasil vinha da Bolívia.

O Estado mais dependente era, e ainda é São Paulo, que em 2006 importava 70% de todo o gás consumido. O acontecimento gerou polêmica e dividiu os brasileiros. Enquanto alguns setores mais exaltados chegavam a cogitar até mesmo a invasão militar na Bolívia, o Ministério das Relações Exteriores e a Petrobrás, cientes da dependência do Brasil em relação ao gás boliviano, buscam alternativas na negociação e na diplomacia.

Para o Itamaraty, uma alternativa por meio do diálogo e de acordo entre ambas as partes teria de ser a solução, pois o Brasil tende a seguir os princípios que regem sua política externa, como a solução pacífica de controvérsias. O MRE foi muito criticado, mas conseguiu, juntamente com a Petrobrás, alcançar um acordo que estipulou a compra pela Bolívia das refinarias que estavam sobre controle brasileiro desde 1999. Decidiu-se que o valor a ser pago pelas duas refinarias seria de US$ 112 milhões. A empresa brasileira havia comprado os ativos em 1999, por US$ 104 milhões, tendo investido US$ 30 milhões em melhorias. Isso suscitou críticas na sociedade brasileira.

Em 2008, o gás natural representou 10,2% da matriz energética nacional, perto do que foi previsto pelo governo no início dos anos 90 quando se firmou o acordo visando aumento da participação do gás na matriz nacional. Na época, o gás representava cerca de 2% e foi estimado que chegaria a 11,9% em 2000. As negociações com a Bolívia são responsáveis por grande parte desse aumento.

O Brasil continua e continuará, por algum tempo, dependente da importação de gás da Bolívia. Para a diretora de Gás e Energia da Petrobrás, Maria das Graças Foster, mesmo com as recentes descobertas de gás na área do pré-sal, a Petrobras não trabalha com a possibilidade de descartar o gás natural importado diariamente da Bolívia para complementar as

necessidades internas do país.

“Eu considero absoluta a nossa dependência do gás da Bolívia. E eu preciso dos 31,8 milhões de metros cúbicos dia importados da Bolívia. O gás é importante, fundamental, e quando eu olho para 2020 eu não consigo imaginar a nossa economia sem o gás Boliviano. Podemos ter um prêmio exploratório fantástico, fazendo prospecção em novas fronteiras, com um volume de gás excepcional, mas isso ainda não foi anunciado e a gente não chegou nem perto dessa possibilidade. Nós vamos começar a negociar um novo contrato, em novas bases, já com o Brasil desfrutando de outra condição energética e que tem uma outra maturidade em relação ao gás. São dois países que amadureceram e que vão saber valorizar aquele bem que dispõem – tanto do ponto de vista de quem produz como de quem importa”. (OLIVEIRA, 2009).

A previsão para o início de novas negociações com a Bolívia é o ano de 2014.