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O Século XX, nas Sociedades Ocidentais, é considerado por muitos como o “Século do Corpo”. Este é concebido como uma “suprema máquina”. Porém, o mesmo corpo que é enaltecido em seu vigor e potencialidade, se revela limitado e insuficiente para fazer frente às exigências que o quotidiano das sociedades industrializadas lhe exige. O fato é que esse paradoxo traduz também as várias dimensões que caracterizam o modus vivendi das sociedades modernas. O corpo é também uma instância que comunica os estados de espírito dos indivíduos.

De fato, a comunicação corporal se manifesta por meio da emissão de sinais que revelam o seu interesse, desinteresse, cansaço, atenção, empatia, prazer e dor. A visibilidade da comunicação corporal transforma o corpo num “cartão de visita”, em um conjunto de dados que permitem ao individuo fazer um juízo de valor acerca do estado de saúde, do humor ou da aparência do seu semelhante. A expressividade da comunicação corporal revela que o corpo pode ir além da linguagem verbal, se revelando como fonte de múltiplas significações (STOER; MAGALHÃES; RODRIGUES, 2004). O corpo se revela, ainda, por meio da imagem que cada um tem de si mesmo.

A imagem corporal é definida como o conceito e a percepção que cada pessoa tem do seu corpo. O significado de imagem corporal está intimamente relacionado à outras noções como auto – conceito, auto – estima, auto – imagem, conceito corporal e esquema corporal. Esta imagem pode ser modificada por iniciativa própria ou por fatores externos, por alterações rápidas – cirurgias estéticas, traumatismos, tatuagens, piercings, perda ou ganho de peso, etc. – ou por ações lentas – envelhecimento, deficiência, etc (SANTOS; SAWAIA, 2000; STOER;

MAGALHÃES; RODRIGUES, 2004). O corpo também esta na origem do ideal de perfeição que habita a imaginação humana.

O corpo ideal é algo perseguido por inúmeras pessoas. Porém, acerca do que significa um corpo ideal, sabemos que cada sociedade formula seus padrões estéticos segundo os valores, idéias e crenças predominantes em cada época, bem como de acordo com as influências da subjetividade na re-elaboração e re-significação dos mesmos, ou seja, de acordo com a visão que cada sujeito adota para construir a sua própria imagem corporal (JODELET, 1985 apud SANTOS; SAWAIA, 2000). Esses fatos podem ser explicados por algumas modificações que ocorrem no processo histórico de concepção e valorização do corpo.

A transição do mundo “tradicional” ou “antigo” para o mundo “moderno” desencadeou o aumento da utilização da racionalidade como instrumento para entender e controlar o mundo. Essa transformação das sociedades tradicionais em modernas (já se fala em emergência das sociedades pós-modernas) só foi possível graças ao desenvolvimento do capitalismo e ao progresso das ciências (SCHWARTMAN, 2004). Essas mudanças estão na origem do processo de globalização. Conforme descreve Kurz (1998) a globalização e o avanço do capitalismo forjaram uma nova realidade – social, econômica, política, cultura e ecológica – cujos desdobramentos ainda se afiguram difusos. Entres os problemas trazidos por essa nova realidade e mencionados pelo autor, encontram-se a coisificação e a objetivação das relações sociais. Um dos aspectos desse fenômeno consiste na exclusão dos indivíduos14.

Diante desta perspectiva capitalista, a sociedade foi se impregnando de valores e normas, caracterizados pelo consumismo e pela massificação corporal, transformando o corpo em um instrumento, um objeto, uma máquina a serviço de uma ideologia para “produzir” e “consumir”. Não mais existem desejos, emoções e sentimentos humanos. O corpo então foi marcado pela capacidade de produzir (BERT, 1995 apud RESSEL; DIAS; GUALDA, 2004).

Sendo assim, os deficientes físicos fazem parte de uma sociedade de risco, definida por Beck (1994 apud STOER; MAGALHÃES; RODRIGUES, 2004, p. 23) como “uma fase de desenvolvimento da sociedade moderna nos quais os riscos sociais, políticos, econômicos e individuais cada vez mais tendem a escapar às instituições de monitorização e proteção na sociedade industrial”, tornando os indivíduos vulneráveis a uma forma de exclusão social marcadas pela invasão das sociedades por relações sociais globalizadas e baseadas na

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A sociedade moderna tende a transformar as pessoas em indivíduos abstratos através do princípio geral do valor. Nesse sentido, ressaltamos a afirmação de Schwartman (2004, p. 97), “as sociedades modernas de mercado estariam baseadas em valores de desempenho pessoal e em relações sociais fundadas na convergência de interesses mútuos”.

distribuição diferenciada do poder, ou seja, de um lado o dominado, que possui o corpo, vendido e explorado como força de trabalho pelo o outro lado – o dominador (LUCERO, 1995; COUTO, 1995 apud RESSEL; DIAS; GUALDA, 2004).

Para Stoer; Magalhães; Rodrigues (2004, p. 42) “o corpo é um lugar de exclusão e de inclusão social”, existindo diferentes fatores a partir dos quais o corpo pode ser visto como um sinal de pertença e de aceitação ou recusa. Uns fatores, em grande parte, são desencadeados e controlados pela pessoa - como o uso do vestuário - e a impressão de identidades corporais - como os piercings e as tatuagens. Outros dizem respeito a condições dificilmente alteráveis - como a deficiência e a idade.

[...] Pelo corpo passaram, e passam as marcas que determinam a categorização e a valorização desigual das pessoas. No corpo não só seguiram e se reproduziram os caminhos da exclusão, mas também foram criadas formas particulares, por vezes discretas e capciosas, de exclusão (STOER; MAGALHÃES; RODRIGUES, 2004, p. 33).

O corpo pode ser, portanto, alvo de exclusão social15, além de, muitas vezes, traduzir o lugar (posto, função, papel) que o individuo ocupa na sociedade. Eis por que o mesmo é também concebido e revelado segundo as representações que dele se fazem, muitas das quais estão na origem dos estigmas, como é o caso particular da hanseníase. Por isso, convém compreender os outros elementos que constituem as representações do corpo de tais doentes e quais as suas repercussões sobre o estigma que acompanha tal doença.

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Os excluídos são de fato os “desfiliados” que povoam as periferias, caracterizados por terem perdido o trabalho e o isolamente social. Para René Lenoir (1974 apud CASTEL; WANDERLEY; BELFIORE – WANDERLEY, 1997, p. 27) “os excluídos são todos aqueles – deficientes físicos e mentais, velhos inválidos, ‘desadaptados sociais’ – que manifestam uma incapacidade de viver como todo mundo”.

5 HANSENÍASE E ESTIGMA SOCIAL

“Amarradas nas margens do caminho/o cutelo/feriu sem piedade/Por que tardaram os anjos?/O que restou de ti/da pureza que existiu/e para onde irás/Teresa de Jesus/Vingar a ofensa de teu povo quiseste/vingar a tua ofensa/da profundidade,/mas a aura espalhou- se em ti/como a doença da lepra a fuligem da fornalha do auto-de- fé/contamina (profana) o ar da tranqüila Ávila/e água purificadora não há”.

(A Aura Pervadiu, Shulamit Halevi).

O termo estigma foi criado pelos gregos “para se referirem a sinais corporais com quais se procurava evidenciar alguma coisa de extraordinário ou mau sobre o status moral de quem os apresentava [...] uma pessoa marcada, ritualmente poluída, que devia ser evitada; especialmente em lugares públicos”. Atualmente, o termo é mais relacionado à desgraça do que a evidência corporal dos sinais (GOFFMAN, 1982, p. 11).

Goffman (1982, p. 14), menciona três tipos diferentes de estigma: (1) “abominações do corpo – as várias deformidades físicas”; (2) “as culpas de caráter individual, percebidas como vontade fraca [...], por exemplo, [...] prisão, vício, alcoolismo, homossexualismo, desemprego, tentativas de suicídio [...]” e (3) “estigmas tribais de raça, nação e religião”. E a hanseníase se afigura em pelo menos um tipo: a doença diz respeito às abominações do corpo, e aqui colocadas, por exemplo, as manifestações dermatológicas e neurológicas mencionadas anteriormente, e a alteração na coloração da pele observada nos pacientes que fazem uso da PQT (reação cutânea adversa).

Observa-se na sociedade moderna um preconceito – discriminação para com algumas doenças, inclusive a hanseníase. Para Sontag (1984, p. 07) “a doença é o lado sombrio da vida, uma espécie de cidadania mais onerosa. Todas as pessoas vivas têm dupla cidadania, uma no reino da saúde e outra no reino da doença”.

Ainda conforme Sontag (1984, p. 10) a doença em si desperta certos tipos de pavores, sendo as contagiosas encaradas como um mistério e temida de modo muito agudo: “o contato com uma pessoa acometida por doença tida como misteriosa malignidade afigura-se inevitavelmente como uma transgressão ou, pior, como violação de um tabu”. Segundo a crença antiga, as doenças eram castigos divinos, e para um enfermo curar-se deveria ser

purificado espiritualmente por um sacerdote. Os doentes que não fossem curados eram considerados amaldiçoados.

De acordo com Martins (1994), na antiguidade, sempre que surgia alguma doença "estranha", que não podia ser curada pelos meios domésticos comuns, supunha-se que a causa era sobrenatural, enviada por demônios, por feiticeiros ou pelos deuses. Em qualquer caso, acreditava-se que essas doenças estavam associadas também a algum tipo de infração cometida pelo doente ou por alguém de sua família. Essa infração poderia ter sido algum tipo de pecado ou ofensa a um ser sobrenatural, ou algum comportamento errôneo para com outras pessoas – uma transgressão social ou moral. Para determinar o tipo exato de doença, o curandeiro precisava fazer com que o doente procurasse se lembrar de todo tipo de falta cometida, que pudesse ter desencadeado a doença como castigo.

Todas as doenças, por serem um obstáculo em nosso caminho, nos perturbam profundamente. Quase sempre, tocamos a vida sem pensar no corpo, apenas utilizando-o para chegar onde queremos. Entretanto, quando adoecemos, só pensamos na cabeça que dói ou naquela indisposição no estomago. Sentimo-nos à mercê de forças além do nosso controle. As doenças infecciosas têm um aspecto ainda mais perturbador: às vezes, contraímos a doença de outra pessoa. Isso pode transformar o medo da doença em medo do outro. Na reação a esse medo, os seres humanos têm sido incrivelmente corajosos e cruéis (FARREL, 2003 apud PROENÇA, 2005, p. 30).

No antigo Japão, por exemplo, a “lepra” era considerada como impureza, poluição e manifestação do pecado. Os doentes não podiam ser purificados através dos rituais, enquanto a doença permanecesse. O estigma social envolvia não apenas o doente, mas toda sua família e seu clã. Na Índia a hanseníase era considerada a pior das doenças, uma punição aos pecados por ações cometidas na vida anterior e presente (CLARO, 1995 apud NUNES, 2005).

Como conseqüência do histórico da doença e do tratamento – discutido anteriormente, foi construído certo pavor em torno da hanseníase, fazendo com que até hoje permaneça este estigma diante do mais simples contato com o portador e às suas possíveis conseqüências – lesões ulcerativas na pele e deformidades nos membros. Conforme afirma Claro (1995 apud NUNES, 2005) essa patologia é envolta por muitos tabus e crenças de natureza simbólica – conjunto de imagens e idéias – desde tempos remotos e, ainda hoje, apesar dos avanços científicos no diagnóstico precoce e no tratamento com cura completa, conserva-se a imagem que fizeram dela uma das doenças mais temidas em todos os tempos, lançando-a “para o lado mais obscuro da sociedade” (MACIEL, 2004, p. 02).

No caso da hanseníase, o estigma social vai muito além do medo da doença e do paciente, é criada uma situação denominada por muitos estudiosos de “leproestigma”. Este fenômeno leva a manutenção da enfermidade por trazer dificuldades para o seu diagnóstico e

tratamento. A maioria dos casos notificados ainda são formas avançadas da doença, o que permite deduzir que o diagnóstico e tratamento estão sendo realizados tardiamente.

Descoberta a bactéria, tornou-se infame qualquer associação da doença a motivos religiosos. Porém, a antiga lepra ainda era motivo de preconceito e medo, pois não existia a cura e suas seqüelas deformavam o corpo do infectado. Com o surgimento de medicamentos para o controle da moléstia e o aprimoramento do conceito de saúde pública, era cada vez mais ilógico renegar e amaldiçoar uma doença, mas o imaginário coletivo do início do século XX era constituído de superstições e crendices.

Formiga (apud A JORNADA..., 2007) em seu artigo Mancha Anestésica Social define hanseníase como uma “doença infecciosa relativamente benigna, pouco contagiosa, não letal” e lepra como uma “doença social grave em torno de um núcleo físico relativamente pouco importante”. Por esse motivo, “ainda hoje um paciente não pode chegar, num serviço de saúde, e dizer tranquilamente: ‘eu tenho uma mancha anestésica’, porque carregamos uma mancha anestésica social (ignorância) que contribui efetivamente para a desagregação da personalidade do paciente”.

A representação social do portador de hanseníase traz, pois, consigo uma enorme carga

de estigma. Ao mesmo tempo a “estigmatização” 16 do doente enseja diversas formas de

preconceito e discriminação, dos quais falaremos a seguir. Estes fenômenos geram ainda vergonha, ostracismo e sofrimento em seus portadores. É comum que diante disso o individuo procure fugir do convívio social ou então ocultar com roupas as marcas ou sinais deixados pela doença – “auto – estigmatização”. Este fato gera tensão no individuo, o que pode contribuir para tornar ainda mais grave a enfermidade. O estigma da hanseníase restringe, pois, a exposição e o papel sociais do individuo, já que o torna prisioneiro do olhar do outro ao ser alvo, de forma real ou imaginaria, do julgamento. Essa segregação, muitas vezes voluntária, acarreta em muitos casos a “morte social17” do individuo. Assim, além de muitas vezes o incapacitar para o trabalho, em razão das lesões, a hanseníase traz consigo o estigma que tende a gerar o autoconfinamento do individuo ainda que o mesmo se sinta apto para o trabalho e para a vida social. Essas crenças enfunadas sobre a doença têm gerado atitudes discriminatórias que ampliam o sofrimento do individuo, podendo, ainda contribuir para

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Definida por Claro (1995 apud NUNES, 2005, p. 15) “como uma técnica de controle social sobre o indivíduo desviante, transferindo o foco de atenção do ato em si para o autor e definindo-o publicamente como aceitável e repreensível”.

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O estigma da lepra, então, pode ser assumido como o processo mediante o qual se restringe o papel social do individuo a partir do momento do diagnóstico. Tal processo, que provocava, até poucos anos, uma segregação compulsiva, continua representando a morte social e o ingresso do individuo na categoria de não – humano (ROMERO – SALAZAR, 1995, p. 536, tradução nossa).

piorar o quadro da enfermidade. O comportamento do individuo portador tanto quanto daquele que o avalia tende a ser moldado por valores sócio-culturais fundados em idéias preconcebidas.

Como se não bastasse o caráter deletério da representação negativa que a doença assume, a estigmatização muitas vezes está aliada à idéia de que o doente é também culpado pela sua doença. Com isso, o portador passa também a se culpar por um mal com o que se julga responsável, ou seja, ele passa a criar sua própria representação da doença, se colocando, ainda, como agente causador do mal que o atinge. Essa engrenagem perversa contribui para ampliar o sofrimento do doente que, além de excluído, passa a também se ver como responsável, em ultima instância, pela doença. Esses elementos tendem a interferir no tratamento, fortalecendo, ainda, o isolamento social do enfermo. O sujeito portador tende a encobrir ou mascarar sua doença dificultando com isso as primeiras ações de diagnóstico e tratamento da mesma. A condição de estigmatizado faz com que o individuo evite se expor ao olhar do outro e busque o confinamento como forma de fugir ao julgamento negativo que acompanha a avaliação da doença.

Portanto, o estigma ligado à hanseníase é também acompanhado de limitação funcional, exclusão social e sofrimento humano. A imagem social negativa compromete as medidas visando a prevenção e o tratamento da referida enfermidade. Eis por que a hanseníase tende a acarretar mudanças radicais na vida do paciente. O impacto causado pela doença atinge o cotidiano dos indivíduos cuja realidade já é marcada por abandono, deformidades e problemas psicossociais. Os pacientes manifestam desconforto em decorrência da alteração da sua aparência, pois ela se faz acompanhar de uma representação já estigmatizada da doença. O estigma está, pois, na origem das descriminações e preconceitos que acompanham a doença.

O preconceito e discriminação se constituem como importantes fatores de exclusão e sofrimento dos portadores de hanseníase. Esses fenômenos são alimentados pelo estigma que, como já mostramos, acompanha historicamente a doença. A hanseníase, além dos males físicos que provoca, desencadeia em seu portador medo, tristeza, vergonha. A discriminação tende não somente a interferir no tratamento, como também a fragilizar ainda mais a pessoa que irá alimentar o receio de ser atingida por atos discricionários e preconceituosos por parte de familiares, amigos ou desconhecidos. A estranheza e o afastamento das pessoas conduzem o paciente a sofrer a angústia da solidão e a se sentir apartado da vida. O estigma ligado à hanseníase diz respeito à negação da integridade física do paciente e a sua aparência física, por isso ela pode, em alguns casos, a ser atenuada ou mesmo suprimida se os sinais da doença desaparecem. Assim, “embora a hanseníase seja uma doença que, uma vez tratada, apresenta

chances significativas de cura e não apresenta contagio, em função do preconceito cultural, apesar dos esforços dos profissionais de saúde, ainda persiste uma situação de estigma em relação à doença” (NUNES, 2005, p. 52). Lutar contra a persistência do estigma é um dos maiores desafios a serem enfrentados pelos enfermos e também pelos responsáveis pelo seu combate e tratamento.

O medo de rejeição social amplia ainda mais o sofrimento dos seus portadores, pois gera atitudes de encobrimento e dissimulação da doença. Esse fato também interfere no envolvimento do enfermo com sua própria cura. A vergonha e a desmoralização estão presentes no plano concreto da existência do portador, o que tão-somente contribui para tornar ainda mais penosa sua situação. O sofrimento psíquico é, pois, mais um sintoma causado pelo estigma e pelas atitudes discricionárias e preconceituosas que ele suscita. Como conseqüência disso, ocorrem, freqüentemente, casos de ansiedade, tristeza e depressão associados à doença. Neste cenário de dor e sofrimento também estão presentes o sentimento de culpa e a impotência diante de uma doença que traz consigo algo mais do que mutilações, marcas corporais e desconforto físico. O impacto emocional intenso cria no paciente até mesmo comportamentos “auto – estigmatizantes” em que ele atribui a si mesmo características negativas, como se ele devesse também se punir pela doença que o acomete. O sofrimento mental potencializa, nesse sentido, os efeitos somáticos da doença dificultando, ainda mais, as suas possibilidades de cura. O impacto do estigma sobre a realidade do doente é avaliado como um dos fatores que mais dificultam o seu enfrentamento e, numa escala maior, o combate à sua transmissão. Eis por que o estigma que acompanha a hanseníase deve ser analisado como um fator psicossocial de extrema importância à compreensão de sua natureza e formas de manifestação.

O sofrimento social e o impacto causado na vida cotidiano do paciente fazem com que o estigma seja também um elemento a ser levado em conta pelas políticas públicas de combate à doença. Disso se infere que as ações educativas devem se impor como um instrumento fundamental para o correto enfrentamento do problema. Assim, convém não apenas instruir ou informar as pessoas acerca das formas de evitar o contágio e a transmissão da hanseníase, mas também dotá-las da capacidade de assumir uma postura diferente diante do enfermo. Isso significa ensina-las a adotar uma nova postura em face do fenômeno. Aliás, algumas iniciativas simples como a eliminação dos termos “lepra”, “leproso”, “leprosa”, demonstram como isso pode contribuir para arrefecer o estigma que acompanha a enfermidade (OLIVEIRA et al., 2003). Ainda que os termos antigos sejam empregados por alguns indivíduos (muitos dos quais os utilizam como forma de manifestar seus preconceitos), parece

evidente que sua substituição por termos como “hanseníase”, “portador de hanseníase” contribui para atenuar o estigma e, por conseguinte, diminuir os casos de preconceito e discriminação. Apesar disso, não há como negar que a representação tradicional da doença é ainda muito presente na mentalidade das pessoas e isso dificulta enormemente a mudança dos (pré)conceitos e julgamentos que elas possuem da doença. Eis por que, mesmo após a adoção da nova nomenclatura, ocorrida oficialmente em 1995, o velho estigma continua latente na cabeça das pessoas, ainda que elas utilizem os novos termos quando se referem à doença (OLIVEIRA et al., 2003). Isso se explica não apenas pelo fato de que tal mudança de termos deve ser sistemática e intensamente promovida pelos canais de comunicação e Órgãos Públicos, mas também porque a tarefa de mudar os esquemas tradicionais de pensamento que nutrem as mentalidades se mostra sempre difícil numa sociedade em que a escolaridade das pessoas ainda se mantém num patamar baixo. Como demonstram os supracitados autores, essas mudanças, para ocorrerem efetivamente, precisam ser acompanhadas de modificações nos parâmetros educacionais e culturais das populações e seus resultados somente poderão ser verificados a médio e longo prazo. O fato é que o contexto cultural favorece a manutenção do estigma, cuja evolução também ocorre em razão das representações sociais que o acompanham, afinal “é somente no interior de um determinado contexto social e cultural que

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