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O que se busca no presente item, é saber se nas relações de prestador de serviço, enquanto notários e registradores ou seus prepostos e os usuários, há a incidência do Código de Defesa do Consumidor (CDC), implicando na responsabilidade civil.

Sabe-se que a Lei nº 8.078/1990, trouxe proteção aos consumidores, que figuram como hipossuficientes na relação de consumo. Também, entende pela inversão do ônus da prova, se verificar verossímil as alegações do autor/consumidor.

Além disso, estabelece o prazo prescricional de 5 (cinco) anos para reparação dos danos causados, conforme art. 27 desta lei, com início da contagem

do prazo prescricional a partir do conhecimento do fato e sua autoria. A ação pode ser proposta no domicílio do autor, conforme estipula o CDC.

Importante dizer, que o CDC não se aplica em qualquer relação jurídica, mas sim, nas relações jurídicas de consumo, onde há uma prestação de serviço. Destaca-se que mesmo em se tratando de serviço público, é possível haver a incidência do CDC, ou seja, existir uma relação de consumo, conforme o próprio Código estabelece nos artigos 3º, caput, 6º, X, e art. 22, todos do mesmo diploma legal.

Dessa forma, para todos os processos e atos praticados até a entrada em vigor da Lei nº 8.935/1994, o entendimento dos Tribunais é que a responsabilidade até então era objetiva, mesmo para os processos que estão sendo julgados agora, pois mesmo que o ato foi praticado anteriormente a entrada da vigência da lei, que alterou a responsabilidade com base na culpa, todos os atos praticados anteriormente, a responsabilidade era independente de culpa, assim, tem-se um caso que trata de um defeito na prestação de serviço notarial, sendo que o autor da ação ingressou com pedido de danos morais e materiais, sendo julgado o processo no Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, posteriormente a entrada em vigência da lei:

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. DEFEITO NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO NOTARIAL. LAVRATURA DE ESCRITURA PÚBLICA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL MEDIANTE PROCURAÇÃO FALSA. INSEGURANÇA JURÍDICA. DANOS MATERIAIS E MORAIS CONFIGURADOS. Trata-se de ação através da qual o autor pretende que seja declarada a nulidade do negócio de compra e venda objeto da demanda, em virtude da utilização de procuração falsa que o embasou, bem como que os recorridos sejam condenados ao pagamento de indenização por danos materiais, no valor de R$ 79.666,70 (...) e danos morais a serem arbitrados, ação julgada improcedente na origem. No caso em comento, o recorrente, por intermédio da imobiliária apelada, realizou a aquisição de um terreno e, por conta desse negócio, efetuou o pagamento do valor total de R$ 79.666,70 (...), ato que foi objeto de escritura pública de compra e venda confeccionada pelo tabelião público, ora recorrido. No entanto, o apelante, posteriormente, ao levar o escrito público ao Registro de Imóveis, tomou conhecimento de que a procuração que embasava o negócio jurídico era falsa e não havia sido outorgada pelos reais proprietários do imóvel adquirido, pelo que, pugnou pela reforma da sentença, para que seja declarada a nulidade do negócio, bem como para que os réus, ora recorridos, sejam condenados a realizar o pagamento de indenização por danos materiais, no valor de R$ 79.666,70 (...), valor que desembolsou no negócio jurídico, acrescido de danos morais. RESPONSABILIDADE DO TABELIÃO – A responsabilidade civil do tabelião exsurge de forma clara e resulta da fé e confiança que o consumidor deve manter nos serviços estatais, na forma do artigo 22, da Lei nº. 8.935/94, aplicável ao presente feito, é objetiva e independe da prova de culpa. O

conjunto fático-probatório colacionado nos autos atestou que o notário não tomou a devida cautela ao analisar a documentação par confeccionar o escrito público, haja vista que sequer entrou em contato com o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná ou com a Corregedoria, e tampouco com o Serviço Distrital de Cachoeira de São José/PR, que inclusive está inoperante há mais de 10 anos, para certificar a autenticidade da procuração de lá originária e, de conseguinte, formalizou e aperfeiçoou a escritura pública de compra e venda sem a adoção de cautelas mínimas e adequadas. Desta feita, constatada a fraude e o prejuízo do consumidor em virtude da evidente falha na prestação do serviço por parte do tabelião, este deve ser responsabilizado pelo resultado do engodo que contribuiu com sua conduta culposa e sem prudência, sem as quais - concausa exitosa - o negócio fraudulento não teria ocorrido. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO – A responsabilidade civil do Estado "lato sensu" é objetiva, nos termos do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal, respondendo pelos danos que seus agentes, nessa condição, derem causa, seja por ação, seja por omissão, cabendo à parte contrária a prova dos fatos, o nexo de causalidade e o dano. A responsabilidade civil do tabelião é pessoal e objetiva, razão pela qual o Estado apenas responde de forma subsidiária, conforme precedentes do egrégio Superior Tribunal de Justiça e desta colenda Corte Estadual, motivo pelo qual este deve ser responsabilizado subsidiariamente no caso em comento. RESPONSABILIDADE DA IMOBILIÁRIA - A relação existente entre o recorrente e a Imobiliária inquestionavelmente é de consumo, forte no disposto no artigo 14 do Código Consumerista, razão pela qual esta possui responsabilidade objetiva na hipótese de ser configurada eventual falha no serviço prestado. Contudo, a documentação juntada no feito foi capaz de comprovar que a Imobiliária cumpriu as suas obrigações, uma vez que solicitou todos os documentos necessários para o implemento da negociação e venda imobiliária, bem como certificou a autenticidade da procuração recebida com o tabelião apelado, em momento anterior à formalização da escritura pública, razão pela qual não restou configurado o defeito na prestação do serviço imobiliário e o respectivo dever de indenizar. DANOS MATERIAIS - O conjunto fático-probatório atestou que ocorreu falha na prestação do serviço por parte do notário, pelo que, o tabelião deve ser condenado a ressarcir o pagamento do valor de R$ 79.666,70 (...) a título de danos materiais, importância que deverá ser corrigida pelo IGP-M a partir desta data (Súmula 362 do STJ) e acrescida de juros moratórios de 1% ao mês desde o dia do evento danoso, qual seja, 19/07/2007. DANOS MORAIS - Os transtornos vivenciados pelo recorrente ensejam a reparação pelos danos extra patrimoniais sofridos. No tocante ao "quantum" indenizatório, valorando-se as peculiaridades da hipótese concreta, tenho que deve ser fixado o valor de R$ 10.000,00 (...), tendo em vista que a indenização por dano moral não pode ser irrisória, de modo a fomentar a recidiva, bem como deve ser apta a ser sentida como uma sanção pelo ato ilícito, sem que, contudo, represente enriquecimento ilícito à vítima. Desta feita, tendo em vista que as provas colacionadas ao feito evidenciaram que o ato ilícito foi perfectibilizado por falha na prestação do serviço do tabelião, entendo que é imperiosa a reforma da sentença, para condenar o notário, de modo direto e o Estado de forma subsidiária, ao pagamento de danos materiais causados ao ora recorrente, no valor de R$ 79.666,70 (...), devidamente atualizado, bem como danos morais no importe de R$ 10.000,00 (...). APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. (Apelação Cível Nº 70074890021, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Niwton Carpes da Silva, Julgado em 22/02/2018).

Assim, se por um lado se sabe que existe relação de consumo em algumas relações jurídicas no serviço público, entende-se que se deve saber em quais

dessas relações cabe a aplicação do CDC.

Então vejamos o que explica Ribeiro (2014), sobre o tema:

Primeiramente, encontra-se assentado na doutrina e jurisprudência nacionais que somente os serviços públicos divisíveis e mensuráveis (uti singuli), oferecidos no mercado de consumo mediante remuneração, podem ser objetos de uma relação jurídica de consumo. Em palavras outras, só se sujeitam ao CDC os serviços públicos oferecidos no mercado a usuários determinados ou determináveis, com possibilidade de aferição do quantum utilizado por cada consumidor. Desse modo, de pronto, pode-se concluir que não se cogita de aplicar o CDC aos serviços públicos prestados pelo Estado a grupamentos indeterminados (uti universi), custeados pelo esforço geral, por meio de tributação, sem possibilidade de mensuração individualizada. Tais serviços, diferentemente dos serviços uti singuli, não permitem o estabelecimento da necessária correlação entre o pagamento e o serviço prestado (por exemplo, serviço de iluminação pública).

Em um segundo momento, é indispensável analisar – para aplicação do CDC aos serviços públicos – a natureza jurídica da remuneração que é percebida em razão do serviço prestado. Prevalece o entendimento de que somente se admite a aplicação do Código de Defesa do Consumidor para os serviços públicos remunerados mediante tarifa ou preço público. 4 Dessa forma, os serviços públicos remunerados por meio de taxa não são abarcados pela tutela consumerista. Na verdade, esta exclusão da relação jurídica de consumo dá-se porque, neste último caso, os usuários não têm qualquer liberdade de escolha – um dos pressupostos para o reconhecimento da condição de consumidor –, travando-se entre eles e o Poder Público uma relação jurídica de natureza administrativo-tributária.

Dessa forma, entende-se por tributos, os quais não entram em relações consumeristas, tributos em geral, imposto, taxas e contribuições de melhorias, diferentemente de tarifas, que se enquadram em serviços, nas relações de consumo.

Assim, tudo aquilo que não depende da escolha do consumidor pagar/não pagar ou fazer/deixar de fazer, não se enquadra no CDC, pois não se trata de serviços públicos divisíveis e que está na voluntariedade do consumidor pagar ou não.

Diante desse raciocínio, tem-se que os registros notariais e registrais não estão abarcados sob a égide do CDC.

Para Benício (apud Erpen, 2016) estabelece sobre a relação de consumo nos serviços notariais e registrais:

A prestação de serviços notariais e de registro não deve ser enquadrada dentro das relações de consumo. Segundo este autor, por mais que se possa falar em autonomia administrativa dos titulares pdas serventias, essa prerrogativa não permite que seja modificada a conduta padronizada pelo sistema normativo para atender eventuais interesses do usuário. Ademais, os emolumentos são estabelecidos em lei e dela não pode o profissional se

afastar, nem para mais nem para menos, sob pena de estar promovendo falta de ética.

Para além disso, Benício (2016) ainda traz dois julgamentos do Superior Tribunal de Justiça (STJ), corroborando o entendimento acima explicitado:

O Superior Tribunal de Justiça, na sessão de julgamento de 14.03.2006, por sua Terceira Turma, sob a relatoria da Ministra Nancy Andrighi, prolatou importante decisão no julgamento do REsp 625.144/SP, em que entendeu que “a atividade notarial não é regida pelo CDC.” 15 Para a maioria dos ministros nesse julgamento, os serviços notariais e de registro gozam de natureza de serviço público típico, comparável ao serviço de peritos judiciais, sendo os emolumentos forma de remuneração com natureza de tributo, o que, por conseguinte, supostamente, implica refutar a destinação de tais serviços ao mercado de consumo.

Em julgamento mais recente, o mesmo Superior Tribunal de Justiça, contudo, fez constar na ementa do acórdão exarado no julgamento do Recurso Especial 1.163.652/PE que “o Código de Defesa do Consumidor aplica-se à atividade notarial” (cfr. REsp 1.163.652/PE, j. 01.06.2010, rel. Min. Herman Benjamin, 2ª Turma). 16 Vejamos, a seguir, os argumentos favoráveis à aplicabilidade do CDC nas relações notariais e de registro, corrente da qual somos adeptos.

Nessa diapasão, os emolumentos recebidos pela prestação da atividade notarial e registral, tem natureza tributária, sujeitando-se aos princípios inerentes ao Poder Público e a legislação de caráter exclusiva destes.

Diante disso, para Ribeiro (2014):

Em razão desse regime jurídico especial da atividade, avalizado pela Suprema Corte, não se pode negar que aquele que utiliza dos serviços notariais e registrais não é consumidor – nos termos do art. 2º do CDC –, mas sim contribuinte, que remunera o serviço mediante pagamento de um tributo. A relação jurídica existente entre o notário e o registrador e o utente de seus serviços é naturalmente peculiar, sui generis, e, ineludivelmente, encontra-se fora do âmbito de aplicação do CDC.

Para, além disso, muito embora a atividade notarial e registral sejam prestadas em caráter privativo, são serviços públicos próprios do Estado, ou seja, tipicamente estatal, regulado por lei especial, “coloca a atividade notarial e registral em status diferenciado, (...), a atividade por eles exercida e o utente desses serviços não pode ser enquadrada como relação jurídica de consumo”, conforme Ribeiro (2014).

No próximo item, será avaliado as excludentes da responsabilidade do notário e registrador.

4.3 A RESPONSABILIDADE CIVIL SUBSIDIÁRIA DO ESTADO DECORRENTE

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