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1. TRAMAS E VIVÊNCIAS DAS RENDEIRAS DE RENASCENÇA

1.5 Memórias de rendeiras

A descrição do espaço físico da cidade de Pesqueira, com suas ruas e praças; A apresentação de algumas práticas cotidianas, e a presença do camponês no espaço urbano, é a montagem de um cenário que se pretende, seja semelhante aquele em que as rendeiras de Renascença teriam vivenciado no recorte temporal que estamos estudando. Levamos em consideração as imagens do cotidiano apresentados pelos periódicos que circularam no município, como: A Voz de Pesqueira, Folha de Pesqueira, Gazeta de Pesqueira, e também pelas obras escritas por intelectuais e memorialistas que escreveram sobre a cidade, como: Luiz Wilson, Luiz de Oliveira Neves, Cleonice Cavalcanti, e Hilton Sette. Contudo, acreditamos que o depoimento das rendeiras de Renascença, sobretudo daquelas que viveram em Pesqueira na década de 1950, poderá nos apresentar, recortes de lembranças individuais e ou coletivos sobre o cotidiano das rendeiras de Renascenças e de suas histórias de vida, passadas neste município, com maior riqueza de detalhes, represados em algum lugar da memória dessas mulheres. Para Halbwachs (2006: 31) “Uma ou muitas pessoas juntando suas lembranças conseguem descrever com muito mais exatidão fatos ou objetos que vimos ao

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Relatório Preliminar de Desenvolvimento Local do Município de Pesqueira/PE. SUDENE – SERFHAU, Serviço Federal de Habitação e Urbanismo. 1972

mesmo tempo em que elas, e conseguem até reconstituir toda a sequência de nossos atos e nossas palavras em circunstâncias definidas, sem que nos lembremos de nada de tudo isso.”

O depoimento das rendeiras, revisitando o passado e apresentando recortes de um dado acontecimento, não está inteiramente desprovido de uma ação política, ele é, seguramente, formado por um conjunto de informações que une retalhos do presente com fragmentos do passado, e que vem à tona, segundo o interesse particular de cada rendeira. Bosi (2009: 54) observou, a partir dos ensinamentos de Halbwachs, “que a memória do individuo depende do seu relacionamento com a família, com a classe social, com a escola, com a igreja, com a profissão; enfim com os grupos de convívio e os grupos de referência peculiares a esse indivíduo.” Temos então, que a memória é constituída de elementos individuais e coletivos, e é no âmbito do relacionamento com o outro que ela vem à tona com maior clareza.

Para que a nossa memória se aproveite da memória dos outros, não basta que este nos apresentem seus testemunhos: também é preciso que ela não tenha deixado de concordar com a memória deles e que existam muitos pontos de contato entre uma e outras para que a lembrança que nos fazem recordar venha a ser reconstruída sobre uma base comum. (HALBWACHS, 2006, 39).

Ecléa Bosi (2009), em Memória e Sociedade: Lembrança de velhos, afirma que as lembranças de velho são reelaboradas a partir de uma série de interesses pessoais e coletivos, que engendram a ideologia do momento, uma vez que pode deixá-los mais confiantes, e torná-los membros atuantes da comunidade, ou seja, serem reconhecidos pela importância da sua participação histórica em um dado evento. Podemos então dizer que a memória desempenha papel preponderante na afirmação desse homem social e que a memória pessoal juntamente com a coletiva pode ajudar a compor o quadro do passado. Ela diz ainda, que se existe uma memória voltada para a ação, feita por meio de hábitos, e outra que revive tão somente o passado, parece ser esta a dos velhos, já libertos das atividades profissionais e familiares. Os velhos possuem disponibilidade de tempo e liberdade para exercer o ofício de lembrar, com muito mais propriedade que os mais novos. Bosi (2009: 82) diz que “O vínculo com outra época, a consciência de ter suportado, compreendido muita coisa, traz para o ancião alegria e uma ocasião de mostrar sua competência. Sua vida ganha uma finalidade se encontrar ouvidos atentos,

ressonância.” Nesse sentido, percebemos em algumas de nossas entrevistadas que a atenção que lhe dispensamos e o nosso interesse em ouvir suas histórias lhe proporcionava uma agradável sensação de realização. Para Bosi (2009: 82) “O ancião não sonha quando rememora; desempenha uma função para a qual está maduro, a religiosa função de unir o começo ao fim, de tranquilizar as águas revoltas do presente alargando suas margens.”

Comecemos então, pelas histórias da participação de Maria Pastora, que aparece no depoimento da maioria das nossas entrevistadas como sendo, a moça que trouxe para a Vila de Poção a técnica de fazer renda do tipo Renascença, e que deu a conhecer a Elza Medeiros. Nenhuma de nossas entrevistadas disse tê-la conhecido, no entanto repetem a mesma história, sobre a participação de Maria Pastora na introdução desta atividade na região. Os fatos são levantados a partir da memória coletiva e da junção de elementos vivenciados por outras pessoas da comunidade. Odete Maciel, não se lembra de Maria Pastora, mas afirma que sua irmã, Maria Emília, morou em uma casa, na Vila de Poção, vizinha à casa da mãe de Pastora. Morando em um povoado tão pequeno, e sendo bem relacionada na Vila, é bem possível que a comunidade tenha guardado na memória a histórica chegada de Maria Pastora em visita à sua mãe e a atitude de Elza Medeiros de ensinar as meninas do lugar a fazer renda.

No dizer das rendeiras da região, Maria Pastora, seria a precursora da renda Renascença no distrito de Poção, na década de 1930, filha de Dona Pastora e do Senhor Paschoal. Odete Primo Cavalcanti Maciel, no entanto, falou com mais desenvoltura sobre Maria Pastora e sua mãe, D. Pastora, uma vez que a mesma morava vizinha à casa de sua irmã. A história que se conta, é que Maria Pastora vivia em um colégio de Olinda, administrado por irmãs francesas. O colégio em questão era o Colégio das Órfãs de Santa Tereza, em Olinda. Quando Maria Pastora foi ao encontro de sua mãe, que estava convalescendo, em Poção, segundo Isa Maia (1980), teria sido em 1934. A década em questão é tomada como um período rico em discussões políticas na vida brasileira; Ano da promulgação da nova Constituição, que deu direito ao voto feminino, e de intensos debates sobre a participação da mulher como força de trabalho, liderada por Berta Luz109. Nesta

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Bertha Maria Julia Lurtz. Ativista do movimento feminista brasileiro. Fundou a Federação Brasileira Pelo Progresso Feminino, FBPM, em 1922. Foi eleita suplente de Deputado Federal em 1934.

época, Pesqueira era governado pelo dentista Severiano Jatobá, e a igreja, através do Bispo Dom Adalberto Sobral, organizava a Liga Eleitoral Católica, como dissemos no capitulo I, objetivando eleger nomes, como os do Padre Alfredo de Arruda Câmara, eleito deputado Federal constituinte para defender os interesses da Igreja Católica. É Também em 1934 que é oficializado o núcleo do Integralismo em Pesqueira, estendendo-se também pelos distritos. Em Poção, foi instalado em 1935, tendo como dirigentes, os senhores: Vicente Trevas, Manoel Leite e Malaquias Vieira de Melo, este último seria empossado em 1955, como o primeiro Prefeito eleito do município de Poção.

Depois de aprender a tecer alguns pontos, Elza Mendes Medeiros, mais conhecida na região como Lála, teria rompido o trato que havia feito com Maria Pastora, para manter sigilo, sobre a referida técnica e resolveu ensinar a outras meninas, abrindo em seguida uma escola-atelier para ensinar a fazer renda. Nas conversas que tivemos com as rendeiras mais antigas da cidade, não encontramos elementos que nos indique com clareza que o movimento integralista tenha influenciado na introdução da atividade da renda Renascença na região, contudo, é importante atentar para o fato de este movimento ter sido proibido e seus seguidores perseguidos pela polícia. É bem possível que tenha havido um apagamento destas memórias, no entanto é importante lembrar que as bases para o desenvolvimento de práticas para trabalhos manuais, especialmente, nas dependências do lar, já haviam sido lançadas. Giselda Brito Silva, em artigo publicado na Revista de História110, diz que o movimento integralista de Pernambuco, contou com a participação de mulheres, que eram designadas para atuarem em funções ligadas às áreas da saúde, educação e assistencialismo. Olga Leite, citada por Amorim (2002), professora da Escola Integralista em Pesqueira, afirmou em sua entrevista, que a função da escola era a de alfabetizar os filhos dos operários e incutir neles a doutrina do Estado Integral. Odete Cavalcanti Maciel diz que chegou a lecionar na década de 1960 nesta mesma escola, e que chegou a trabalhar com Olga Leite.

Em pouco tempo o movimento integralista brasileiro passaria a atuar como partido político, arregimentando membros nos grupos populares para doutriná-los e

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Revista de História. Mulheres! Seu lugar é em casa. Edição de 19/09/2007. Disponível em: <http://www.revistadehistoria.com.br>. Acesso em: 20 de junho de 2012.

atuarem em defesa das ideias do movimento. Contudo, Elza Medeiros111, apesar de alfabetizada, ainda não possuía documentos que lhe credenciava a ser uma eleitora, mas pode ter sido também, influenciada por este movimento a ensinar às meninas da comunidade a prática do ofício de rendeira. Elza Medeiros era alfabetizada, nascida a 28 de fevereiro de 1913, no distrito do Tigre, município de Alagoa do Monteiro, no Estado da Paraíba. Filha do sapateiro Manuel Ferreira Mendes, conhecido por Manuel Cazuza e de D. Cirila Cândida Mendes. Segundo Nóbrega (2005), Manuel Cazuza era seguidor de José Pereira, chefe político da cidade de Princesa Izabel, localizada no Sertão da Paraíba. Quando as disputas políticas da região ficaram mais violentas, trazendo mortes e perseguições, resolveu sair com a mulher e seus doze filhos para se refugiarem na Vila de Poção (NÓBREGA, 2005: 44/45).

Isa Maia (1980) disse que esteve em Poção no final década de 1970 conversando com Elza Medeiros em sua residência, no bangalô 15 da Vila Conrado em Poção. Segundo Maia (1980), Elza parecia ter muita vivacidade e liderança, ou seja, era bastante comunicativa. Ao falar da atividade rendeira no Município de Poção, falava com orgulho da sua iniciativa em montar uma escola para ensinar o ofício da Renascença às meninas do lugar (MAIA, 1980: 96/97).