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A IMPORTÂNCIA DOS SÍMBOLOS NA FORMAÇÃO DO HABITUS

No documento O choque das culturas da ordem (páginas 99-102)

Os policiais militares são formados e exercem suas funções em condições pré-definidas, bastante específicas, que definem suas práticas e as experiências que se pode ter enquanto profissionais. Para analisar esse processo é preciso entender que o campo intelectual, responsável pela construção de sua base educacional, depende das determinações do campo de poder para estipular o habitus profissional e social que devem seguir.

Sob essa perspectiva, entende-se a considerável influência dos anseios da classe dominante, no se refere às diretrizes que definem esse campo intelectual, cuidando para que as estruturas de poder não sejam corrompidas e que não haja espaço para o desenvolvimento da autonomia. Deste modo, aqueles que pertencem as mais altas esferas de comando voltam-se à construção e solidificação de uma força coercitiva que mantenha o status quo de dominação. Bourdieu (2007, p. 191) define o habitus como o:

[...] sistema das disposições socialmente constituídas que, enquanto estruturas estruturadas e estruturantes, constitui o princípio gerador e unificador do conjunto das práticas e das ideologias características de um grupo de agentes. Tais práticas e ideologias poderão atualizar-se em ocasiões mais ou menos favoráveis que lhes propiciam uma posição e uma trajetória determinadas no interior de um campo intelectual, que por sua vez ocupa uma posição determinada na estrutura da classe dominante.

Portanto, conforme o autor, o conceito de habitus está relacionado à necessidade de compreender as relações de afinidade, que existem entre o comportamento dos agentes e as estruturas e condicionamentos construídos socialmente, ou seja, entre as práticas individuais e as condições sociais de existência.

Nesse contexto, ocorre a construção de bens simbólicos e a consequente criação de um mercado de bens simbólicos através dos quais os dominantes buscam cristalizar sua dominação e os dominados pouco, ou nada, têm a fazer para contraporem-se a estruturação e perpetuação desses símbolos. Trazendo-se essa premissa para a formação dos policiais militares, percebe-se ainda uma forte implicação na absorção da produção simbólica. Pois, a aceitação dos símbolos pertinentes ao que se pode denominar como o campo das Polícias Militares é,

reconhecidamente, um elemento indispensável para a inclusão ou exclusão daqueles que decidem ingressar nesse universo.

É em torno desses símbolos que surgem a produção dos valores culturais e referências identitárias dos policiais militares, os quais influenciarão, significativamente, nos seus modelos de socialização, sejam com a sua família, sua Corporação, ou com a sociedade. Tais representações simbólicas recebem um forte apelo dos lugares comuns que para Bourdieu (2007, p. 197) são aqueles:

[...] em torno dos quais um grupo inteiro se congrega com o intuito de reafirmar sua unidade reafirmando seus valores e crenças que denotam infalivelmente a posição social e identificação satisfeita com esta posição por parte daqueles que professam tais valores e crenças.

À medida que os bens simbólicos são produzidos, reproduzidos e solidificados no cotidiano militar, são absorvidos pelos policiais militares. Por conseguinte, esses profissionais passam a delimitar e diferenciar seu campo, com base em uma dinâmica que alimenta a distinção e o afastamento desses profissionais dos demais grupos de atores sociais. São os incontáveis símbolos e os seus respectivos códigos que constituem uma configuração cultural própria dos que pertencem ao meio policial militar. De acordo com Bourdieu (2007, p. 198), isso ocorre porque:

[...] a característica específica dos bens simbólicos consiste do fato de que o consumo de tais bens encontra-se restrito aos detentores do código necessário para decifrá-los, a saber, os que detêm as categorias de percepção e de apreciação adquiridas pelo convívio com as obras produzidas segundo tais categorias.

Deste modo, consolida-se um habitus próprio dos policiais militares que servirá como mediador entre suas práticas individuais e as condições sociais nas quais estas práticas estão inseridas. Portanto, nesse aspecto, o habitus funciona como um conciliador entre a realidade do indivíduo e o sistema socialmente construído pelo mundo que o cerca. Ao ser exposto a toda carga simbólica da caserna, o policial militar é estimulado pelo campo a ingressar em um processo que visa conduzi-los à percepção e à apropriação destes símbolos, culminando em uma socialização na qual se põe em prática o que foi experimentado.

Nessa dinâmica, o processo ensino-aprendizagem surge como uma porta aberta e propícia para o trânsito, para o mercado e interiorização dos bens

simbólicos. Pois, segundo Bourdieu (2007), é na escola que os esquemas que organizam o pensamento, tem uma considerável oportunidade de ser, ensinados, de forma explicita e metódica. Conforme Bourdieu (2007, p. 204): “Quanto mais tais esquemas encontram-se interiorizados e dominados, tanto mais escapam quase que totalmente às tomadas de consciências parecendo-lhe assim coextensivos e constâncias à sua consciência”.

Para esse autor, os sistemas de pensamento que são ensinados nas escolas podem ter sua força comparada aos ensinamentos oferecidos de forma ritualística e mítica das sociedades desprovidas de instituições escolares, os quais são absorvidos inconscientemente pelos indivíduos. Bourdieu (2007, p. 205-206) ainda assegura que as instituições escolares:

[...] operam em níveis diferentes da consciência, desde os mais manifestos até às formas mais fundamente enterradas que se atualizam nos atos de criação cultural ou de deciframento sem que, por isso, sejam tomadas como objeto da reflexão, [...] à medida que seus conhecimentos progridem. Na verdade os indivíduos programados, que dizer, dotados de um programa homogêneo de percepção, de pensamento e de ação, constituem o produto mais específico de um sistema de ensino.

Nas Corporações militares, toda essa sistematização simbólica é bastante proveitosa para manter as estruturas de poder. Pois, para que a cultura da ordem da caserna se mantenha é imprescindível que seja exercido o controle absoluto dos superiores sobre seus comandados. Para tanto, os símbolos se prestam com eficácia à obtenção da submissão aos ditames da disciplina e hierarquia impostas nos quarteis.

Uma gama incontável de simbologias militares carrega consigo a missão de difundir e fixar na mente dos policiais valores específicos, entendidos como essenciais à atuação profissional. Mais do que fornecer um sentido de organização que garanta o bom andamento da função de promotor da Segurança Pública, o simbolismo policial militar atua na propagação de diversos valores, levando os policiais militares a incorporarem a sensação de pertencimento a uma espécie de família bastante reservada.

Deste modo, perpetua-se a noção de que apenas um seleto grupo, formado por apenas os melhores, mais corajosos e eficazes homens e mulheres, gozará do privilégio de pertencer a este campo. Por conseguinte, sentindo-se como parte de um todo, os policiais militares se unem através dos símbolos que o cercam,

buscando a força que destes emana e, ao mesmo tempo, retroalimentando seu potencial por meio de sua valorização extremada.

No documento O choque das culturas da ordem (páginas 99-102)