• Nenhum resultado encontrado

2 A LUTA PELO DIREITO À EDUCAÇÃO E À INCLUSÃO ESCOLAR DAS

2.1 O RECONHECIMENTO DO DIREITO À EDUCAÇÃO

2.1.2 Os impactos atuais na garantia do direito à educação

Autores como Ximenes (2014a), Pinto (2014), Adrião e Garcia (2014), Aguiar e Oliveira (2016), Araújo (2013), Araújo (2016), Cara e Hernandez-Piloto (2016) discutem o direito à educação a partir de um conceito de qualidade como um conceito em disputa nas políticas públicas educacionais. Pautam a dimensão da qualidade do ensino como um resultado de processos educacionais.

No trabalho doutoral de Ximenes (2014a), apresentado à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo/SP, defende-se que a Constituição Federal brasileira estipula um conjunto de princípios a serem realizados na educação escolar, entre os quais a garantia de padrão de qualidade. A tese se propõe analisar o sentido de tal previsão quanto à educação básica e estabelecer um marco conceitual para o seu conteúdo normativo. Nossa premissa é que vivenciamos no Brasil um forte impulso à regulação jurídica da qualidade da educação básica e que esse movimento tem como base a crescente complexidade das ferramentas que o Direito disponibiliza para a mudança social.

Ximenes (2014a) defende o direito à qualidade da educação básica. Aponta que diversos estudos e a prática escolar, com a sobrevalorização dessa dimensão, acabam por deixar em segundo plano alguns aspectos fundamentais da qualidade educativa, como as condições concretas de funcionamento das escolas (insumos), os contextos sociais, a superação de desigualdades, a participação, as diversidades,

a sustentabilidade socioambiental e a educação em cidadania e direitos humanos. O conceito de qualidade da educação apresenta-se em total articulação com o conceito de direito à educação.

A título de contribuir para a conceituação de qualidade da educação, tomaremos os estudos de Oliveira (2006), já que esse autor contribui para o avanço do conceito no campo das políticas educacionais. Para ele, a partir do ponto de vista histórico, a educação brasileira apresenta três significados distintos de qualidade que foram construídos e circularam simbólica e concretamente na sociedade, ainda que presentes nos diferentes momentos.

[...]. Um primeiro, condicionado pela oferta limitada de oportunidades de escolarização; um segundo, relacionado à ideia de fluxo, definido como número de alunos que progridem ou não dentro de determinado sistema de ensino; e, finalmente, a ideia de qualidade associada à aferição de desempenho mediante testes em larga escala (OLIVEIRA, 2006, p. 83).

No entanto, Oliveira (2006) contribuiu, com seus estudos de livre docência, para o conceito de qualidade articulado a três dimensões: insumos, processos e resultados. Como já abordado, existem três perspectivas ou dimensões que devem ser consideradas quando se trata de qualidade: a qualidade quanto aos insumos ou custos (input), quanto ao processo e quanto aos resultados ou produto (output). Os insumos ou custos baseiam-se em valor monetário investido na educação. Das três dimensões, essa é a que está mais avançada, sendo a mais aceitável e menos polêmica, até porque, em termos de pesquisa, encontram-se inúmeros materiais que abordam o tema, o que facilita sua definição. Por outro lado, ainda resta firmar quais os insumos necessários para uma educação de qualidade e transformar isso em valores monetários correntes. O maior problema dessa dimensão é a implementação política, pois o investimento em educação depende muito da conveniência e da aplicabilidade dos recursos19.

19

Em 2007, a política de fundos passa por transição do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF) para o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB). O FUNDEB é provisório e tem um prazo de 14 anos (Lei nº 11.494, de 20 de junho 2007), ou seja, até 2020. Utiliza o mecanismo de captação de recursos de Estados e municípios, além de complementação da União e sua redistribuição, no âmbito de cada Estado e seus municípios, de acordo com as matrículas da educação básica. Com aprovação do PNE, passamos a debater o Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi) e ainda o aumento do 10 % do (Produto Interno Bruto (PIB) para a educação. No entanto, com a Emenda Constitucional nº 95, de 15 de dezembro de 2016,

Tal conceituação foi importante para os debates incorporados no Plano Nacional de Educação (Lei nº. 13.005, de 25 de junho de 2014) e a disputa no financiamento da educação básica, no FUNDEB e no Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE). Importante aqui considerar que, nos estudos, o conceito de Custo Aluno Qualidade também se apresenta incorporado ao PNE, a partir do Parecer nº 8, aprovado em 5 de maio de 2010, que identifica o Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi), apresentado pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, como referência para a construção de padrões mínimos de qualidade para a educação básica pública brasileira, conforme já mencionado aqui anteriormente.

Segundo Araújo (2016), o CAQi é uma proposta de política educacional que pode ser encaixada na família das políticas sociais que se consolidou após o Relatório de Seguridade Social e Serviços Correlatos, também conhecido como Relatório Beveridge, por ter sido elaborado pelo barão Beveridge (1942), no contexto da Segunda Guerra Mundial. A política alemã previa que os trabalhadores deveriam pagar uma contribuição obrigatória para subsidiar o sistema de saúde germânico. Beveridge, considerado pai do Welfare State inglês, maculado depois pela primeira- ministra Margareth Thatcher, propôs que todas as pessoas em idade de trabalhar deveriam pagar uma contribuição semanal ao Estado. Esse dinheiro seria posteriormente usado como subsídio para doentes, desempregados, aposentados e viúvas. Os subsídios deveriam, então, tornar-se um direito dos cidadãos.

Em linhas gerais, na educação como política social destinada a efetivar um direito humano, o CAQi determina as condições mínimas para o ensino, a partir da proposição de organização de escolas capazes de garantir a apropriação do conhecimento dos alunos. Seu objetivo é viabilizar a universalização do direito humano à educação pública de qualidade. A partir dos estudos do termo “qualidade”, a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, desde 2001, apresenta e incide na sociedade educacional brasileira; a parceria com o CNE (Conselho Nacional de Educação) resultou o Parecer CEB/CNE 8/2010, com a devida proposta de resolução, mas o texto ainda não foi homologado pelo MEC. Além disso, tal incidência resultou na aprovação do Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi), como um

não há possibilidade de efetivação desse percentual, pois a referida lei congela por 20 anos os gastos públicos.

passo ao rumo da qualidade. Tal discussão é debatida por Carreira e Pinto desde o ano de 2007. É importante destacar que o CAQi foi aprovado em todas as conferências até hoje, como a Conferência Nacional de Educação Básica (CONEB, 2008) e a Conferência Nacional de Educação (CONAE 2010 e 2014). Após longas disputas com o Governo Federal, por parte dos movimentos sociais educacionais, principalmente a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, ocorreu a inclusão do CAQi no texto do Plano Nacional de Educação (Lei nº 13.005/2014).

Nas lutas atuais da educação e dos movimentos sociais, após o PNE (2014) aprofundou-se a necessidade de aliar aos debates políticos as condições pedagógicas, reafirmando um dos princípios constitucionais, qual seja, a garantia do padrão de qualidade de ensino, fundamental para que todos tenham acesso a uma educação pública, gratuita, laica e democrática de qualidade social.

O conceito do Custo Aluno-Qualidade (CAQ) foi reafirmado na Conferência Nacional de Educação (CONAE 2014)20 e no Plano Nacional de Educação (PNE 2015)21. Já Custo Aluno Qualidade Inicial (CAQi) antecedeu o CAQ e, como uma proposta de justiça federativa, se apresenta como uma possibilidade de ampliar e aprofundar a compreensão dos aspectos políticos e pedagógicos, ao serem considerados os insumos necessários a ampliar a qualidade de educação brasileira (CARA; HERNANDEZ-PILOTO, 2016).

Cabe apresentar a diferenciação entre CAQi e CAQ na proposta do PNE, a partir dos estudos da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. O CAQi traduz em valores quanto o Brasil precisa investir por aluno ao ano, em cada etapa e modalidade da educação básica pública, para garantir, ao menos, um padrão mínimo de qualidade do ensino. Já o CAQ avança em relação ao padrão mínimo, considera o caráter dinâmico do conceito, o custo por aluno e a capacidade econômica do país. Assim, o CAQ se aproxima do padrão de qualidade de países desenvolvidos em termos educacionais.

20

A Conferência Nacional de Educação (CONAE) é um espaço democrático aberto pelo Poder Público para que todos possam participar do desenvolvimento da Educação Nacional. Seu segundo momento e validação do PNE foi aprovado em 2014. Disponível em: <http://conae.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=46&Itemid=57>. Acesso em: 12 jan. 2016.

21

Concluída a votação no Congresso, o Plano Nacional de Educação foi encaminhado à sanção em 5 de junho de 2014. Transformou-se em Lei nº 13.005/2014.

Cara e Hernandez-Piloto (2016) mostram que o mecanismo do Custo Aluno- Qualidade Inicial (CAQi), criado e calculado pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, é um instrumento capaz de tornar mais equilibrado e eficaz o federalismo brasileiro no tocante à oferta de matrículas em educação básica. Seu objetivo é materializar um padrão mínimo de qualidade justo, capaz de promover uma educação que visa ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho, tal como determina o caput do art. 205 da CF. Além disso, o CAQi busca garantir a “[...] igualdade de condições para o acesso e permanência na escola [...]”, princípio asseverado no inciso I do art. 206 da CF.

Carreira e Pinto (2007) entendem que o CAQ compõe-se de quatro categorias de insumos: estrutura e funcionamento (construção e manutenção de prédios, materiais básicos de conservação, equipamentos de apoio ao ensino); condições oferecidas pelos trabalhadores (salário, plano de carreira, formação inicial e continuada); gestão democrática (participação da comunidade, funcionamento dos conselhos, escolha democrática dos dirigentes, existência e liberdade para associações de estudantes, professores e funcionários, construção conjunta de projeto pedagógico); acesso e permanência na escola (alimentação, material didático, transporte e vestuário). O documento final da CONAE 2010 propôs que o financiamento da educação tenha como mecanismo de referência, o CAQ. O PNE (2014) afirma o CAQ como proposição de implementação em curto prazo e de complementação federal para os entes que não o atingirem.

No entanto, em maio de 2016, o país passou por uma transição governamental — a instituição de um golpe parlamentar22 que destituiu a presidenta Dilma Rousseff do cargo. A partir de tal ação, houve a busca pela efetivação do projeto Travessia Social: uma ponte para o futuro23 e, aliada a esse projeto, a ação de aprovação de

22

Leonardo Avritzer (2016), em entrevista à revista Fórum, acredita que o processo de impeachment já pode ser chamado como o “final da nova república”, que ele entende como um arranjo institucional e um pacto em que havia forças no Legislativo que permitiam a presença de um governo de centro-esquerda. “O impeachment é o fato mais importante desde a promulgação da Constituição de 1988, acho que o impeachment marca o que poderíamos denominar de o final da Nova República” disse. Disponível em: <http://www.revistaforum.com.br/2016/09/01/golpe- parlamentar-foi-uma-surpresa-para-a-ciencia-politica-brasileira-dizem-especialistas/>. Acesso em: 25 jan. 2017.

23

Documento apresentado pelo PMDB e pelo sucessor presidencial, o vice-presidente Michel Temer, como plano de governo. O maior impacto do projeto é o novo regime fiscal, afirmam economistas.

Proposta a Emenda Constitucional sobre o novo regime fiscal24. Araújo (2016)25afirma que tal regime atinge as políticas sociais, entre as quais a maior delas — a educação e seu modo de financiamento —, impossibilitando a garantia das proposições do PNE e ainda ferindo a garantia constitucional do Direito à educação pública, gratuita, laica, inclusiva e de qualidade social. Ainda destaca que qualquer possibilidade de crescimento de oferta de vagas para cumprir o Plano Nacional de Educação é revogada pela medida, posto que tal crescimento representará elevação de gastos acima da inflação.

A luta pelo direito à educação, tal como apresentado e defendido pela Constituição Federal de 88, com o reconhecimento do federalismo cooperativo, que busca um equilíbrio de poderes entre a União e Estados-membros, estabelecendo laços de colaboração na distribuição de múltiplas competências por meio de atividades planejadas e articuladas entre si, com fins comuns (CURY, 2014), encontra-se em risco no momento atual da conjuntura26 da política global e brasileira, em especial com impactos na política educacional brasileira.

O documento é uma espécie de cartilha com propostas do partido para a área social. Disponível em: <http://www.cartaeducacao.com.br/reportagens/conheca-as-propostas-do-pmdb-para-a- educacao/>. Acesso em: 25 jan. 2017.

24

Para Araújo (2016), a proposta de teto de gasto público e batizada de Novo Regime Fiscal (PEC nº. 241/55, de 2016, aprovada como Emenda Constitucional nº 95, em 15 de dezembro de 2016) basicamente prevê o seguinte: estabelece um teto de gasto público em todos os níveis de governo (União, Estados, Municípios), o qual será durante dez anos apenas a correção da inflação sobre o valor averiguado no ano anterior. Isso valerá durante 20 anos, sendo seus critérios podendo sofrer ajustes depois de 10 anos. Disponível em: <http://rluizaraujo.blogspot.com.br/2016/06/novo-regime- fiscal-traduzindo-o-ataque.html>. Acesso em: 25 jan. 2017.

25

Araújo (2013) já tecia críticas ao governo Dilma, uma vez que houve o ajuste fiscal proposto por Joaquim Levy, afetando corte de recursos com atrasos nos pagamentos de bolsas, redução de verbas para as universidades devido aos atrasos na aprovação do orçamento no Congresso Nacional e, ainda, envio de recursos da educação no início do 2º mandato de Dilma. Disponível em: <https://noticias.r7.com/educacao/cortes-de-recursos-e-atrasos-ofuscam-patria-educadora-no- inicio-do-2-mandato-de-dilma-18032015>. Acesso em: 20 jan. 2017.

26

Porto (2017) sistematiza que, após a crise global do sistema financeiro em 2007-2008, está em curso um movimento neoliberal que drena recursos da produção e das políticas sociais redistributivas por meio de políticas de austeridade fiscal, penalizando, dessa forma, as classes médias e as classes populares, em vez dos mais ricos cada vez mais ricos. Com o impeachment de 2016, no Brasil, rompe-se o conflitivo e frágil pacto social em torno da “constituição cidadã” de 1988. A solução neoliberal (ou ultraliberal) em curso, imposta por um governo não eleito, enfrenta a crise econômica por meio do retrocesso das políticas de inclusão social e participação democrática, mesmo que limitadas após 13 anos de governo do PT. As propostas de Emendas à Constituição Federal em curso, como as reformas previdenciária e trabalhista, são avaliadas como sérias ameaças à cidadania, à democracia e aos direitos humanos.

O avanço dos Planos Municipais, Estaduais e Nacional de Educação, na atual conjuntura política educacional brasileira, está completamente em risco. Várias medidas têm fragilizado o seu andamento, tais como a destituição do Conselho Nacional de Educação; o esvaziamento do Fórum Nacional de Educação; a aprovação da Reforma do Ensino Médio; as audiências públicas sobre a 3ª versão da Base Nacional Comum Curricular; a aprovação do Projeto Criança Feliz; o andamento do Projeto de Lei nº 7.212/2017, com alteração na LDB/96, são medidas de esvaziamento da política educacional brasileira, ferindo assim o direito à