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A higiene e a saúde como princípios de civilidade

No documento Olímpia de Jesus de Bastos Mourato Nabo (páginas 58-60)

Capítulo III – A saúde e a higiene no universo doméstico através da

3.1 A higiene e a saúde como princípios de civilidade

Entre o crepúsculo do século XIX e a aurora do século XX, sentia-se a necessidade de educar o povo para este se regenerar e se alcançar o progesso em Portugal. Mas tal empresa dependia da conquista de uma grandeza civilizacional que colocasse os portugueses no patamar em que já se encontrava a civilização ocidental, concretamente ao nível social, cultural, educativo, científico e técnico. Este desafio passava pela promoção, tanto no universo público como no doméstico, de atitudes e de comportamentos higienistas, que, sob a orientação e a observação dos princípios de civilidade, preservassem a saúde de todos os portugueses, tendo na mira as camadas populares com menos expedientes culturais e educativos.

Assim, o programa da “Bibliotheca do Povo e das Escolas”, delineado sob a temática da “Propaganda de Instrucção de Portuguezes e Brazileiros”, contemplava um ramo dirigido à “educação corporal” ou “educação corporal e higiene”, abarcando o domínio público e o doméstico.

Através de Lacerda (1881: 3), em finais do século XIX, podemos perceber a grandeza da ideia de “hygiene” que era entendida como “a arte de conservar a saude”, tendo como finalidade exercer a sua “influencia no bem-estar e na duração da vida do homem” e “no viver social”. Por sua vez, Cardoso (1889: 16) definia “saude” como “um estado especial caracterizado pelo funccionalismo regular e harmonico de todos os nossos orgãos”.

A saúde permitia ao individuo estar em “condições de bem poder empregar a sua intelligencia e sua actividade, e de bem se desimpenhar do papel que lhe incumbe na sociedade humana”. A “hygiene” era entendida como fonte de saúde, de vida, de bem-estar e de progresso indivi- dual e social, e retratava o estado de evolução das sociedades humanas ao nível político, cul- tural e científico.

Lacerda justificava a importância do estudo da “hygiene” devido a proporcionar o conheci- mento das

[…] diversas influencias que sobre a vida e a saude humanas exercem os meios em que o organismo vive, tanto os exteriores como os existentes dentro do proprio organismo, e de os tornar o mais favoraveis possivel ao desenvolvimento physico, intelectual e moral do homem (p.4).

Por conseguinte, a difusão dos conhecimentos sobre a “hygiene” destinados às “creanças e aos que não tiveram uma educação scientifica” permitia fornecer “as noções que forem indis- pensaveis, para serem comprehendidas as causas de doenças […] e as regras e preceitos […]

50 para a conservação da saude, evitando toda a explicação dependente de conhecimentos scien- tificos que devamos suppor extranhos aos leitores” (p.5).

Cardoso (1889) explicitava aos leitores que a noção de doença implicava uma ideia de uma “lucta, ou, melhor, de reacção dos órgãos corpóreos contra uma causa de desordem ou des- truição”. E, aprofundando, o assunto explicava o processo de evolução do estado de doença nos individuos:

Esta causa umas vezes actua durante um instante só; e, apezar d’isso, as modificações que ella faz experimentar aos orgãos, são assaz profundas para que só passado algum tempo eles pos- sam voltar ao seu estado normal.

Outras vezes a causa morbifica é duradoura, permanente; claro é que em taes casos o efeito só cessará, quando cesse, depois de ter desapparecido essa causa.

Que esta causa seja o frio ou o calor, a presença no sangue, ou nos orgãos, de um gaz delete- rio, de um liquido venenoso ou de parasitas microscopicos, o resultado é sempre o mesmo: a Natureza reage contra a causa morbifica, e são as phases d’essa reacção que constituem a doença (p.17).

O combate desses “males” individuais e sociais exigia a intervenção do médico, do economis- ta e do poder político e cabia a cada um deles actuar de acordo com a sua função. Assim, segundo Lacerda (1881),

Ao hygienista, de aconselhar que se trate de extirpar ou, pelo menos, de atenuar, o horrivel cancro da miseria e da ignorancia; ao economista, de indicar os meios pelos quaes se deve chegar a esse resultado; ao governo, de pôr em practica as indicações que a sciencia fornece a tal respeito (p.63).

A ignorância e a miséria eram entendidas como as maiores causas de doença e da mortalida- de, porque impediam que as regras de higiene fossem cumpridas, conduzindo à desolação do ser humano e prejudicando o bem-estar social.

A mortalidade era entendida a partir de causas relacionadas com a civilidade, tal como Lacer- da (1881) explicava:

De todas essas causas, as mais poderosas são a ignorancia e a miseria. São ellas origem de innumeros males, prejudicam consideravelmente o bem-estar social e são um terrivel instru- mento de degradação physica e de morte. Prova-o bem a mortalidade comparada das differen- tes fracções da população, segundo o seu grau de miseria ou de bem estar, de ignorancia ou de instrucção (p. 63).

A civilidade era entendida como o “meio” de cada individuo ser agradável no “trato social”. Para Baptista (1886: 5), a noção de civilidade era “o conjuncto das formulas convencionaes usadas na sociedade”, que serviam para se demonstrar, mutuamente, a estima, a consideração e o respeito. Não chegava ser “honrado, bemfazejo, generoso, ter todas as virtudes moraes”, era imprescindível conhecer “os preceitos da civilidade e cortesia” para obter o respeito, a veneração e, acima de tudo, ser alvo de simpatias e ter o agrado no trato social. Em qualquer perspectiva ou situação, a civilidade figurava “sempre um bem, uma conveniencia social”. Esta representação de civilidade assentava, ao mesmo tempo, no

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[…] desejo e dever de nos mostrarmos agradaveis uns aos outros, de mostrarmos o respeito que temos pela dignidade alheia, esta differença que conserva o nivel social a uma altura digna e respeitosa para todos, é genero que escasseia no mercado social (p.6).

Baptista (1886), entre as diversas “formulas convencionaes” apontava aos leitores o “asseio” como um elemento de civilidade que provocava na convivência social sentimentos de agrado, prazer e satisfação, independentemento do estatuto social ou dos recursos materiais dos indvi- duos. Este professor frisava que

É bem certo o dictado: - «O asseio é a riqueza do pobre.»

Satisfaz e alegra vêr uma pessoa que, imbora vestida pobremente, manifeste em tudo o mais esmerado asseio.

Essa pessoa em toda a sua pobreza, tem pelo lado da Civilidade e polidez, jus á estima e con- sideração publica.

Ostentar ricos vestidos, vestir luxuosamente quem tem meios pecuniarios para isso, é coisa que não merece admiração, nem louvor. Mas alliar a pobreza com o asseio, isso sim, que é muito para louvar (p.41).

De acordo com Anjos (1891: 56-57), o asseio consistia em o individuo desviar tudo aquilo que fosse “imundo” e que repugnasse a “delicadeza dos sentidos”, devendo “existir no corpo, no vestuario, nas habitações e nos alimentos”. Era uma marca de civilidade comparável com a decencia em relação à moral e aos costumes, pois servia para mostrar o respeito pela socieda- de e pelo próprio indivíduo. Por isso, Anjos constatava que

O asseio, a decencia, as maneiras amaveis, andam quasi sempre em camaradagem, e muitas vezes marcam o gráu da intelligencia. A falta de asseio e a grosseria revelam a baixeza e a estupidez (p.57)

Este autor, tipógrafo e poeta, colaborador da Empresa Horas Romanticas frisava que a “falta de asseio é uma negligencia que não admitte desculpa” e recomendava que não era bastante ser-se asseado e devia-se também “fugir das pessoas que desprezam o asseio”.

3.2 Da habitação

No documento Olímpia de Jesus de Bastos Mourato Nabo (páginas 58-60)