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No início, quando do estabelecimento das primeiras comunidades, o que prevalecia era a Lei da Solidariedade e da Partilha juntamente com uma sociedade matriarcal. As mulheres eram, muitas vezes, admiradas e responsáveis pelo comando do grupo social, que se desenvolvia a partir do consenso entre os seus membros. De fato, nas tribos celtas, elas tinham grande influência religiosa e política. Em regiões como a Gália e a Germânia, participavam de guerras, praticavam atividades de agricultura e pecuária, além de atuar como juízas. Isso mostra que os papéis sexuais são aspectos ligados basicamente à cultura e não à capacidade intelectual.

Com o passar dos anos, os alimentos começaram a escassear, a terra passou a ser cultivada, e as cidades começaram a surgir. As lutas por poder, a competitividade e o individualismo ganharam destaque. Foi então que os homens, mais aptos para a guerra e mais fortes fisicamente, começaram a liderar. Obviamente, nesse cenário, a mulher enfraqueceu-se dentro da sociedade. Reduzida ao espaço da casa, foi a primeira a ser subjugada pelo grupo, agora patriarcal.

O homem passou a controlar não só os meios de produção, mas também o corpo feminino. A virgindade passou a ser valorizada e o adultério, punido severamente, já que um filho fora do casamento comprometeria a herança e a posse da terra. Surgiu o patriarcado, fundamentado nas leis dos homens, que afastou cada vez mais a mulher da independência financeira. Ela passou a depender do pai e do marido e a ser vista como inferior ao homem.

Vários exemplos disso são encontrados na Grécia e na Roma antigas. Na Grécia, as mulheres eram equiparadas aos escravos, sendo ambos executores de trabalhos manuais, algo bastante desvalorizado naquela sociedade. O próprio Xenofonte acreditava que as mulheres deveriam viver sob extrema vigilância, com acesso ao menor número de informações e sem direito a fazer muitas perguntas. Em Roma, a lei pater familias dava ao homem o poder sobre a casa e tudo que estivesse nela: mulher, escravos e filhos.

Entretanto, as mulheres sempre tentaram alguma forma de protesto contra essa “dominação” masculina. Mesmo na Grécia, Olímpia, mãe de Alexandre, e Arsínoe, mulher de Ptolomeu Filadelfo, antes encerradas no gineceu, saem ao ar livre e aparecem à vista da sociedade. A literatura, desde essa época, já servia para dar voz à mulher e para denunciar a sua condição. Foi Teócrito quem, com sua poesia, converteu a jovem Simetha em personagem principal de um poema passional, A feiticeira ou As

feiticeiras5, que até hoje nos comove e nos enternece.

Considerado o primeiro grande poema de amor, A feiticeira foi escrito no primeiro quartel do século III antes de Cristo. Trata-se do monólogo de uma jovem, Simetha, que aceita o convite de amigas para ir à procissão dedicada à deusa Artemisa. Chegando lá, a jovem vê Delfis, apaixona-se por ele e decide enviar-lhe uma mensagem

5 Octavio Paz ainda nos informa que, segundo Marguerite Yourcenar, a tradução literal do título do

poema é Os filtros mágicos. Já Jack Lindsay, outro tradutor, prefere usar como título o nome da heroína, Simetha.

para que vá visitá-la em sua casa. Cabe a Simetha a iniciativa de iniciar o romance, que de fato concretiza-se.

Diante da declaração de amor da moça, Delfis passa a primeira de muitas noites com ela, até o dia em que, sem motivo algum, ausenta-se. Ela, desesperada, percebe o afastamento do amado e a possiblidade de ele estar apaixonado por outra pessoa, e então decide se vingar. Em sua vingança, usa rituais associados às fases da Lua, mas, como Delfis não retorna, ela decide, na parte final do poema, procurá-lo e passa a considerar que, se ele a repelir novamente, lhe dará alguns venenos que o levarão à morte. Termina seu discurso com uma despedida que pode ser interpretada como um possível suicídio.

O interessante é que, durante todo o seu relato de abandono e de ciúme destrutivos, Simetha não menciona a sua dependência com relação a uma família patriarcal. Ela vive somente com uma empregada (cúmplice em sua vingança). Pais, irmãos não são sequer citados. Provavelmente, trata-se de uma jovem livre, independente, com algum ofício e que toma decisões de iniciar e terminar um romance com um homem pelo qual se apaixonou. Logicamente, esse poema não poderia ter sido escrito na Atenas misógina de Platão, mas na Grécia de Alexandre, onde as mulheres já procuravam um maior espaço na sociedade.

Em uma alternância de êxito e submissão, as mulheres viram com o cristianismo e a pregação de São Paulo um momento forte de dominação masculina. A leitura da Bíblia, livro que serve de modelo propagador da cultura ocidental judaico-cristã, nos traz a exaltação da mulher subserviente ao homem:

A mulher ouça a instrução em silêncio com espírito de submissão. Não permito que a mulher ensine nem se arrogue autoridade sobre o marido, mas permaneça em silêncio. Pois o primeiro a ser criado foi Adão, depois Eva. E não foi Adão que se deixou iludir e sim a mulher que, enganada, incorreu em transgressão. Mas ela poderá salvar-se cumprindo os deveres de mãe contanto que permaneça com modéstia na fé, na caridade e na santidade. (1 TIMÓTEO, II, 11-15).

Sobre a maneira com que a Bíblia aborda a situação feminina, em deferimento à supremacia da força física masculina sobre a mulher, não podemos deixar de destacar também a opinião de Ana Maria Machado, expressa no livro Amor em texto, amor em

contexto – um diálogo entre escritores, em que a autora dialoga com Moacyr Scliar sobre a relação entre literatura e amor, acerca do momento de ruptura nas formas de relacionamento vindas do Romantismo. É um trecho que lança um questionamento à influência exclusiva do texto bíblico na reafirmação da divisão dos gêneros:

Ou seja, não acho tanto que seja algo ligado necessariamente à cultura judaico-cristã, mas ao potencial do recurso à força física, que é maior no homem do que na mulher, para impor à outra parte algo que talvez não lhe interesse, não lhe traga vantagens, mas que não pode ser questionado sob pena de castigo. E creio que está ligado também à necessidade de dominação e controle da mulher pelo homem, para garantir que os filhos serão muitos e todos daquele mesmo macho, capaz de chefiar o clã. Para enriquecê-lo e lutar por ele. (MACHADO, 2009, p. 44).

Aqui, Ana Maria Machado confirma a ideia de que a dominação da mulher e o patriarcalismo tiveram origem nas condições físicas do homem, mais adaptados às adversidades dos períodos de falta alimentar. Posteriormente, a ideia bíblica difundida por São Paulo serviu para consolidar uma situação de submissão que já existia.

Obedecendo à trajetória histórica e chegando à época medieval, percebemos que esse período certamente não foi positivo para as mulheres em geral. Fora alguns poucos e isolados exemplos, a maioria que demonstrava algum tipo de independência, seja ela intelectual ou até mesmo financeira, era vista como subversiva ou bruxa. Paralelamente a isso, tinha-se a visão idealizada do feminino: a mulher cortejada, inatingível, cantada por trovadores e, posteriormente, por românticos. Cantava-se a mulher ligada ao amor, herança da época de Teócrito e Herondas.

Essa ligação entre a mulher e o amor idealizado era tão forte que a figura feminina aproximou-se da divindade. Como afirma Octavio Paz em A chama dupla: “a manifestação do amor é inseparável da manifestação da mulher” (1993, p. 54). O amor, nesse caso, parece colocar a mulher em uma posição diferente daquela assumida por ela na sociedade dominada pelo patriarcalismo. Ainda citando Octavio Paz, vemos que:

A masculinização do tratamento das damas tendia a sublinhar a alteração da hierarquia dos sexos: a mulher ocupava a posição superior e o amante a do vassalo. O amor é subversivo. (1993, p. 61).

Todavia, longe de ser algo positivo, o amor idealizado afastou a mulher ainda mais do circuito social e da realidade, dominada novamente e com bastante intensidade pelo masculino. A figura feminina assumiu a caracterização de frágil, doce, incapaz, apta à idealização do homem e cada vez mais distante da sua própria emancipação.

O modelo feminino que deveria ser seguido era o de Maria – a mãe exaltada do Cristo – e tinha a sua contrapartida em Eva – promotora do mal e da expulsão do homem do paraíso. Essa ideia dicotômica a respeito da mulher perdurou durante muito tempo e ainda apresenta reflexos nos dias atuais. Separadas em “boas” e “más”, “Marias” e “Evas”, submissas e subversivas, as personagens literárias femininas foram representações desse modelo.

Esses elementos dicotômicos de uma certa história das mulheres são bem aproveitados nos textos de Machado de Assis, especialmente em Dom Casmurro, em que são metaforizadas as personagens Dona Glória e Capitu. A primeira, versão da Virgem Maria, mãe protetora e zelosa, viúva e fiel ao marido morto, é a própria mãe de “Jesus”, do Bento Santiago6, que, assim como Adão, serviu de vítima das armadilhas da sua sedutora Eva, a Capitu de “olhos oblíquos e dissimulados”. Seguindo o raciocínio maniqueísta bíblico, passamos a compreender a mentalidade do marido supostamente traído e ex-seminarista, dentro do conservadorismo de uma sociedade moldada pelos parâmetros cristãos e patriarcais.

Capitu, conforme nos aparece descrita no capítulo XXXI, anteriormente citado, seria uma filha de Eva, ardilosa e capaz de enganar. Deve pagar, portanto, por ter transgredido, e a única maneira de redimir-se é aceitar a submissão e o lugar de esposa e de mãe. O círculo se fecha. A sociedade patriarcal, representada metonimicamente no romance por Bentinho, vale-se, pois, da maternidade e de suas significações para a dominação da mulher. Sobre isso nos alerta Anélia Pietrani, em O enigma mulher no universo masculino machadiano:

6 Não à toa o nome Bento Santiago, ainda que carregue o Iago do texto shakesperiano, como bem

observou Helen Caldwell, em O Otelo brasileiro de Machado de Assis, traz também duplamente a referência cristã nos adjetivos tornados substantivos, “bento” e “santo”.

Poderíamos afirmar, portanto, que a “implantação” do amor materno atinge a construção da feminilidade, no ponto em que a apologia à maternidade promove o ideal de mulher dedicada às atividades domésticas, privadas, cristalizando a visão da fêmea enclaustrada em casas fechadas por homens e por uma sociedade que “dignifica” o ser mãe como o estágio mais nobre que a mulher poderia alcançar (logo, o fim – valendo-se a ambiguidade do termo – último de sua vida). (2000, pp. 78-79).

O processo de implantação do amor materno, como acima referido, estabelece relação direta com a educação recebida pelas mulheres. O próprio Rousseau dizia que a educação feminina deveria ser relacionada aos interesses do homem. Caberia a elas ser- lhes úteis, educá-los, cuidar deles, tornar-lhes a vida agradável. Seriam essas as funções e os deveres das mulheres por toda a vida e é isso o que elas deveriam aprender desde a infância.

Foi contra esse ditame da fala de Rousseau que a inglesa Mary Wollstonecraft escreveu, em 1792, a Reivindicação dos direitos da mulher, esclarecendo que a posição inferior ocupada por esse sexo na sociedade dependia da educação recebida por elas e não da capacidade intelectual. Foi talvez o primeiro texto que questionava o discurso médico e científico que tratava a mulher como irracional, histérica, incapaz; visão difundida pelo pensamento que defendia a baixa intelectualidade feminina devido ao tamanho inferior do seu cérebro. Como a mulher possui um cérebro de menor extensão, era considerada menos capaz do que o homem.

Ainda na Inglaterra, mas já no reinado da rainha Vitória (1837 a 1901), período marcado por moralidade rígida e grande evolução do patriarcalismo e da submissão feminina, a mentalidade não era diferente. A mulher, para ser considerada “normal”, deveria guardar os bons costumes morais e jamais sentir prazer sexual. A maternidade passou a ser garantia de status social e uma maneira de aproximá-las do modelo da Virgem Maria. Ler e pensar eram inconcebíveis. A imagem feminina deveria estar ligada à figura angelical e pacífica, aliada à manutenção da ordem e dos bons costumes.

Foi esse o pensamento do início do século XX e que fez surgir talvez a mais famosa feminista dos últimos tempos: Simone de Beauvoir. Foi ela quem concluiu que, independente do sistema econômico (capitalismo ou socialismo), a situação feminina

não se modificara substancialmente. As diferenças e as desvantagens das mulheres continuavam existindo.

O que Beauvoir desejava era que todos, independentemente do sexo, recebessem tratamento igual, como seres humanos. Ela também é contrária ao que se chama “essência feminina” e “papel da mulher na sociedade”. Em seu livro O segundo sexo, cuja primeira edição é de 1949, a pensadora criticou a ideia de sujeito relacionada à sua universalidade, argumentando que no mundo social existem os que ocupam posição sem marcação (sexual, racial, religiosa) e os que são definidos, rotulados por sua diferença, sempre aprisionados em suas especificidades, designando o outro.

Isto define a posição de homens e mulheres: “o homem é o Sujeito, o absoluto; ela é o Outro” (BEAUVOIR, 1980, p. 10). Dito de outra maneira, agora com as palavras de Maria Luiza Heilborn, “o masculino está investido dos significados de representação da totalidade, ao mesmo tempo em que possui a qualidade de gênero frente ao outro” (1993, p. 38).

De acordo com os dogmas da sociedade patriarcal, a mulher é vista como o outro, uma figura marginal, que se opõe ao centro, que é masculino. Juntamente com ela estão os negros, os homossexuais, as crianças, os jovens etc. Para vencer a dominação, a mulher deve, segundo Simone de Beauvoir, ser capaz de se afirmar tal como os homens o fazem. Isto é, deve ser capaz de lutar e atingir a independência financeira, ter uma profissão e sustentar-se. Deve evitar o casamento e os filhos, a “armadilha” do lar e da família, e para isso pagar o preço da perda da sexualidade, de não ser atrativa aos homens.

Parece ser esse feminismo radical de Beauvoir que Ana Maria Machado questiona através da personagem Beatriz Bueno, de A audácia dessa mulher, conforme veremos mais adiante.

Trazendo a questão do feminino para o Brasil, podemos dizer que uma discussão a respeito do tema iniciou-se no século XIX e enfrentou grandes dificuldades, pois o analfabetismo e o baixo nível de estudo das brasileiras, em geral, eram bastante recorrentes. Logo, é compreensível que a primeira reivindicação feminista tenha sido por um maior nível de estudo para as moças, que eram afastadas dos colégios aos 13, 14 anos para se casarem.

Diante disso e, analisando o contexto social da época, podemos mais uma vez nos reportarmos à tão “ousada” e “perigosa” jovem Capitu que, segundo o próprio narrador casmurro, possui “ideias atrevidas”. Isso faz dela uma menina-mulher que, diante das regras sociais vigentes, não se recolhe, ao contrário, tem a vontade de aproximar-se do conhecimento que lhe é negado. É a desconstrução do retrato da mulher passiva. Talvez esse seja o motivo pelo qual Capitu encanta e possibilita tantas revisitações.

Sobre o comportamento e as transgressões das personagens femininas de Machado de Assis, universo do qual Capitu faz parte, explica Anélia Pietrani:

As personagens machadianas (...) são excelentes exemplos de movimento dialético entre a subjetividade e a objetividade, entre a diversidade de anseios do feminino, pois, ainda que se comportem como tal, aquelas personagens femininas transitam no universo tradicionalmente reconhecido como masculino, além de reservado aos homens. Por essa razão, encaixam-se na categoria das personagens consideradas “assustadoras” aos olhos masculinos. Transgridem os sistemas delimitadores da cultura patriarcal, ao desafiarem as tradicionais instituições do casamento e da família, sendo, portanto, consideradas símbolos da desordem. (2000, p. 53).

Tentando não cair na armadilha – por vezes tentadora – de tratar o texto literário como reflexo do real, podemos insistir na relação mediadora entre o texto literário e o real que o texto de Machado nos provoca. Suas figurações femininas nos levam a refletir (como na metáfora do espelho que é o mesmo e também o seu inverso) sobre as mulheres de carne e osso que, transfiguradas, são ali uma só, a Capitu que é leitora de mundo, a Capitu que, em silêncio e em exílio, recorda as vozes das escritoras da época, só reconhecidas e estudadas no século XX. Citemos, a título de exemplo, Nísia Floresta Brasileira Augusta (1810-1885), abolicionista, republicana e uma das primeiras mulheres a publicar textos em jornais. Seu livro, uma tradução de Reivindicação dos direitos da mulher, escrito por Mary Woolstonecraft em 1792, marcou o início do que chamamos feminismo no Brasil.

Na época, as mulheres que escolhiam ser escritoras no Brasil estavam ligadas a um feminismo, mesmo que precursor. Elas eram pensantes e, como tais, carregavam em si um desejo de subversão. Podemos citar, a título de exemplo, Maria Firmina dos Reis (1825-1917) – escreveu o primeiro romance de autoria feminina Úrsula –, Narcisa Amália (1852-1924) – poetisa fluminense acusada de plágio por um marido inconformado com sua capacidade intelectual –, Julia Lopes de Almeida (1862-1934) – talvez a primeira romancista brasileira a ganhar dinheiro com a literatura.

Como a dedicação ao ofício da escrita era considerada uma prática para homens, muitas das escritoras utilizavam um pseudônimo masculino, o que não as impediu de continuar lutando por maior destaque na sociedade. Mas ainda levou um longo período para que as mulheres conseguissem, no Brasil, o direito ao voto e a consolidação de uma literatura denunciadora dos pensamentos patriarcais.

Já no século XX, a situação das brasileiras continuou atrelada à mentalidade patriarcal. A mulher, para ser considerada respeitável, aceita, digna e sã, precisava constituir uma família, ser mãe e esposa. Os anos dourados, década de 50, traziam o casamento como meta principal na vida de muitas delas. Para reforçar essa ideia, a propaganda e os filmes de Hollywood desempenharam importante papel. A escrita continuou sendo uma atividade imprópria para mulheres, ao mesmo tempo em que cresceu a participação feminina em profissões ligadas ao ato de cuidar, de educar: as escolas normais, de enfermagem e de assistência social pareciam perfeitas para a formação feminina.

Isso só começou a mudar um pouco, depois do golpe de 64 e da ascensão dos governos militares. O controle social necessário ao bom funcionamento da ditadura nascente encontrou obstáculo nos movimentos sindicais e estudantis que mesclavam homens e mulheres em uma mesma luta contra um inimigo comum: a repressão política. Foi, então, que se percebeu uma população trabalhadora composta por ambos os sexos, cada um com a sua importância dentro da família brasileira.

Grupos de mulheres conseguiram reunir-se nesse período e criar um novo estilo de reflexão e de mobilização social. Elas finalmente passaram a reivindicar direitos e não favores, organizando grupos de discussão voltados não mais a enxergar o feminino relacionado à maternidade, mas sim à cidadania.

Uma das mulheres que se destacou nesse período foi Rose Marie Muraro, que ajudou a fundar o Centro da Mulher Brasileira, em 1975. A partir daí, cresceram os estudos e os centros de pesquisa sobre a mulher. E, nos últimos anos, esse tema vem se expandindo, fazendo com que o feminino comece a sair da margem. Tanto que, na última década do século passado, período em que Ana Maria Machado escreveu a obra em estudo, intensificou-se a participação feminina nas esferas de controle social, como ministérios, prefeituras, partidos políticos.

Apesar de a década de 1990 ter apresentado melhores condições para as mulheres, também trouxe acomodação dos movimentos feministas, fazendo com que elas ainda ocupem posição inferior e sejam alvo de agressão por parte da parcela da sociedade que acredita e pratica o machismo. No mercado de trabalho, elas continuam atuando em profissões ligadas à assistência social e distantes de profissões relacionadas à matemática e à engenharia, por exemplo. Também recebem salários menores do que os homens, mesmo quando ocupam posição semelhante.

De acordo com reportagem publicada no jornal O Globo de 13 de maio de 2012, que cita pesquisa do IBGE, na profissão mais bem paga do país, a de magistrado, as mulheres representam apenas 31% e recebem, em média, 23% a menos do que os homens juízes. Isso ainda acontece mesmo com as mulheres que têm, muitas vezes, maior escolaridade.

Outra pesquisa, divulgada pelo mesmo jornal, revela que as mulheres ultrapassam os homens em cursos de mestrado e doutorado. O IBGE, em censo de 2010, conclui que:

A proporção de mulheres cursando mestrado e doutorado subiu de 43% em 2000 para 53% em 2010, o que fez com que a presença feminina ultrapassasse a de homens nos níveis mais altos de ensino. A proporção de mulheres também subiu na graduação, de 53% para 57%.

A partir desses dados, parece que as mulheres de gerações anteriores, dedicadas exclusivamente ao lar, repassaram para suas filhas a ideia da necessidade de se ter “um teto todo seu”, uma independência feminina. Mas, apesar de terem um nível maior de escolaridade, ainda recebem menores salários e ocupam empregos de tempo parcial em

praticamente todos os países. Isso acontece devido à existência, ainda, do peso cultural

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