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O professor de cursinho como profissional da educação

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CAPÍTULO V – PROFESSOR DE CURSINHO: REALIDADE NUA E CRUA

5.4. O professor de cursinho como profissional da educação

Já foi pontuado no Capítulo 2 que o professor é um profissional cuja atividade principal é o ensino, e por muitas vezes já foram feitas referências ao professor de Cursinho como um profissional. É necessário, todavia, estabelecer uma análise da formação e da atuação desses professores tendo em vista os seguintes conceitos: a) profissionalidade – concebida como o conjunto de requisitos profissionais que torna alguém um professor; b) profissionalização – definida como aquilo que viabiliza as condições ideais que venham a garantir o exercício profissional de qualidade e c) profissionalismo – compreendido como aquilo que se refere ao desempenho competente e compromissado dos deveres e responsabilidades do professor.

Brzezinski (1995) enfatiza que um dos elementos fundamentais para a definição do profissional da educação é a formação específica para a condução do trabalho pedagógico, o que significa o professor estar preparado para o domínio dessa atividade e para o estabelecimento de relações com o fito de satisfazer as necessidades para as quais ele foi formado. Dessa forma, a autora destaca a importância da formação e do preparo acadêmico para o exercício das funções docentes.

Para delinear melhor as características dos docentes informantes nesta pesquisa, registra-se que quanto à formação acadêmica dos professores de Cursinho é relevante o fato de que dos vinte e dois (22) professores, quinze (15) possuem curso superior completo tal como demonstra a Tabela 22, na qual apresentam-se também as disciplinas que eles ministram.

Os outros sete (7) professores informantes encontram-se matriculados em seus cursos de graduação. Isso pode ser observado na Tabela 20 e dos já formados dois (2) cursam a segunda graduação. Essa para compatibilizar com a disciplina que ministra.

Tabela 19 – Formação Acadêmica dos Professores, Instituição Formadora e Disciplina que Ministra – Nível Superior Completo/2004

CURSO INSTITUIÇÃOFORMADORA MINISTRA NO CURSINHODISCIPLINA QUE

Letras UFG Redação

Geografia UFG Geografia

Biologia UFG Biologia

Direito UCG Língua Portuguesa

Matemática UCG Matemática

Direito UFG História

Geografia UCG Geografia/Atualidades

Agronomia UFG Biologia

Comunicação U. Estácio de Sá Inglês

Letras UFG Língua Portuguesa

Biologia UCG Biologia

Geografia UFG Geografia

História UFG História

Farmácia UFG Química

Farmácia Faculdades Obj. Espanhol

Fonte: Pesquisa com professores do Cursinho Garra, Goiânia/2004.

Tabela 20 – Formação Acadêmica dos Professores, Instituição Formadora e Disciplina que Ministra – Nível Superior Incompleto/2004

CURSO INSTITUIÇÃOFORMADORA MINISTRA NO CURSINHODISCIPLINA QUE

Física UCG Física

Matemática UFG Matemática

Letras UFG Língua Portuguesa

Tabela 20 – Formação Acadêmica dos Professores, Instituição Formadora e Disciplina que Ministra – Nível Superior Incompleto/2004

CURSO INSTITUIÇÃOFORMADORA MINISTRA NO CURSINHODISCIPLINA QUE

Matemática UFG Matemática

Biologia UCG Biologia

Física UCG Física

História UFG História

Letras UCG Espanhol Fonte: Pesquisa com professores do Cursinho Garra, Goiânia/2004.

As tabelas permitem verificar o curso já concluído ou em fase de conclusão e a disciplina que o professor ministra. Esta relação possibilita constatar que dos vinte e dois (22) professores, cinco (5) possuem formação inicial completa distinta da disciplina que lecionam. Dois são graduados em Direito, um ministra aulas de Língua Portuguesa e o outro História; um graduado em Agronomia trabalha com Biologia e dois graduados em Farmácia, um leciona Química e o outro Espanhol.

Uma análise mais atenta das tabelas permite a percepção de que estão presentes vinte e quatro (24) professores, quando foram pesquisados apenas vinte e dois (22). Isso se dá pelo fato de entre eles existem dois casos em que o professor já possui um curso completo e está cursando uma outra graduação. Registra-se que esses correspondem aos dois formados em Farmácia. O que leciona Química aparece na Tabela 20, cursando a Faculdade de Química e o que trabalha com Espanhol aparece também na Tabela 20, cursando Letras. Esses dados são importantes pois mostram que a maioria dos professores do cursinho pesquisado ou já é formado na área em que atuam ou está procurando garantir o alcance dessa formação.

Os dados contidos nas Tabelas 19 e 20 demonstram uma preocupação por parte dos professores com a profissionalidade, pois estão buscando adquirir, com a formação acadêmica de nível superior, o conjunto de requisitos profissionais que tornam alguém um professor. Nessa procura, estão adquirindo também uma maior profissionalização, uma vez que estão se esforçando para obter condições que venham assegurar um exercício profissional de qualidade. Pode-se afirmar ainda que encontram-se agindo com profissionalismo, pois, ao buscarem uma formação adequada, estão priorizando aquilo que se refere ao desempenho competente e compromissado dos deveres e responsabilidades esperadas de um professor.

Quando o professor busca profissionalizar-se naquilo que faz ele está procurando pela profissionalidade e de fato a conquista dessa supõe a profissionalização e o profissionalismo. Por sua vez a busca do profissionalismo requer profissionalização, e essa requer profissionalismo.

Se por um lado o professor tem buscado profissionalizar-se, por outro o estudante ao ingressar em um colégio preparatório para o exame de seleção também está a procura de um profissional que apresente uma série de características que atendam a suas necessidades. Dessa procura nasce parte dos elementos que configuram a identidade desses profissionais. A

identidade do professor de Cursinho é também construída com base partir das expectativas que os alunos projetam sobre ele. Essa afirmação se fundamenta na análise de Carrolo (1997) segundo a qual não basta para o profissional sentir-se professor, pois é necessário ainda o reconhecimento daqueles que com ele estão envolvidos entre os quais, seus alunos. Ante essa assertiva, reafirma-se a idéia de que não é suficiente ser para si, pois o ser se completa à medida que é para o outro.

De acordo com os depoimentos, os vestibulandos esperam que um professor de Cursinho tenha: ética profissional, dinamismo, maior proximidade com os alunos, persistência, humor, entendimento das dificuldades para se conseguir uma vaga, conhecimento, dedicação, respeito pelo trabalho e pelos alunos, profissionalismo, interesse no aprendizado do aluno, capacidade de passar o conteúdo com clareza e motivação, competência para transmitir a maior quantidade de informações em menor tempo possível e ainda gosto pelo que faz. Esses elementos foram extraídos de depoimentos cedidos pelos alunos ao responderem à questão sobre o que se espera de um professor de Cursinho. Entre as respostas destacaram-se as seguintes:

Que seja um professor que goste realmente do que faça, pois assim ele não dará sua aula de qualquer maneira, sendo assim levará o aluno a um maior grau de aprendizagem (A1, Goiânia/2003).

Que tenha ética profissional e muito dinamismo em passar o conteúdo (A2, Goiânia/2003).

Amizade, qualidade, persistência, humor e entendimento das dificuldades que todos nós enfrentamos para conseguirmos uma vaga (A12, Goiânia/2003).

Conhecimento, dedicação e respeito pelo trabalho e alunos (A23, Goiânia/2003).

O que espero do professor de ensino médio, profissionalismo (A21, Goiânia/2003).

Que num menor tempo possível possa passar a maior quantidade de conteúdos para o processo, que o professor não seja aquele carrasco que só tem a obrigação de dar aulas e sim aquele companheiro (A14, Goiânia/2003).

Para a ampliação dessa análise, é também importante registrar o aporte do gestor42 daquela instituição. Questionado sobre quem é o professor de Cursinho, respondeu:

O professor de cursinho na minha opinião é um profissional que tem um desafio, a cada semestre ele não sabe qual é o desafio até o primeiro dia de

aula, daí por diante ele começa a traçar a estratégia para vencer esse desafio, pois ele depende de informações que estão guardadas no passado de cada aluno e queira sim ou não isso interfere no desempenho das aulas. Ele então precisa ser um profissional com capacidade extrema de síntese, liderança, sinergia, clareza, dinâmica, entre outras qualidades, mas há também os que conseguem sobreviver enrolando escola e aluno (Gestor do Colégio Garra Vestibulares, Goiânia/2004).

Com relação às exigências feitas para que alguém venha tornar-se professor na instituição que dirige, o gestor destacou que entre outras qualidades, é preciso ter: “domínio do conteúdo, boa capacidade de adaptação, agilidade, carisma, competência, estar atento aos vestibulares e a mudanças, domínio em sala, ...”

Apesar de o professor P18 declarar que para ser professor de cursinho basta “ter boa retórica, quadro, domínio do conteúdo e atualmente Q.I. (quem indica)” (Goiânia/2004), ou como na fala de P10 que é preciso apenas ser “palhaço, para ficar em cima do tablado fazendo piadinhas e gracinhas para tornar suas aulas ‘assistíveis’“ (Goiânia/2004), outros professores como por exemplo P2 demonstram que é necessário possuir “o mesmo que é preciso para ser professor de qualquer Ensino Médio, formação profissional” (Goiânia/2004)

É possível verificar nos enunciados dos alunos, do gestor e de alguns docentes que o professor de Cursinho vem sendo cobrado para que busque a profissionalidade por meio da profissionalização e do exercício de suas funções com profissionalismo.

Para a abordagem da identidade do professor de Cursinho como profissional da educação, é importante retomar os referenciais propostos por Tardif (2002). Segundo o autor, a análise da identidade daqueles que atuam profissionalmente no ensino deve, como já mencionado, levar em consideração: os objetivos do trabalho docente, o objeto de trabalho; o produto do trabalho e as técnicas e saberes dos trabalhadores.

Com relação aos objetivos, o pesquisador afirma que esses definem uma tarefa coletiva e temporal de efeitos incertos. A ação é coletiva, já que um grande número de indivíduos – professores – atuam sobre uma grande quantidade de pessoas – os alunos; é temporal por dar-se durante vários anos e por seus efeitos serem incertos, pois muitos deles podem não se realizarem completamente.

Dadas as características de um Cursinho semi-extensivo, é possível afirmar que os objetivos de seus professores também definem uma ação coletiva, uma vez que esta incide

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42 Esse é graduado em Administração de Empresas, atua na área de Cursinhos a oito (8) anos, dos quais seis (6)

sobre uma quantidade grande de vestibulandos, é temporal apesar de limitado a apenas alguns meses, e seus efeitos também são incertos, pois é possível que não se concretizem.

Outra característica do objeto do ensino escolar apontado por Tardif (2002) é seu caráter geral. De acordo com o autor, os professores trabalham com base em orientações de trabalho freqüentemente imprecisas, que exigem improvisações, escolhas e decisões quanto à maneira de compreender e realizar seus objetivos de trabalho. Considerando grande o número de objetivos escolares em face das exigências dos conteúdos, das disciplinas e das expectativas dos próprios professores, Tardif (2002) afirma que essa variedade acaba ocasionando problemas de heterogeneidade e de compatibilidade entre objetivos, sobrecarregando a atividade profissional e exigindo que os professores se concentrem em vários objetivos ao mesmo tempo.

Quanto a esse caráter geral o professor de cursinho difere dos demais profissionais da educação, porque possui em seu trabalho uma clara hierarquização de objetivos. Dos vinte e dois (22) professores informantes, vinte (20) responderam que, em primeiro plano, o seu objetivo é de repassar o conteúdo de Educação Básica para atender aos editais de exames de ingresso discente, dezoito (18) salientaram que é também o de transmitir informações, dezessete (17) declararam que é tornar a aula prazerosa, quinze (15) apontaram a necessidade de ser carismático e apenas doze (12) marcaram a formação humanista, cultural geral como objetivo. Os depoimentos de P21 e P19 ilustram a existência dessa hierarquia:

Penso honestamente que em cursinhos o tempo escasso nos permite apenas cumprir o conteúdo, transmitindo informações (Goiânia/2004).

Acredito que é a de, sendo carismático e alegre, passar ao aluno um conteúdo essencial à prova do vestibular. É função do professor de cursinho ‘reensinar’ os conteúdos que os alunos deveriam trazer do Ensino Médio, mas que não trazem. Por isso, transmitir informações de forma a fazer com que o aluno aprenda e utilize o conhecimento no vestibular é o grande desafio do professor, que vê nas dinâmicas irreverentes de suas aulas uma forma de atrativo para que o aluno queira aprender (Goiânia/2004).

Sobre o objeto de trabalho, Tardif (2002) explica que no caso do professor seu objeto é a seres humanos individualizados e socializados ao mesmo tempo. As relações que os docentes estabelecem com seu objeto de trabalho são relações humanas – individuais e sociais simultâneas. De acordo com essa explicação, o autor apresenta as seguintes características do objeto do trabalho do docente: individualidade, heterogeneidade, sociabilidade e afetividade.

Segundo o pesquisador, apesar de trabalhar com o grupo, o professor não pode deixar de levar em conta as diferenças individuais. Com relação a heterogeneidade, o autor afirma

que os alunos não possuem as mesmas possibilidades de ação ou capacidade de aprendizagem. Discorrendo sobre a sociabilidade, Tardif (2002) demonstra que o aluno é um ser social e que sofre influências sobre as quais o professor não tem controle. Quanto à afetividade, explica que boa parte do trabalho do docente é de cunho afetivo ou emocional.

Alguns professores informantes nesta pesquisa afirmam que em geral é muito difícil no ambiente de Cursinho, pelo pouco tempo de contato, pela grande quantidade de alunos e pelas poucas aulas, conseguir identificar as diferenças individuais de seus alunos. Pelos mesmos fatores, é difícil também perceber as diferenças das possibilidades de ação ou das capacidades de aprendizagem de cada vestibulando. Mencionando limitações para se perceberem as dificuldades de aprendizagem dos alunos, os depoimentos que se seguem são ilustrativos:

Sinceramente, em termos de pré-vestibular com salas de 80 alunos, eu não sei nem o nome dos alunos quem dirá as dificuldades. Mas quando alguém me procura para tirar dúvidas procuro ser bastante atencioso e prático (P17, Goiânia/2004).

Devido ao grande número de alunos por sala e ao pouco tempo que possuímos para cumprir com o programa, é difícil percebermos as dificuldades de todos os alunos. Quando se percebe alguma dificuldade geral na turma se faz necessário uma nova explicação, entretanto é quase impossível que o professor perceba as dificuldades específicas de seus alunos (P19, Goiânia/2004).

Mesmo diante das limitações pontuadas nos depoimentos, as relações estabelecidas entre o professor de Cursinho e seu objeto de trabalho – o vestibulando –, não deixam de ser relações humanas. O estudante de semi-extensivo é um ser social e também apresenta afetividade em suas relações com seus professores. Esse vínculo emocional pode ser percebido com as seguintes falas dos alunos:

Eu me sinto mais seguro, pois percebo que além de passar o conteúdo, eles sempre estão nos estimulando para que almejemos sucesso no vestibular e na vida pessoal (A2, Goiânia/2003).

Neste cursinho houve um vínculo de amizade, baseado no humor e alegria que os professores irradiam (A12, Goiânia/2003).

Mesmo na correria das aulas, o professor dá aulas em vários cursinhos e colégios durante o dia, mas quando se tem uma dúvida, e necessita ter uma atenção fora da sala, lá estão eles prontos a nos atender (A33, Goiânia/2003).

Ao caracterizarem o tipo de vínculo estabelecido com seus alunos vestibulandos, alguns professores expressam cuidado com a questão afetiva, como se verifica nos depoimentos que se seguem:

Profissional e afetivo. Me preocupo realmente com a sua aprovação (principalmente em escolas com alunos de classe média-baixa) (P6, Goiânia/2004).

Um vínculo de amizade, confiança e, principalmente, de dedicação e respeito. Claro que não existe fórmula para se aplicar, afinal, cada grupo é bem distinto o que torna o trabalho ainda mais gratificante. No entanto, tento seguir sempre essa linha, adquiro o carinho dos grupos em sua maioria, pois é difícil agradar a todos, e tenho obtido sucesso ao longo dos anos de experiência e dedicação para com eles. Mostro que com responsabilidade podemos chegar longe “juntos”. Essa troca é fundamental (P8, Goiânia/2004).

Demonstrando um posicionamento diferente, P15 afirma que o único tipo de vínculo possível em um semi-extensivo é “profissional já que o ritmo do cursinho não permite o estabelecimento de laços afetivos, pois as aulas são muito ‘mecânicas’”. (Goiânia/2004). P21 afirma também que diante de seus alunos “de cursinho nenhum [afeto], apenas os vejo como platéia” [...] (Goiânia/2004).

Fechando a análise em torno do objeto, Tardif (2002) afirma que os alunos são seres ativos, capazes de oferecer resistência às iniciativas do professor, o que pressiona o docente a fazer que as ações dos alunos se harmonizem com as suas. Os depoimentos dos professores nesta pesquisa contribuem para a reafirmação dessa afirmativa, quais sejam:

Tento fazer com que os alunos me vejam como alguém que está ali para ajudá-los a escrever e não uma pessoa que está ali apenas para corrigi-los (P9, Goiânia/2004).

É importante que o aluno veja no professor um mediador, um amigo e um profissional capaz de prepará-lo pra enfrentar os exames vestibulares (P10, Goiânia/2004).

Procuro estabelecer um vínculo de amizade e respeito com os alunos fazendo com que haja entre ambos estes elementos (P11, Goiânia/2004).

Sobretudo muito respeito, amizade e procuro também deixar o nosso ambiente harmônico (P17, Goiânia/2004).

O terceiro elemento no quadro de referências de Tardif (2000) refere-se ao resultado do trabalho, que, no caso do trabalho docente, é difícil, senão impossível, de especificar

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