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Esquema 1 As metafunções da GSF e da GDV

2.2 Aspectos da história da escrita e da leitura e uma breve reflexão

o papel da escola para a melhoria do desempenho dos estudantes em leitura

Apesar de, em geral, quando tratemos de leitura, estejamos nos referindo à interação por meio da escrita, esse termo não se limita a essa concepção. Sendo assim, podemos afirmar que o homem não começou a ler apenas com o advento da escrita. Mas quando começou a se interessar? Será que o desejo de ler é algo recente? Somente aprendemos a ler quando dominamos o código linguístico escrito? Acreditamos que não, não apenas pelo que já afirmamos sobre outros códigos que lemos, mas também pelo fato de sabermos que achados pré-históricos já nos mostram indícios de que, há milhares de anos, em diferentes lugares do planeta, o ser humano sentiu a necessidade de registrar suas ideias e seus sentimentos por meio de códigos, por meio de desenhos que serviriam como instrumentos fundamentais para difundir ideias e informações que pudessem ser lidas pela posteridade. Através das pinturas gravadas nas paredes das cavernas o homem encontrou um primeiro caminho para dizer coisas para o futuro, além de se fazer entender; um elo para a comunicação com outros seres humanos que por lá passassem e lessem, em outras épocas, o que aqueles registraram.

O homem, ao longo da história, fez uso de diferentes formas de registros, de ideias e de sentimentos. Desta forma, considera-se que houve três formas diferentes de escrita, em momentos diferentes na história da humanidade, tendo início com a escrita pictórica, que foi sucedida pela escrita ideográfica, depois da qual, foi criada a escrita alfabética. Evidentemente, em cada etapa, houve uma mediação tecnológica específica para a forma de registro e, consequentemente, para a leitura. De acordo com Soares (2002, p.149), todas “as formas de escrita são espaciais, todas exigem um ‘lugar’ em que a escrita se inscreva/escreva, mas a cada tecnologia corresponde um espaço de escrita diferente”.

Os desenhos – pinturas rupestres – são formas de representação do que acontecia com o homem pré-histórico e com o mundo onde ele vivia. Foram registrados em paredes de cavernas e em rochas. Com o passar do tempo, essas pinturas foram denominadas “pictogramas”, já que eram representações

que podiam ser traduzidas sem perder o significado essencial do que estava sendo representado; logo, eram passíveis de serem lidas e compreendidas por membros de um determinado grupo. Por esse motivo, acredita-se que o homem pré-histórico, com os desenhos que fez, tivesse como finalidade não só desenhar, mas também dar informações através desses desenhos que retratam situações por ele vivida.

Segundo Santaella; Noth (1997, p.13), “as imagens têm sido meios de expressão da cultura humana desde as pinturas pré-históricas das cavernas, milênios antes do aparecimento do registro da palavra pela escritura.” As pinturas rupestres apresentam, em suas formas simbólicas, avisos, fatos, indícios, experiências vividas e hábitos primitivos da época. Além disso, o registro por meio dessa linguagem visual, evidentemente, intencionava expressar, através de sinais e símbolos, desejos, pensamentos e o estado de espírito do ser humano. Conforme Dondis (2007, p. 7):

A experiência visual humana é fundamental no aprendizado para que possamos compreender o meio ambiente e reagir a ele; a informação visual é o mais antigo registro da história humana As pinturas das cavernas representam o relato mais antigo que se preservou sobre o mudo tal como ele podia ser visto há cerca de trinta mil anos. Ambos os fatos demostram a necessidade de um novo enfoque da função não somente do processo, como também daquele que visualiza a sociedade.

Percebemos que a linguagem visual era uma forma de expressão e comunicação para ser lida pelo homem primitivo que desejava interagir com seus pares e perpetuar suas ideias através das imagens. Por ser uma linguagem semiológica, os pictogramas geralmente eram compostos de unidades que os estruturavam, tais como forma, cor, textura, direção, ângulo, espaço, orientação, movimento, dentre outras possibilidades de representação. Entretanto, com o passar do tempo, os sinais foram ficando cada vez mais abstratos. O homem precisou mudar sua forma de registrar ideias, sentimentos, fatos etc., tendo em vista que as práticas sociais foram exigindo mudanças nas formas de interação. O homem começou a ter a necessidade de registros contábeis e escrituras; além disso, começou achar relevante expedir

documentos oficiais, dentre outras coisas. Concomitantemente às relações comerciais, o processo de aquisição da leitura e da escrita também mudava. Braga (2013, p. 27- 28) afirma que:

Ampliando-se o volume de conteúdos e a necessidade de informações foi necessário criarem-se suportes móveis e recursos que facilitassem a gravação nesses suportes (tintas, pincéis, estiletes, entre outros). Surgem assim meios de registros passíveis de serem transportados como placas de pedra, madeira e argila. Paralelamente a essa mudança podemos conjecturar que a necessidade de conceito abstrato e uma maior precisão nas trocas comunicativas fizeram com que os desenhos (pictogramas) fossem gradativamente sendo alterados, evoluindo para representações simbólicas com sentido convencional (ideogramas). Nos ideogramas os desenhos representam sentidos e não são vinculados diretamente à língua falada.

Assim, do sistema pictórico, o homem mudou para uma forma de escrita composta por marcas em forma de cunhas e com um número menor de caracteres. Essa forma de escrita ficou conhecida como cuneiforme e era registrada em tabletes de argila molhada. Surgiu, posteriormente a essa forma de escrita, uma outra convenção chamada ideográfica. Os ideogramas utilizavam rabiscos e imagens que representavam uma ideia. Para os leitores desse tipo de escrita, o contexto e o senso comum eram necessários para ler e compreender o significado do que se queria dizer. Para Soares (2002, p. 149):

Há estreita relação entre o espaço físico e visual da escrita e as práticas de escrita e de leitura. O espaço da escrita relaciona-se até mesmo com o sistema de escrita: a escrita em argila úmida, que recebia bem a marca da extremidade em cunha do cálamo, levou ao sistema cuneiforme de escrita; a pedra como superfície a ser escavada serviu bem, num primeiro momento, aos hieróglifos dos egípcios, mas, quando estes passaram a usar o papiro, sua escrita, condicionada por esse novo espaço, foi-se tornando progressivamente mais cursiva e perdendo as tradicionais e estilizadas imagens hieroglíficas, exigidas pela superfície da pedra. O espaço de escrita relaciona-se também com os gêneros e usos de escrita, condicionando as práticas de leitura e de escrita: na argila e na pedra não era possível escrever longos textos, narrativas; não podendo ser facilmente transportada, a pedra só permitia a escrita pública em monumentos;

Então, de acordo com Soares, no trecho acima citado, posteriormente surgiu a escrita alfabética que veio dos ideogramas e passou por transformações até assumir uma representação mais fonográfica, modelo de escrita em que um som é representado através de um símbolo. Ora, indubitavelmente a escrita alfabética representou uma grande evolução para a comunicação entre os seres humanos. A escrita alfabética foi criada pelos fenícios baseados numa análise consonantal composta por vinte e dois signos, em que cada fonema corresponde a uma letra. Aperfeiçoada pelos gregos, ela passou a ter vinte e quatro signos compostos por consoantes e vogais.

Com o surgimento da escrita, o homem passou a registrar suas memórias, a sua cultura, questões ligadas à política, à arte, à religião, entre outras que exigiam (e exigem) registro e que podiam ser lidas posteriormente por outros homens. Soares (2002, p. 149-150) afirma:

[...] Nos primórdios da história da escrita, o espaço de escrita foi a superfície de uma tabuinha de argila ou madeira ou a superfície polida de uma pedra; mais tarde, foi a superfície interna contínua de um rolo de papiro ou de pergaminho, que o escriba dividia em colunas; finalmente, com a descoberta do códice, foi, e é, a superfície bem delimitada da página – inicialmente de papiro, de pergaminho, finalmente a superfície branca da página de papel. [...]

[...]A extensa e contínua superfície do espaço de escrita no rolo de papiro ou pergaminho impunha uma escrita e uma leitura sem retornos ou retomadas. Já o texto nas páginas do códice tem limites claramente definidos, tanto a escrita quanto a leitura podem ser controladas por autor e leitor, permitindo releituras, retomadas, avanços, fácil localização de trechos ou partes; além disso, o códice torna evidente materializando-a, a delimitação do texto, seu começo, sua progressão, seu fim, e cria a possibilidade de protocolos de leitura como a divisão do texto em partes, em capítulos, a apresentação de índice, sumário. [...]

Assim, nasciam os livros, que surgiram há mais ou menos cinco mil anos na Mesopotâmia e eram produzidos, inicialmente, com materiais variados. De acordo com Soares (2002, p.149), “a página, propiciando o códice4, tornou

4 Códice sm 1. Volume antigo manuscrito; 2.obra de autor clássico: 3.código antigo. Amora, Antônio Soares, 1917-1999. Minidicionário Soares Amora da língua portuguesa/ Antônio Soares Amora. –19ª ed. – São Paulo: Saraiva, 2009.

possível a escrita de variados gêneros, de longos textos. O espaço de escrita condiciona, sobretudo, as relações entre escritor e leitor, entre escritor e texto, entre leitor e texto”.

Verificamos que a constante transformação do mundo exigiu do homem que o processo de leitura fosse modificado, à medida que exigia novas tecnologias de leitura até chegarmos no modelo tal como a leitura se encontra hoje, com o aparato das novas tecnologias digitais. Soares (2002, p.149) nos afirma que “Atualmente, com a escrita digital, surge este novo espaço de escrita: a tela do computador”. Notemos que, com a transposição para o computador, a escrita eletrônica não se limita a textos verbais. Ela é composta por palavras, imagens - estáticas ou dinâmicas. Em vez de ler parágrafos, o leitor pode ver cenas em um vídeo, observar uma sequência de fotografias, ouvir uma narração oral ou escutar um trecho de uma música.

Assim, no mundo contemporâneo, o letramento – domínio das práticas sociais de leitura e de escrita – é insuficiente em nossa sociedade, tendo em vista que o mundo mudou e com ele novas formas de “ler o mundo” surgiram e exigem do indivíduo novas formas de leitura, ou seja, exige-se do cidadão a leitura e compreensão de multiletramentos. Rojo (2012. P, 22-23) afirma que:

Em qualquer dos sentidos da palavra “multiletramentos” – no sentido da diversidade cultural de produção e circulação dos textos ou no sentido da diversidade de linguagens que os constituem – os estudos são unânimes em apontar algumas características importantes:

a) eles são interativos: mais que isso colaborativos;

b) eles fraturam e transgridem as relações de poder estabelecidas, em especial as relações de propriedade (das máquinas , das ferramentas, das ideias, dos textos [verbais ou não ]);

c) eles são híbridos, fronteiriços mestiços ( de linguagens, modos, mídias e culturas).

Vemos que os multiletramentos envolvem a articulação de diferentes linguagens no ato de ler, tais como a leitura de um texto escrito, de uma imagem estática ou de uma imagem em movimento, de um gesto, de um som, de uma música. Exige, ainda, o uso de um equipamento eletrônico e muitas

outras formas de comunicação que possam ser lidas e compreendidas pelos indivíduos.

De acordo com Xavier (2007, p.133):

O crescente aumento na utilização das novas ferramentas tecnológicas (computador, Internet, cartão magnético, caixa eletrônico etc.) na vida social tem exigido dos cidadãos a aprendizagem de comportamentos e raciocínios específicos. Por essa razão, alguns estudiosos começam a falar no surgimento de um novo tipo, paradigma ou modalidade de letramento, que têm chamado de letramento digital. Esse novo letramento, segundo eles, considera a necessidade do indivíduos dominarem um conjunto de informações e habilidades mentais que devem ser trabalhadas com urgência pelas instituições de ensino, a fim de capacitar o mais rápido possível os alunos a viverem como verdadeiros cidadãos neste novo milênio cada vez mais cercado por máquinas eletrônicas e digitais.

Neste sentido, podemos depreender que as tecnologias de informação e de comunicação atuais ampliam e diversificam as maneiras de compartilhar conhecimentos, além de nos instigar a lê-los e produzi-los de maneira colaborativa e, num país como o nosso, onde há tantas desigualdades sociais, ter acesso à leitura – à diversas formas de leitura – necessariamente deve ser uma decisão política e democrática de todos nós, já que dominá-las pode garantir ao cidadão sua efetiva inserção em diversa áreas e, principalmente, no mundo do trabalho, que é extremamente competitivo.

Neste sentido, cabe à escola habilitar os indivíduos para que enfrentem os novos desafios do mundo globalizado, apresentando-lhes novas formas de letramentos como, por exemplo, o letramento digital, tão presente em diversos contextos sociais, como já foi dito. O desenvolvimento de linguagens híbridas envolve, dessa forma, desafios para os leitores e para os agentes que trabalham com a língua escrita. Os multiletramentos devem ser ofertados pela escola, eles são indispensáveis na construção de uma prática docente.

Para Xavier (2007, p.135):

A capacidade de enxergar além dos limites do código, fazer relações com informações fora do texto falado ou escrito e

vinculá-las à sua realidade histórica, social e política são características de um indivíduo plenamente letrado.

Possivelmente alguém, mesmo sendo alfabetizado e tendo alto nível de letramento, isto é, já dominando a tecnologia da leitura e da escrita e fazendo uso dos privilégios do letramento, seja ainda “analfabeto ou iletrado digital”.

O letramento digital implica realizar práticas de leitura e escrita diferentes das formas tradicionais de letramento e alfabetização. Ser letrado digital pressupõe assumir mudanças nos modos de ler e escrever os códigos e sinais verbais e não- verbais, como imagens e desenhos, se compararmos às formas de leitura e escrita feitas no livro, até porque o suporte sobre o qual estão os textos digitais é a tela, também digital.

As informações dadas pelo autor do texto acima citado nos indicam a necessidade de novas práticas para que ajudemos os estudantes da escola básica a construir o letramento digital. No contexto atual, porém, essas mesmas informações nos levam a alguns questionamentos: será que os nossos professores estão preparados para lidar com os novos modelos de práticas de leitura e escrita nos suportes digitais? As instituições públicas e privadas têm dado o devido apoio ao docente para que ele possa melhorar sua prática? E os materiais didáticos têm ajudado nesse processo? E as editoras? Será que estão se preparando para apresentar ao professor um material didático eficiente, que venha a viabilizar o ensino de práticas de leitura e escrita no ambiente virtual? Acreditamos que muitas dessas questões precisam e devam ser pensadas e respondidas para que possamos contribuir para promover mudanças nas práticas docentes, que possibilitem melhor desempenho dos estudantes no que concerne à leitura, inclusive (talvez, principalmente) no universo do letramento digital, que faz parte do nosso cotidiano atualmente.

Por esse motivo, acreditamos que a escola deve criar novas estratégias para motivar o educando a ler além do código escrito, já que o uso intenso das novas tecnologias digitais tem causado mudanças nos novos formatos em que o texto se apresenta na atualidade e exigido o desenvolvimento de mais competências de leitura.

3 TEXTO VISUAL