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1. RENDAS QUE SE TECEM

1.7 A Imprensa no município de Pesqueira na década de 1930

Analisando alguns acontecimentos publicados em jornais que circularam na década de 1930 em Pesqueira, como o: Jornal de Pesqueira, O Ororubá, A Coligação e A Voz de Pesqueira, assim, como algumas obras de memorialistas e de estudiosos da história do município, poderemos encontrar alguns indícios de práticas sociais que podem nos levar a entender o processo de instalação da atividade artesanal da renda Renascença no município, embora saibamos que a história das mulheres, do operário e dos prisioneiros, como observado por Perrot (1998), não costuma despertar o interesse dos historiadores nem aparecer em destaque nas manchetes, contudo, os jornais, especialmente aqueles veículos de circulação regular, além de conter, grandes manchetes de teor marcadamente político, costumam mostrar cenas do cotidiano urbano, que possibilitam ao pesquisador ter uma visão mais ampliada da sociedade, podendo desta forma, tecer novas possibilidades históricas.

A cidade de Pesqueira chegou a ter dois jornais que circularam na década de 1930 de forma longa e regular e outros com curta duração. O Jornal de Pesqueira iniciou suas atividades em janeiro de 1931, depois de adquirir as máquinas de impressão do Correio de Pesqueira, de propriedade dos Irmãos Cândido e Joaquim de Britto, (sócios da Fábrica Peixe). Tinha uma boa diagramação, imagens de boa qualidade (clichês) e contava com 6 colunas e quatro páginas. Circulou até o ano de 1936 (WILSON, 1980: 389). Apresentava-se como um noticioso independente, mas o diretor presidente do jornal, Abílio Ferreira Maia, foi um dos primeiros a aderir ao movimento integralista no município de Pesqueira, era sócio fundador do Club dos Cinquenta e secretário geral da LEC – Liga Eleitoral Católica de Pesqueira, ou seja, era um jornalista que não escondia seu posicionamento político. Sobre Maia, Aluízio Falcão (In: SANTACRUZ, 1980:83/84) diz que o mesmo fora seminarista, proprietário de jornal, livreiro e professor, contudo essas atividades não teria logrado êxito financeiro suficiente para prover o sustento da família, fato que o levou a abrir uma banca de bicho, contudo essa atividade também não foi exitosa. Assim, como muitos outros pesqueirenses de classe média, mudou-se de Pesqueira para o Recife onde passou a lecionar Latim e Português em vários colégios da capital.

O Jornal A Voz de Pesqueira era um periódico que se auto intitulava, independente de propriedade dos irmãos Wilson e Eugênio Chacon. Começou suas atividades em setembro de 1936 sob o comando de Eugênio Maciel Chacon. Mantinha uma linha editorial conservadora, como foi a maioria dos jornais que circularam em Pesqueira, no recorte temporal que estamos estudando. Por conter colunas e artigos periódicos em defesa dos interesses da Igreja, podemos considerar que o diretor presidente do jornal era um arauto da doutrina cristã e seu jornal estava a serviço do bispado local, mas também se prestava a defender os interesses da elite patronal, talvez, no afã de agradar e, ou, de estabelecer canais de comunicação entre esses campos de poder. Nas várias matérias assinadas por Chacon, pode-se perceber sua preocupação com o ordenamento urbano do município, a defesa da moral e seu apreço pelos temas internacionais, especialmente pelas ideias defendidas pela extrema direita da Europa, como na matéria publicada, com o título “Ressurge o Neo-Fascismo” publicada 01 de junho de 1952, mostrando seu apreço pelo governante italiano Benito Mussolini, ainda que fazendo ressalvas quanto as suas práticas antidemocráticas. De Recife, o jornal

recebia matérias enviadas pelo correspondente Paulo de Oliveira, que seria posteriormente proprietário do jornal A Folha de Pesqueira no ano de 1947. A Voz de Pesqueira chegou a circular por 25 anos, segundo Wilson (1980), “um dos periódicos mais bem apresentados, um dos melhores e, sob todos os aspectos, um dos mais bem feitos” (WILSON, 1980:397). Eugênio Maciel Chacon chegou a ser nomeado Prefeito interino de Pesqueira em 1947 e candidato a Deputado pelo PSD, Partido Social Democrático no ano de 1954, mas não logrou êxito.

Outros jornais de curta duração, também circularam em Pesqueira, como: A Coligação, que era um órgão noticioso classista da coligação dos comerciários de Pesqueira, no ano de 1936; O Democrático, jornal que defendia os interesses do PSD, no ano de 1937; O Ororubá, que defendia as ideias Integralistas; O Pesqueira Social, órgão noticioso do Club dos Cinquenta, que circulou no ano de 1932 e A Marcha, o jornal oficial do núcleo Integralista de Pesqueira, em setembro de 1935 (WILSON, 1980: 391-398).

O jornal era o meio de divulgação do noticiário local de eventos sociais e de lazer, mas era também, um instrumento de diálogo e de exposição das ideias da elite pesqueirense. Para fins de esclarecimento, consideramos elite, o conjunto de pessoas da sociedade pesqueirense que se destaca por estar numa posição de poder e, ou, por ser capaz de influir, tanto por sua capacidade de argumentação quanto pela sua reconhecida competência, independentemente, de ser muito rico, como os industriais da cidade ou remediados, como alguns comerciantes e proprietários rurais. Nesse rol, estão incluídos também, os representantes da igreja, políticos, jornalistas, coletores de impostos e acadêmicos.

Apesar do grande esforço de alfabetização empreendido pela sociedade pequeirense dos anos 30, a grande maioria dos pesqueirenses ainda era analfabeta. Por tanto, os impressos eram endereçados a um público específico de leitores, formadores de opinião, que teriam a missão de legitimar e divulgar as mensagens ali contidas para o público em geral. A história tem nos dado mostras que a imprensa tem sido usada como um poder paralelo, chegando mesmo a influenciar de forma decisiva em todas as esferas sociais, como assinalado por Mamou (1992) em A Culpa é da Imprensa. Foi certamente ciente do poder de influência da imprensa que o governo Vargas criou O DIP, departamento de Imprensa e Propaganda em

dezembro de 1939, órgão encarregado da propaganda oficial do governo e responsável pela serviço de censura do Estado Novo.

Contudo, todo veículo que se preste a levar informações, a divertir ou a instruir através de um dado suporte, como são os jornais, precisam ser analisados levando-se em consideração que a mensagem pretendida pelo autor pode não ter sido recebida exatamente como planejada. É preciso levar em consideração o momento da escrita, a forma da edição, o público alvo e também se o leitor teve acesso direto à informação ou foi alvo de uma nova interpretação realizada por uma terceira pessoa. Devemos, portanto, ficar atentos à possibilidade de interesses ocultos estarem atuando sobre os jornais. Luca (In: Pinsky, 2008: 116) diz que sempre será muito difícil sabermos que tipo de influências ocultas exerciam-se naquele dado momento sobre um órgão de informação, qual o papel desempenhado, pela distribuição espacial da publicidade, a pressão exercida pelo governo ou mesmo pela igreja. Para Chartier (2002), existe uma grande diferença entre o relato pronunciado e a escrita impressa, que o leitor nem sempre está na exata conformidade como a pretendido pelo autor. É preciso, pois, considerar, “o texto, o objeto que lhe serve de suporte e a prática que dele se apodera” (CHARTIER, 2002:127).

O homem simples, o camponês, o popular, o não letrado, o pobre, não possuindo bens materiais nem status para aparecerem nas capas dos jornais, eram quase sempre relegados às páginas policiais, não que eles fossem necessariamente criminosos, mas sua exposição certamente funcionaria como o modelo daquilo que não deveria ser feito, sob pena de serem expostos publicamente, embora alguns, talvez se sentissem prestigiados em aparecerem nas páginas dos jornais, uma vez que saiam do anonimato e da invisibilidade social para entrarem no rol da fama, pelo menos entre os seus pares. A identificação daquilo que é transgressão, amoral e não civilizado, é primordial para o estabelecimento dos limites a serem respeitados e para o reconhecimento da própria identidade. Na cidade, o morador é convidado a respeitar as regras de civilidade estabelecidas pela comunidade. Cavalcanti (2005) diz, que em Pesqueira, primeiro se cria um modelo de sociedade, para depois inserir nela a população. Podemos dizer que para pertencer a esta sociedade era preciso ter hábitos e práticas condizentes com o que se esperava dos habitantes do município. Estar fora desses padrões era ser um estrangeiro, ou estar da

mendicância, na vadiagem. Era ser um andarilho, sendo, portanto um caso de policia ou de saúde pública. Daí entendermos que o jornal se apresenta como um importante instrumento de análise das práticas cotidianas populares, embora fosse um veículo de comunicação criado e usado para servir aos interesses da elite.