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Algumas visões sobre identidade

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CAPÍTULO I – UM DIÁLOGO SOBRE IDENTIDADE

1.3. Algumas visões sobre identidade

Apesar de romper com a concepção sociológica defendida pelos autores acima citados, é justamente a partir deste direcionamento que Hall (1982) constrói sua análise do sujeito no contexto contemporâneo definido por ele como pós-moderno. Para chegar ao indivíduo no momento mais recente ele promove uma breve recaptulação histórica das formas pelas quais o sujeito e a identidade foram conceituados tendo como marco inicial a era moderna.

Tentar mapear a história da noção do sujeito moderno é um exercício extremamente difícil. A idéia de que as identidades eram completamente unificadas e coerentes, e agora tornaram-se totalmente deslocadas, é uma forma muito simplista de contar a história do sujeito moderno, e se a adota aqui, é como um recurso didático. Mesmo aqueles que sustentam amplamente a noção de um ‘descentramento’ da identidade não a endossariam nessa forma simplificada. Entretanto, tal formulação simples tem a vantagem de me permitir esboçar um quadro grosseiro de como, de acordo com os proponentes da visão de descentramento, a conceitualização do sujeito moderno se transformou em três pontos estratégicos durante a modernidade (HALL, 1982, p. 21-22).

Para o sociólogo essas mudanças enfatizam a afirmação básica de que os modos pelos quais se conceitua o sujeito transformam-se com a evolução do tempo tendo, portanto, uma história.

No contexto próprio da Idade Média entre os séculos V e XV d. C., o indivíduo encontrava-se mergulhado no universo das tradições e estruturas estáveis. O vazio deixado pela queda de instituições romanas foi gradativamente preenchido por modelos e valores religiosos teocêntricos difundidos pela Igreja Católica. Como se acreditava que o quadro de organização social e por conseqüência o posicionamento do indivíduo eram de origem divina, afirmava-se que tal realidade não estava sujeita a mudanças fundamentais. “[...] A posição, a hierarquia, o status de alguém na ‘grande cadeia do ser’ – a ordem secular e divina das coisas – encobria qualquer noção do que fosse um indivíduo soberano” (HALL, 1982, p. 23).

A ruptura com os modelos medievais e o nascimento do homem moderno estiveram associados a movimentos históricos ocorridos na Europa que deram origem a grandes transformações intelectuais que, por sua vez, colaboraram para forjar a idéia de um sujeito unificado, singular ou único.

Muitos dos grandes movimentos no pensamento e cultura ocidentais contribuíram para a emergência dessa nova concepção: A Reforma e o Protestantismo, que tornaram a consciência individual livre das instituições religiosas da Igreja, e a expuseram diretamente aos olhos de Deus; o Humanismo Renascentista que colocou o Homem (sic) no centro do universo; as revoluções científicas, que dotaram o Homem de faculdades e capacidades de questionar, investigar e desvendar os mistérios da natureza; e o Iluminismo centrado na imagem do Homem racional e científico, liberto do dogma e da intolerância, diante de quem a totalidade da história humana foi disposta para seu entendimento e controle (HALL, 1982, p. 24).

O Renascimento significou um amplo e complexo processo social, econômico e político ocorrido na Europa Ocidental entre os séculos XIV e XVI desestruturando de forma contundente os antigos valores da sociedade medieval, qual seja a visão transcendente de mundo e cultura predominantemente clerical, criando novos estilos literários e artísticos que iriam acentuar o Humanismo, ou seja, a exaltação das virtudes humanas como potência criadora. Na seqüência da Renascença, a Reforma criou uma nova espécie de pessoa, uma nova forma de indivíduo muito empenhado em encontrar a salvação por seus próprios esforços, se desligando da tutela extremamente ortodoxa da Igreja Católica.

Os dois movimentos citados contribuíram para a criação de uma nova mentalidade nas sociedades européias, estimulando idéias como a crença de que o homem, por seu esforço pessoal, poderia realizar uma série de conquistas, inclusive, um maior domínio da natureza. Lançava então as bases para a Revolução Científica.

Segundo Lara (1986) a nova cultura não vai mais centrar-se em Deus, mas no homem; e é a partir do homem que ela focalizará o cosmo e a história. O homem passa a ser olhado, sobretudo, como razão e natureza. “[...] A racionalidade da vida e da história começa a ser procurada numa dimensão de imanência” (LARA, 1986, p. 27).

O homem não é mais visto como criatura, portanto, na sua relação para com o Absoluto. Ele é visto como criador, ante a natureza, na qual se encontra; dela de distingue, enquanto racionalidade; sobre ela deve atuar, celebrando assim a sua liberdade. O homem se liberta de um enfoque que lhe impunha valores como a admiração, a adoração, a obediência, o respeito e o desapego. Joga-se, com entusiasmo, a construir valores novos: individualidade, liberdade, criatividade, participação e enriquecimento (LARA, 1986, p. 28).

De acordo com Lara (1986), foi no início do século XVII que começaram a se estruturar os sistemas filosóficos modernos. O grande desafio, para eles, foi encontrar no próprio homem o fundamento para a nova ordem planejada e em vias de criação. Tudo deveria ser questionado. O homem haveria de questionar-se a fim de conhecer suas possibilidades e seus limites.

Os progressos do conhecimento científico irão se opor à antiga concepção de mundo fechado. O universo não seria mais regido pela manifestação constante e direta de Deus, mas por leis mecânicas imutáveis. O Racionalismo e o Empirismo tornaram-se os grandes mecanismos de desenvolvimento do saber. Os nomes de René Descartes e Francis Bacon destacaram-se dentro deste novo contexto.

Desde o Renascimento, a religião, suporte do saber, vinha sofrendo diversos abalos com o questionamento da autoridade papal, o advento do protestantismo e a conseqüente destruição da unidade religiosa. Ao critério da fé e da revelação, o homem moderno opõe o poder exclusivo da razão de discernir, distinguir e comparar. O dogmatismo opõe a possibilidade da dúvida. Desenvolvendo a mentalidade crítica, questiona a autoridade da Igreja e o saber aristotélico. Assume uma atitude polêmica perante a tradição. Só a razão é capaz de conhecer (ARANHA e MARTINS, 1993, p. 148).

A noção da existência de um indivíduo soberano, dotado da razão, capaz de conhecer os mais complexos mecanismos de funcionamento do mundo natural foi coroada com advento da ilustração. A luz foi assumida como símbolo desse movimento que, por isso, passou a se chamar Iluminismo.

Com raízes no racionalismo e no empirismo do século XVII e envolvida no clima de exaltação iluminística do século XVIII, estruturou-se a ideologia liberal para a qual o homem é um ser natural, bom, dinâmico, capaz de encontrar, em si mesmo, as raízes da própria realização, sem necessidade de complementações.

A partir do século XVIII as sociedades modernas ficaram mais complexas adquirindo uma forma mais coletiva e social.

As leis clássicas da economia política, da propriedade, do contrato e da troca tiveram que operar, depois da industrialização, entre as grandes formações de classe do capitalismo moderno. O empresário individual da Wealth of Nations, de Adam Smith, ou mesmo do Capital de Marx, foi transformado nas corporações da economia moderna. O cidadão individual emaranhou-se nas maquinarias administrativo-burocráticas do estado moderno (HALL, 1982, p. 29-30).

As novas engrenagens que passaram a ditar uma cadência ou um ritmo cada vez mais acelerado dentro do modelo de produção capitalista viabilizaram o advento de uma concepção mais social do sujeito. O indivíduo passou a ser visto como mais localizado no interior de grandes estruturas de sustentação da sociedade moderna.

A visão sociológica do sujeito forneceu uma crítica ao individualismo racional do sujeito cartesiano. Ela localizou o indivíduo em processos grupais e normas coletivas, sendo o mesmo formado subjetivamente através de associações e participações em relações sociais mais amplas.

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