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O reinado de D. Dinis coincide, como vimos, com o fim de um ciclo iniciado com o movimento da Reconquista. A estabilização da fronteira com Castela e a definição dos limites do reino, a estratégia de defesa da linha raiana e a afirmação de um poder régio forte e centralizado (mantido através de uma burocracia cada vez mais complexa, de funcionários administrativos da Coroa que tomam o lugar dos antigos tenentes) são factores indissociáveis da nova fase que agora se inaugura. Recordemos a última imagem do território de Penafiel quando, desde meados do século XIII, a unidade administrativa terra começou a perder o carácter senhorial que até aí manteve.

A documentação relativa à centúria de Duzentos é extremamente escassa. Na verdade, com excepção das Inquirições Gerais de 1258, temos apenas quatro diplomas disponíveis que concernem o território de Penafiel, sendo dois deles as últimas doações que conhecemos ao Mosteiro de Paço de Sousa348.

Em meados da centúria o território apresenta-se dividido em senhorios laicos e eclesiásticos, com larga predominância destes sobre aqueles, e que detinham as suas unidades de exploração agrícola nas zonas dos melhores solos, concentrando a distribuição do povoamento nos vales férteis. A acção e domínio de influência dos mosteiros de Paço de Sousa e Bustelo sentem-se de forma inequívoca na quantidade de propriedades que detêm em sua posse.

Fizemos já referência às propriedades do Mosteiro de Paço de Sousa no capítulo anterior, mas os domínios que o Mosteiro de Bustelo alcança até aos meados do século XIII não são de forma alguma de menosprezar, conforme se ilustra no Quadro XIII349. A carta de couto foi-lhe outorgada por D. Afonso III,

portanto já numa época relativamente tardia face a outras instituições monásticas da zona350. Dentro dos limites do couto, o Abade gozava do privilégio da eleição de um

juiz do cível que ouvia e julgava os feitos, apelando-se deste para aquele, e do Abade para o Rei, conforme a confirmação dos privilégios de 1326351. A jurisdição

do crime era exercida, no século XIV, pelo juiz real de Penafiel, entrando o meirinho

348 LTPS 155 de 1206, e LTPA 157 de 1222, respectivamente, os testamentos de Aurodona Mendes e de

Martinho e Gontinha Garcia, com o marido desta, Paio "Mouro.

349 Vejam-se a lista de aquisições do Mosteiro de Paço de Sousa em MATTOSO (1968), p. 383-394.

350 Cfr MAIA (1991), p. 59, a partir de S. TOMÁS, Fr. Leão de, Benedictina Lusitana, I.N.CM, Lisboa, 1974, vol.

IL p. 252.

351 CCLP, 63-64.

no couto em casos de prisão por crime. Aliás, o mesmo deveria acontecer com o Mosteiro de Paço de Sousa, pois ainda no século XII era o tenente da terra que julgava os crimes cometidos dentro do couto352.

Ao contrário do que alguns autores referem, o Mosteiro de Bustelo não teve qualquer carta de foral353. A atribuição da carta dionisina de 1286 a Bustelo de

Penafiel baseia-se possivelmente na interpretação errónea da existência de uma minuta de foral, mas respeita a Bustelo de Cinfães354.

O único foral atribuído na terra de Penafiel até ao século XVI foi o de Entre- os-Rios, outorgado por Teresa Rodrigues aos cem homens que povoassem a "(...)

Ruam de Ribeira de antrambos Rios de lo Castineiro da fooz do Tâmega usque ad finem vel ciman de lugaris (...y355 A atribuição deste foral vem na sequência da

doação de D. Sancho I, em 1210, do couto de Entre-os-Rios à condessa Toda Palazim, sua mãe356. Em 1264 estará fundado o Mosteiro de S. Salvador de Entre-

os-Rios, por acção de Chamôa Gomes e seu marido, Rodrigo Forjaz, sendo-lhe doado o couto e os direitos da passagem fluvial.

Além dos coutos eclesiásticos, mantinham-se ainda em 1308 o couto do senhores de Portocarreiro, em Curveira (Portela) e, provavelmente, o de Urro.

As honras sofreram, aparentemente, um decréscimo do seu número, pois em 1258 documentava-se um total de trinta e quatro, decrescendo em dez o número das reservas mencionadas no inquérito de 1308. Estamos convictos, porém, que esta imagem espelhada pelas Inquirições dionisinas em relação às honras estará relacionada, por um lado, com o facto destas serem omissas em relação a algumas freguesias, e por outro com a transmissão de bens aos Mosteiros de Paço de Sousa e Bustelo por parte dos ricos-homens nas centúrias anteriores. Apesar de tudo, veirifica-se um decréscimo do número de casais em posse da Igreja, mas, mesmo assim, cerca de 80% da propriedade continua a integrar os domínios eclesiásticos.

A distribuição espacial dos senhorios e dos casais manteve-se praticamente a mesma ao longo do tempo, registando-se apenas uma pequena expansão do povoamento na zona Sul do concelho, visível sobretudo na freguesia de Canelas, decorrente talvez do crescente desenvolvimento do comércio e transporte de

DMP, DP IV 369 e Mem., p.15, de 1123. SOUSA ef COELHO (1996), p.104. Cfr. LIMA (1932-1941), vol. I, p.170 FERREIRA (1994), p. 5-6. DS 188. 137

pessoas e bens, que deve ter-se intensificado naquela zona em consequência do eixo viário Porto - Entre-os-Rios e suas ligações para Norte e o interior do país.

A expansão demográfica do século XIII parece não ter tido grande reflexo no território de Penafiel, cuja organização e distribuição do povoamento aparece perfeitamente estruturada já desde o século XII, conforme se pode observar pela análise dos Mapas IV e V. Os reflexos da expansão poderão apenas ser visíveis através da toponímia, registando-se algumas Póvoas emergentes nas freguesias mais próximas de S. Martinho de Moazáres. A este processo não será certamente alheia a proximidade à estrada Porto-Amarante, à margem da qual o lugar de Arrifana se foi igualmente desenvolvendo, até tornar-se sede do concelho357.

Este facto pode também ser comprovado pela evolução das freguesias e paróquias, cuja formação e delimitação remonta igualmente às centúrias anteriores. Para essa análise servimo-nos das referências documentais do capítulo anterior, da lista das paróquias do Rol das Igrejas do Rei (utilizada por Domingos Moreira na sua obra de inventariação onomásticas e cuja data crítica se situa entre [1220-1259]), e ainda das Inquirições de 1258 e 1308358.

QUADRO XVIII - EVOLUÇÃO DAS PARÓQUIAS

Freguesia Anterior a [1220-1259] Referida em [1220-1259] Referida em 1258 Referida em 1308 S. Gens de Boelhe - X X X S. Miguel de Pacinhos - X - - S. Miguel de Bustelo X - X - S. Salvador da Gândara - X X X S. Mamede de Canelas X X X X S. Pedro de Croça X X X X S. to Adrião de Canas - X X X S.to Maria de Eja X X X X

Ver números 133 a 136 do Corpus Arqueológico, cartografados no Mapa VII. MOREIRA (1974-1990).

QUADRO XVIII - EVOLUÇÃO DAS PARÓQUIAS (CONTINUAÇÃO) Freguesia Anterior a [1220-1259] Referida em [1220-1259] Referida em 1258 Referida em 1308 S. Miguel de Entre-os-Rios X - X X S.13 Marinha da Figueira X - X X

S. Tiago de Fonte Arcada X - X X

S. Salvador de Galegos X X X X S. Mamede de Fafiães X - - - S. Pedro de Caifas - X X - S. João de Guilhufe X X X X S. Vicente de Irivo X - X X S.te Maria de Coreixas X - X X S. Martinho de Lagares X X X X S. João de Luzim X X X X Santiago de Louredo X X X X S.to André de Marecos - X X X S. Martinho de Milhundos - X X X S. João de Rande X - - X S. Salvador de Novelas X - X - S.to Estevão de Oldrões X X X -

S. Salvador de Paço de Sousa X - X -

S. Miguel de Paredes X X X X

S. Martinho de Moazares X X X X

St e Maria de Peroselo X X X X

S.Vicente de Pinheiro ou Curveira X - X

QUADRO XVIII - EVOLUÇÃO DAS PARÓQUIAS (CONTINUAÇÃO) Freguesia Anterior a [1220-1259] Referida em [1220-1259] Referida em 1258 Referida em 1308

S. Vicente de Barbosa a Nova - - - X

S. Paio de Curveira ou Portela X X X X

S. Miguel de Lardosa X - - -

S. Miguel de Barbosa a Velha - - X X

S. Tomé de Canas X X X -

S. Martinho de Rio de Moinhos X - X X

Santa Marta de Crasto - X X X

S. Miguel de Urro X - X -

S. Tiago de Valpedre X X X X

S. Romão de Vila Cova X X X X

Como se pode observar, a lista de paróquias mencionadas nos inquéritos do século XIII decorre já das que estão formadas nas centúrias anteriores, verificando- se apenas a mudança de nome de algumas e a extinção de outras. Foi o caso da paróquia de S. Mamede de Fafiães, entretanto extinta e incorporada em S. Salvador de Galegos, e a de S. Pedro de Lardosa, incorporada em S. Tomé de Canas. Verificam-se igualmente algumas associações temporárias entre paróquias, como é o caso de Irivo e Coreixas, e de Santa Marta com Croça. De qualquer forma, a estrutura do povoamento e a organização religiosa do território mantêm-se praticamente as mesmas ao longo do tempo.

Para a extinção da terra podemos provavelmente apontar o início da centúria de Duzentos, pois a última referência que temos a um seu tenente é, como dissemos, de 1120. As Inquirições de 1258 ainda transmitem a imagem da administração de cariz senhorial, fazendo-se constantes referências ao Domino

Terre e aos serviços e foros que se lhe faziam, mas a presença de inúmeros

funcionários régios no território traduz já a centralização administrativa emergente, que culminará no decurso da centúria com a extinção da terra.

Capítulo IV