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A identidade em crise

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CAPÍTULO I – UM DIÁLOGO SOBRE IDENTIDADE

1.5. A identidade em crise

Woodward (2000) menciona e analisa a existência de um atual processo de crise na identidade. Nessa perspectiva, ele cita como fatores contribuidores deste quadro a globalização, as migrações e as mudanças sociais.

As forças atuantes no contexto da Globalização tendem a destruir gradativamente os laços culturais nacionais, regionais e locais. As relações de parentesco, de vizinhança, comidas, sons e danças típicas vão sendo substituídos por novos modelos ou padrões cada vez mais transnacionalizados. “[...] A Globalização envolve uma interação entre fatores econômicos e culturais, causando mudanças nos padrões de produção e consumo, as quais, por sua vez, produzem identidades novas e globalizadas” (WOODWARD, 2000, p. 20).

A globalização, entretanto, produz diferentes resultados em termos de identidade. A homogeneidade cultural promovida pelo mercado global pode levar ao distanciamento da identidade relativamente à comunidade e à cultura local. De forma alternativa, pode levar a uma resistência que pode fortalecer e reafirmar algumas identidades nacionais e locais ou levar ao surgimento de novas posições de identidade (WOODWARD, 2000, p. 21).

O deslocamento de pessoas e mesmo de povos inteiros freqüentemente esteve presente ao longo da história da humanidade. As invasões germânicas sobre os territórios do antigo Império Romano e o fluxo de retirantes do sertão nordestino brasileiro são dois dos inúmeros exemplos que historicamente podem ser citados. O processo de Globalização veio acelerar estas ondas migratórias. Por força de calamidades como a guerra, a fome e a miséria ou mesmo pela expectativa de melhorias nas condições materiais de sobrevivência, é cada vez maior o número de pessoas que abandonam seus espaços nativos em direção a outras regiões ou mesmo para dentro de fronteiras de outros países.

Motivados pela necessidade econômica, as pessoas têm se espalhado pelo globo, de forma que a ‘migração’ internacional é parte de uma revolução transnacional que está remodelando as sociedades e a política ao redor do Globo” (Castles & Miller, 1993, p. 5). A migração tem impactos tanto sobre o país de origem quanto sobre o país de destino (WOODWARD, 2000, p. 21).

O autor acima citado acrescenta o fato de que essa dispersão das pessoas ao redor do globo produz identidades que são moldadas e localizadas em diferentes lugares e por diferentes lugares. Essas novas identidades podem ser desestabilizadas, mas também desestabilizadoras.

As mudanças políticas no plano internacional também colaboram com o cenário de desagregação ou de reafirmação de identidades. A falta de referenciais ou forças políticas coatoras que direcionem projetos diplomáticos, ideológicos e culturais historicamente edificados pode ser citada como um dos possíveis fatores geradores da crise de identidade.

A desestabilização que se seguiu logo após ao colapso da Ex-União Soviética e do bloco comunista do Leste Europeu, causou a afirmação de novas e renovadas identidades étnicas e a busca de identidades supostamente perdidas.

O comunismo simplesmente deixava de existir como um ponto de referência na definição de posições políticas. Para preencher esse vazio, têm ressurgindo na Europa Oriental e na Ex-União Soviética formas antigas de identificação étnica, religiosa e nacional (WOODWARD, 2000, p. 22).

Não são apenas as mudanças econômicas e políticas que promovem alterações no processo de construção, reconstrução ou desagregação da identidade. O autor argumenta que somam-se a estes contextos as mudanças sociais. Segundo ele, no atual cenário em que se materializam as relações sociais não há qualquer núcleo ou centro determinado que produza identidades fixas, mas, em vez disso, uma pluralidade de centros. A partir deste prisma, pode- se afirmar que existem muitos e diferentes lugares a partir dos quais novas identidades podem emergir.

Os indivíduos vivem no interior de um grande número de diferentes instituições, que constituem aquilo que Pierre Bourdieu chama de ‘campos sociais’, tais como as famílias, os grupos de colegas, as instituições educacionais, os grupos de trabalho ou partidos políticos. Nós participamos dessas instituições ou ‘campos sociais’, exercendo graus variados de escolha e autonomia, mas cada um deles tem um contexto material e, na verdade, um espaço e um lugar, bem como um conjunto de recursos simbólicos (WOODWARD, 2000, p. 30).

Desse modo, pode-se afirmar que as pessoas assumem posições diversas em diferentes momentos e em diferentes lugares, de acordo com os variados papéis sociais que são estabelecidos. Assim, diferentes contextos sociais fazem com que as pessoas envolvam-se em diferentes significados sociais.

Consideramos as diferentes ‘identidades’ envolvidas em diferentes ocasiões, tais como participar de uma entrevista de emprego ou de uma reunião de pais na escola, ir a uma festa ou a um jogo de futebol, ou ir a um centro comercial. Em todas essas situações, podemos nos sentir, literalmente, como sendo a mesma pessoa, mas nós somos, na verdade, diferentemente posicionados pelas diferentes expectativas e restrições sociais envolvidas em cada uma dessas diferentes situações, representando- nos, diante dos outros, de forma diferente em cada um desses contextos (WOODWARD, 2000, p. 30).

É importante ressaltar portanto que os espaços ou contextos sociais nos quais se constroem as identidades não são estáticos; ao contrário, encontram-se em permanente processo de transformação acelerada pela atual conjuntura internacional. O autor cita como exemplos a fragmentação nas relações pessoais, as mudanças no mercado de trabalho e nos padrões de emprego, a emergência de novos modelos de vida doméstica, as alterações nas relações familiares como resultado da existência de novas demandas empregatícias e ainda a presença de novos temas como a idade, a incapacidade física, a justiça social e as preocupações ecológicas que acabam por sugerir mudanças e fragmentações edificadoras ou desagregadoras de identidades.

Frente à complexidade que assume a vida nos dias atuais e ao grande emaranhado de papéis exigidos das pessoas em uma sociedade em constante transformação, não é difícil ocorrerem choques entre identidades diferentes. Ser uma “boa” mãe ou “bom” pai e ao mesmo tempo atender as necessidades do mercado de trabalho é um possível exemplo da existência desses conflitos.

Pode-se concluir que a visão apresentada por Woodward (2000) e por Silva (2000) apontando a existência de um quadro de crise das identidades nas sociedades contemporâneas coincide com a análise promovida por Hall (1986) na qual o autor defende a concepção de que a identidade sofre um processo de descentramento dentro do que ele define como pós- modernidade. As novas tecnologias, o fenômeno da Globalização, os novos movimentos sociais, os fluxos migratórios, as mudanças nas formas de organização do trabalho, a ruptura com os modelos políticos, tudo isso somado às transformações ocorridas no campo das artes e das ciências conduz a uma desagregação dos conceitos e a propositura de novos postulados teóricos.

É à luz dessas noções que se deve posicionar o esforço para localizar a identidade do professor como categoria merecedora de análise específica, buscando a visualização do docente como um ator que está envolvido pelas grandes transformações ora em curso e que forçam uma reflexão sobre os papéis a serem por ele representados. O que se quer é identificar e analisar, considerando uma série de circunstâncias a serem pontuadas logo adiante, uma possível crise na composição identitária do profissional da educação.

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