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Esquema 1 As metafunções da GSF e da GDV

3.3 A imagem sob diferentes perpectivas

3.3.4 A imagem na perspectiva da Semiótica Social

Os autores da Gramática do Design Visual, Gunther Kress e Theo van Leeuwen ([1996], 2006), apontam, nas páginas iniciais do livro, o contexto em que a Semiótica Social emergiu, como terceira escola semiótica, do final do século passado.

Mas, afinal o que é Semiótica Social? Qual a tarefa do semioticista social? Para Dionísio (2014, p.47-48), a tarefa do linguista ou semioticista social é apresentar os sistemas de escolhas e as possibilidades do uso de diferentes modos. Baseada em um dos autores da GDV, van Leeuwen, que afirma que “não deveríamos perguntar o que é Semiótica, mas sim que tipo de atividade é a Semiótica, ou ainda, o que faz um semioticista.” A autora nos mostra as três propostas elencadas por ele sobre o fazer de um semioticista:

(i) coletar, colecionar e catalogar sistematicamente, inclusive com suas histórias, os recursos semióticos; (ii) investigar como os recursos semióticos são usados em contextos institucionais, históricos, culturais específicos e como as pessoas falam sobre os recursos nestes contextos (ou seja, como planejam, ensinam, justificam, criticam etc.) e (iii) contribuir para descobrir e desenvolver novos recursos semióticos e novos usos dos recursos existentes. (DIONÍSIO, 2014, p.47-48)

O que se percebe, com base no excerto acima citado, é que o foco da Semiótica Social não tem como limite apenas o texto visual, e sim a relação que uma imagem possa suscitar, num dado gênero textual, como processo interativo.

Assim, com a finalidade de que entendamos em que contexto histórico a Semiótica Social surgiu, os autores discorrem sobre o tema nas páginas iniciais da Gramática do Design Visual, sobre as outras escolas semióticas que os antecederam. Posteriormente, apontam-nos em quais pressupostos se embasaram para criar a Teoria da Semiótica Social.

Como primeira vertente, a Escola de Praga nasceu, basicamente, entre os anos 30 e 40 com os formalistas russos, que desenvolveram conhecimentos linguísticos e outros estudos que tiveram aplicabilidade nas artes plásticas, no teatro, no cinema, na moda, e que, como sistemas semióticos, tiveram a

possibilidade de cumprir as mesmas funções comunicativas: poética e referencial.

A Escola Parisiense foi a segunda, que teve o seu apogeu entre as décadas de 60 e 70 e tinha como base as ideias de Saussure, na linguística, para analisar a fotografia e a moda. As ideias de Roland Barthes eram o eixo norteador dessa escola. O estudo do cinema teve a frente Metz; Nattiez, a música; Fresnault-Deruelle para as Histórias em quadrinhos. Apesar de consideradas ultrapassadas pelos pós-estruturalistas, ainda hoje, em alguns cursos de comunicação, as ideias da escola parisiense são empregadas.

Já a Semiótica Social foi a terceira escola que se desenvolveu no final do século passado. Surgiu na Austrália, no final dos anos 1980, e teve como principal fundamento os pressupostos estabelecidos pela Linguística Crítica. Esta, por sua vez, assenta-se na proposta da Gramática-Sistêmico-Funcional (doravante GSF), de Michael Halliday, que busca sistematizar métodos adequados para análise e compreensão do sistema linguístico –, sendo a língua um dos modos semióticos que cumpre propósitos sociais – no qual elegemos nossas escolhas, em razão do contexto social em que estamos inseridos. Estes pressupostos linguísticos são empregados no processo de comunicação e representação. O autor da GSF enfatiza que a sua “Gramática vai além de regras formais de correção. É que ela é um meio de representar padrões de experiência que permite aos humanos construir quadros mentais da realidade, para dar sentido a experiências do que se passa ao seu redor e dentro deles.”8 (HALLIDAY,1985, p.101 apud KRESS; LEEUWEN, 2006, p. 2).

Ao compreender a linguagem como um modo semiótico que tem propósitos sociais, Michael Halliday instituiu a noção de metafunção e as denominou: ideacional, interpessoal e textual – metafunções que são aplicáveis a todos os modos semióticos e não especificamente à fala e à escrita

Embasados nas ideias de Halliday – que estiveram, originalmente voltadas para o sistema linguístico – os teóricos Gunther Kress; Theo van

8Grammar goes beyond formal rules of correctness. It is a means of representing patterns of

experience... It enables human beings to build amental pictures of reality, to make sense of their experience of what goes on around them and inside them. (HALLIDAY,1985, p.101 apud KRESS; LEEUWEN, 2006, P. 2)

Leeuwen produziram a Gramática do Design Visual 9([1996]2006) que amplia

para outros modos de comunicação o que antes se restringia ao sistema linguístico.

Os autores da GDV nos dizem que essa gramática é diferente das outras, pois:

[...]descreve um recurso social de um grupo particular, o seu conhecimento explícito e implícito sobre este recurso, e seus usos nas práticas desse grupo. Em segundo lugar [...] é uma gramática bastante geral, porque precisamos de um termo que possa abranger pintura a óleo, bem como layout de revista, bem como histórias em quadrinhos, bem como o diagrama científico.(KRESS; LEEUWEN, 2006, p. 3)10

Com base nas informações dos autores, percebemos que houve ampliação das ideias em relação aos conceitos pressupostos da GSF, já que os textos são construtos multimodais e que trazem em sua estrutura escolhas específicas de seus produtores. A gramática proposta por eles visa detalhar como se dão esses modos nos processos de comunicação – assim como fez Halliday, no sistema linguístico – para que possamos ler textos que trazem linguagens diferentes e misturam diferentes modos como palavras, imagens e outros recursos semióticos.

Vejamos no esquema a seguir os aspectos que relacionam a GSF e a GDV:

9 Título original: Reading Images: The Grammar of Visual Design

10 We might now ask , ‘What is our” visual grammar” a grammar of?’ First of all we wold say that it describe a social resource of a particular group, its explicit and implicit knowledge about this resource, and its uses in the practices of that group. Then, second, we would say that it is a quite general grammar, because we need a term that can encompass oil painting as well as magazine layout, the comic strip as well as the scientific diagram. .(KRESS; LEEUWEN, 2006,P. 3)

As metafunções da GSF e da GDV

Esquema -1. As metafunções da GSF e da GDV. Fonte: A Gramática Visual (FERNANDES; ALMEIDA, 2008, p. 12)

Desta forma, vemos que a GDV procura fornecer registros das estruturas composicionais que vêm se modificando em convenções na Semiótica Social, ao investigar como essas estruturas são empregadas por produtores contemporâneos que fazem uso de diversos modos semióticos para produzir sentidos.

Quase sempre, apresentando em suas estruturas mais de uma modalidade semiótica, a produção de muitos gêneros textuais nos mostra que a predominância do código escrito tem diminuído significativamente nos últimos tempos e que a variedade de semioses – ilustrações, fotos, gráficos, aliados à

cor, ao tipo de papel, à diagramação da página, dentre outras semioses – têm crescido consideravelmente. Vieira (2015, p. 45-46) nos diz que:

[...] em contextos multimodais, as imagens transformam-se em referências diretas ou indiretas da realidade física e social, sendo necessária uma escolha seletiva, tendo em vista que as sociedades usam imagens como um modo de legitimar argumentos e fatos relatados e descritos, entretanto não podemos ignorar que as imagens usadas pelas diversas mídias contribuem com a identificação das formações ideológicas construídas nesses diferentes espaços midiáticos e também podem revelar a manipulação de ideologias que pode ocorrer na seleção das imagens mostradas e também naquelas que foram expurgadas ou ocultadas.

Percebe-se que a mudança na composição dos gêneros textuais tem provocado transformações, não só nos formatos desses textos, mas também no tipo de leitura e, consequentemente, no tipo de leitor que, na atualidade, precisa ter um “novo olhar” – menos ingênuo – para compreender os vários contextos sociais em que os textos circulam e perceber, também, as ideologias que esses tipos de texto, que estão ficando cada vez mais multimodais, trazem. Mas afinal, o que vem a ser multimodalidade? Na obra, Multimodalidades

e Leituras: Funcionamento cognitivo, recursos semióticos, convenções visuais,

Dionísio (2014, p. 48-50) cita uma das maiores pesquisadoras em estudos da multimodalidade e ensino, que é Carey Jewitt (2009), a qual define em um verbete o que é Multimodalidade. A autora afirma que a multimodalidade é

[...] uma abordagem interdisciplinar que entende a comunicação e a representação como envolvendo mais que a língua. Os estudos nesse campo têm se desenvolvido nas últimas décadas de modo a tratar sistematicamente de questões muito discutidas sobre as mudanças na sociedade, por exemplo, em relação às novas mídias e tecnologias. Abordagens multimodais têm proposto conceitos, métodos e perspectivas de trabalho para a coleção e análise de aspectos visuais, auditivos, corporificados e espaciais da interação e dos ambientes, bem como da relação entre os mesmos.

Segundo a autora supracitada, a pesquisa multimodal, até o presente momento, pode ser classificada de acordo com quatro principais pontos de concentração:

1) A descrição sistemática de modos e seus recursos semióticos.

2) A investigação multimodal da interpretação e interação com ambientes digitais específicos.

3) A identificação e desenvolvimento de novos recursos semióticos digitais e novos usos de recursos já existentes nos ambientes digitais; e

4) A contribuição para pesquisa de métodos para a coleta e análise de dados digitais e ambientes dentro da pesquisa

social. (CAREY, 2009 apud DIONÍSIO 2014, p. 48-50)

Assim, mesmo com a classificação desses pontos de concentração, a autora nos afirma ainda que há muitas discussões quanto à multimodalidade que podem considerá-la “uma teoria, de fato, ou se é mais apropriado vê-la como um método.” Ao estabelecer um paralelo com à etnografia, há a possibilidade de se dizer que a multimodalidade pode atuar tanto como ‘uma teoria, quanto uma perspectiva ou ainda um método”, isso vai depender dos diversos graus de comprometimento com que a multimodalidade possa ajudar a fazer sentido naquilo que pode ser visto como multimodal. (CAREY,2009

apud DIONÍSIO 2014, p. 48-50)

Desta forma, frente aos diversos gêneros textuais multimodais que imbricam mais de uma semiose, os indivíduos precisam estar habilitados para que possam interpretar de que forma a interação de um determinado modo de representação – com os demais integrantes da composição textual – atuam na construção de sentido.

E por que a escolha desses modos é importante? Certamente porque, quando se almeja comunicar alguma coisa a alguém, espera-se que esse alguém entenda o que queremos informar. Por isso, fazemos uso de diferentes modos para que o nosso objetivo comunicacional seja alcançado. Vieira (2015, p.43) afirma que:

[...] a composição textual multimodal tem alimentado as práticas sociais, cuja riqueza de modos de representação utilizados incluem desde imagens, até cores, movimento, som e escrita, haja vista a existência frequente de eventos híbridos de letramentos, constituídos por composições com linguagem verbal, com linguagem visual e com linguagem corporal, marcas preponderantes do discurso contemporâneo.

Ora, essa posição teórica abre possibilidades para a realização de estudos de letramento, direcionados a outros gêneros multimodais que contemplem diferentes modalidades discursivas que não as presentes na leitura e na escrita tradicional. O argumento forte em defesa desse ponto de vista é o de que ser iletrado em linguagem visual denuncia vulnerabilidade social e baixo empowerment11 do sujeito.

O letramento visual, no mundo contemporâneo, é decisivo, já que as formas de comunicação vêm mudando e os sujeitos têm feito escolhas específicas através dos modos comunicacionais. E essa seleção acontece porque, certamente, sabemos que apenas um modo semiótico não é capaz de alcançar o efeito esperado na produção do gênero textual desejado. Além disso, para que essa comunicação seja eficiente, deve-se levar em consideração não só as finalidades do produtor do texto, mas também as do nosso hipotético leitor.

11 Empowerment: (trad.) empoderamento s.m. ato, processo ou efeito de dar poder a alguém ou a um grupo, ou de alguém ou um grupo tomá-lo [ETM:ING.; Empowerment ‘dar poder a alguém’]. HOUAISS, Dicionário Conciso/ Instituto Antônio Houaiss, organizador; [editor responsável Mauro de Salles Villar]. – São Paulo: Moderna, 2011, p.340.