• Nenhum resultado encontrado

3 OS FUNDAMENTOS TEÓRICOS: RELAÇÃO COM O CAMPO DE

3.3 A RELAÇÃO ENTRE DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM NA

3.3.1 A importância do desenvolvimento infantil para a educação inclusiva

É com o foco histórico-cultural do desenvolvimento humano que nossa investigação se encaminha, buscando políticas públicas e práticas educativas que se configurem como mediação dentro do espaço escolar como garantia do direito à educação de qualidade das crianças público-alvo da educação especial no cotidiano da educação infantil. Essa perspectiva de olhar a deficiência pela via de seu potencial foi defendida por Vigotski (1997) e seus colaboradores desde os seus primeiros escritos sobre defectologia, datados nos anos de 1924 e 1925.

Veer e Valsiner (2001) historicizam que a ciência da defectologia, no início do século XX, caracterizava-se como aquela ciência que estudava e apresentava os diagnósticos acerca das crianças com deficiência mental, das crianças surdas e das crianças cegas. Os primeiros escritos de Vigotski já sinalizavam para a importância da educação social das crianças com deficiência em busca do seu potencial. Dessa forma,

[...] em sua opinião, as escolas especiais da época faziam pouco em termos dessa educação social. Influenciadas por ideias religiosas e filantrópicas, remanescentes de uma mentalidade burguesa originada no mundo ocidental, enfatizavam a situação infeliz das crianças e a necessidade de que elas carregassem sua cruz com resignação. [...] Vigotski defendia uma escola que abstivesse de isolar essas crianças e, em vez disso, integrasse- as tanto quanto possível à sociedade (VEER; VALSINER, 2001, p.74-75).

O potencial da criança com deficiência é visto por Vigotski (1997) de modo bastante claro em suas obras. No tomo V das Obras completas, ao analisar o desconhecimento dos psicólogos e dos pedagogos acerca do potencial do aluno

cego, o estudioso pontua que a educação dos meninos cegos não deveria voltar-se para limitação da cegueira, mas sim para a sua fonte de riqueza. Para Vigotski (1997), o que distingue a criança com e sem debilidade ou deficiência é a sua personalidade, a especificidade de sua estrutura orgânica e psicológica. Sua tese sobre defectologia30 pós-revolucionária pode inspirar a atual educação inclusiva: “[...] a criança cujo desenvolvimento está complicado pelo defeito não é simplesmente uma criança menos desenvolvida pelos seus pares normais, mas uma criança desenvolvida de outro modo” (VIGOTSKI, 1997, p.12). Ademais,

[...] o acesso de uma criança com deficiência a estágios superiores de desenvolvimento psíquico não está atrelado apenas ao plano biológico ou à sua participação na cultura, mas também às oportunidades que lhe são ofertadas para interagir com seus pares e entrar em contato com as elaborações produzidas pela humanidade no decorrer da história, demandando um enraizamento na cultura (BARROSO; LEONARDO, 2016, p. 322).

Para Vigotski (1997), a compensação não surge da força do impulso interno, mas da vida social coletiva da criança e do caráter coletivo de sua conduta, nos quais ela encontra o material para a formação das funções internas que surgem no processo do desenvolvimento compensador, constituindo a base maior da compensação. Ainda afirma que a constituição interna representa algo decisivo para determinar até que ponto a criança é capaz de utilizar esse material. No entanto, é no coletivo que a criança não só irá ativar e exercitar as funções psicológicas elementares, mas encontrará a fonte do desenvolvimento das funções psicológicas superiores.

Vigotski (1997) entende que as crianças com deficiência podem chegar aos mesmos objetivos das outras crianças, porém seguem percursos diferenciados, de modo peculiar e próprio. É importante que o professor, no decorrer desse processo, fique atento para esse fato, no sentido de contribuir com esse percurso. Desse modo, o autor apresenta reflexões sobre a relação do conceito de compensação com a atividade coletiva no desenvolvimento da pessoa com deficiência. A inclusão das pessoas com deficiência em todos os espaços, como expressão prática de consolidação da democracia, aponta a necessidade de um debate aprofundado sobre o desenvolvimento psicológico de pessoas com deficiências, como ele se dá e o que ele requer.

30

Termo utilizado por Vigotski e colaboradores a fim de referir-se à área de estudos teóricos e intervenção relativa comparável ao que hoje denominamos educação especial.

Barroco e Tuleski (2007) chamam a atenção para os estudos de Vigotski no campo da Defectologia, buscando as suas contribuições para a educação e psicologia atuais. A abordagem histórico-cultural concebe o desenvolvimento psíquico da pessoa com ou sem deficiência, como resultado do processo dialético de constituição do psiquismo. O psiquismo humano é visto como síntese de múltiplas determinações. As relações entre as pessoas e seu entorno concretam o modo como se dá a formação do que é humano. Assim, não podemos desconsiderar o contexto histórico e cultural.

Vigotski (1997) afirma que qualquer deficiência, física ou mental, modifica a relação do homem com o mundo e influencia as relações com as pessoas, ou seja, a limitação orgânica se mostra como uma “ anormalidade social da conduta”. Não é a diferença biológica o principal fator que implica em desenvolvimento limitado ou em não desenvolvimento da pessoa com deficiência; afinal o desenvolvimento ocorre sob diferentes modos e valoração em conformidade com as especificidades de cada sociedade. O impedimento que pode se apresentar é, em primeiro lugar, de ordem social, ou seja, depende de como a sociedade concebe a pessoa sob tal condição. As ideias de Vigotski e seus colaboradores levam-nos a pensar em uma educação que valorize a diversidade e nos atentam para a singularidades das crianças. “O autor não nega a diferença, a deficiência, no entanto não a torna uma desigualdade. Atribui importância à prática pedagógica que valoriza os diversos percursos de aprendizagem” (GONÇALVES, 2008, p.18).

Para Barroso e Leonardo (2016), nenhum desenvolvimento, nem mesmo o da criança, pode ser tomado como manifestação de processos inatos que, por si mesmos, gerem mudanças morfológicas e funcionais. Os autores da psicologia histórico-cultural reconhecem que, se há autoadaptação cultural da criança, ela está mais atrelada a condições do ambiente no qual se vive do que propriamente a fatores prévios. “Quando nada ou pouco se espera dos que apresentam deficiências, transtornos globais do desenvolvimento, altas habilidades e/ou superdotação, pouco também se requer, pouco se lhe permite desenvolver” (BARROSO; LEONARDO, 2016, p. 330).

O processo de desenvolvimento dos sujeitos com deficiência está atrelado socialmente a duas condições: a realização social do defeito (gerando o sentimento

de inferioridade); a segunda relaciona-se com a orientação social da compensação, que faz a adaptação das condições do meio que se tem criado e formado para um tipo humano normal (VIGOTSKI, 1997, p. 82). Não é apenas trabalhar com esses sujeitos, identificando a sua condição, mas é necessário identificar e enfrentar os limites sócio-históricos que impedem e dificultam seu desenvolvimento.

Por considerarmos que a diferença evidenciada por esse público está no processo histórico vivenciado por ele durante diferentes tempos e espaços, especialmente na infância, acreditamos que as mudanças de concepções e a implementação de práticas pedagógicas por meio de mediações sistemáticas e intencionais, tendo como meta a formação continuada do professor a partir de processos formativos críticos, com a utilização de diferentes recursos e apoios serão decisivos para a inclusão desse público, pois “[...] a escola só será inclusiva quando souber lidar com a diversidade na unidade; quando souber trabalhar pedagogicamente com diferenças e não tentando homogeneizá-las” (ROCHA, R., 2002, p.68). Quanto ao educador, Vigotski (1997) salienta que ele deve potencializar e capacitar, recusando os limites e as impossibilidades e atuando em planejar e organizar práticas que ajudem a criança a atingir o pensamento de alta generalidade, ou seja, o desenvolvimento das funções psicológicas superiores.

Mesmo com o avanço dos marcos legais e práticos, a educação especial na contemporaneidade depara, no entanto, com problemas não só referentes a seu campo de atuação, mas originados no sistema geral de ensino, que interferem diretamente no propósito de incluir todas as crianças na escola comum, em particular aquelas que apresentam deficiência. Tais reflexões permitem compreender a condição de avanços das políticas educacionais e de práticas pedagógicas para a garantia do direito à educação; possibilitam entender a inclusão escolar por parte dos professores, a fim de que se reconheçam no seu compromisso ético, político e estético com o desenvolvimento e a aprendizagem dessas crianças; e ainda, verificar os impactos nos investimentos na formação de professores para uma análise crítica de sua inserção do cotidiano escolar como mediador nos processos de ensino-aprendizagem, sobretudo das crianças público-alvo da educação especial na educação infantil.

Nos fundamentos teóricos sinalizados, pautam-se as questões relacionadas ao trabalho, ao trabalho docente articulado, à apropriação do conhecimento e ao desenvolvimento e à aprendizagem das crianças público-alvo da educação especial, bem como à articulação com os processos de inclusão escolar e direito à educação. Na educação e no trabalho, pode-se afirmar que ainda é uma relação tão necessária quanto insuficiente.

Oliveira (2006) afirma que as políticas educacionais atuais têm alterado a realidade escolar. As políticas atuais engendram novas formas de organização do trabalho escolar, fundamentadas em princípios de maior flexibilidade e autonomia. Isso tem como resultado maior intensificação do trabalho docente colocando em risco a qualidade da educação. A escola formal é objeto de luta, de acesso e de qualidade, mas, enquanto o direito à educação ainda for algo a ser conquistado, os processos de inclusão não se efetivarão.

3.3.2 A interface do currículo, da educação especial na perspectiva inclusiva e