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A INDÚSTRIA DO MATE

No documento História ambiental da erva-mate (páginas 88-95)

1 INTRODUÇÃO

3.4 A INDÚSTRIA DO MATE

Em parte dos estados do Paraná e de Santa Catarina a produção da erva-mate foi organizada, ainda no final do século XIX, na forma industrial. Destacou-se a Companhia Industrial Catarinense, fundada em 1890 por Abdon Batista, Ernesto Canac e Procópio Gomes de Oliveira pela fusão de suas empresas e de outras que se ligaram em uma sociedade anônima. Com matriz e indústria em Joinville, filial e indústria de mate instaladas em Buenos Aires e armazéns em cidades do Planalto catarinense e do Paraná, a Companhia atuou na produção e exportação de erva-mate e na exportação e importação de outros produtos agrícolas e manufaturados. Sua rede de comércio incluiu ainda São Paulo, Rio de Janeiro, o Uruguai e o Chile. Em 1892 ela incorporou o Banco Industrial e Construtor do Paraná, passando a operar também no setor financeiro. Os principais acionistas e diretores da Companhia (Batista, Canac e Gomes de Oliveira) tiveram expressiva presença na vida política de Santa Catarina. A Companhia foi dissolvida em 1905, com um capital muito superior ao investido na fundação.180 Também no

178 Correspondência de Francisco de Camargo Pinto a D. Pedro II, 24 abr. 1879. Certificado de depósito de projeto no Archivo Publico do Imperio, 29 nov. 1878. Desenho de uma machina para marcar barricas, 1899. Museu Paranaense.

179 Requerimento de Francisco M. Bahls ao Presidente da Província do Paraná, 23 jan. 1881. APPR.

180 ALMEIDA, Rufino Porfírio. Um aspecto da economia de Santa Catarina: a indústria ervateira - o estudo da Companhia Industrial. Dissertação (Mestrado em História), Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 1979.

Leste do Paraná se destacou a indústria de erva-mate de Agostinho Ermelino de Leão Júnior e Maria Clara de Abreu Leão, fundada em 1901, seguida por diversas outras.181

Em Mafra SC e Rio Negro PR atuaram Jordan, Gerken & Cia., com matriz em Joinville, que se anunciaram como “Exportadores de Herva Matte em vasta escala para as Republicas do Chile, Argentina e Uruguay e para o Sul do Brasil”. Nas mesmas cidades estava estabelecido, desde 1908, Emilio von Linsingen & Cia., indústria que beneficiava erva-mate, a vendia para o mercado interno e a exportava sob as marcas “Primavera”, “Saphira”, “Dona Elisa”, “Susana” e “Ely- sito”. Ainda em Rio Negro, desde o final do século XIX, atuava a empresa Alfredo de Almeida Junior que, conforme sua propaganda de 1929, era dotada “de machinismos modernos movidos á vapor e com um motor de 16 cavalos, mantendo em serviço interno uma media de 25 operarios e 26 no serviço de fabricação de barricas e outros involucros”.182

Conforme Romario Martins, ao se instalar a província do Paraná, em 1853, existiam 90 engenhos hidráulicos em operação no seu território. No município de Campo Largo PR, 18 engenhos beneficiavam a erva-mate em 1878, todos movidos pela força da água.183 Uma mudança tecnológica fundamental foi a introdução de motores a vapor nos engenhos, iniciada nas empresas de Ildefonso Pereira Correia (o Barão do Serro Azul), situadas em Antonina e Curitiba. Os melhoramentos técnicos nos secadores, pilões, peneiras, misturadores... enfim um conjunto de máquinas, combinadas com o motor a vapor, constituíram a indústria de beneficiamento do mate.184 O novo motor exigiu a queima de grandes volumes de lenha, obviamente extraídos das florestas nativas. A sobra do beneficiamento da erva também serviu de combustível, mas correspondeu a pequena fração do material necessário. O uso deste motor aumentou o risco de incêndio, como o ocorrido no engenho São Lourenço, em Curitiba, em 1905. Durante a investigação policial os peritos observaram que o engenho era bem construído, de alvenaria, tinha assoalho com barrotes de imbuia e concluíram que o

181 Instituto do Matte do Estado do Paraná. O Matte, Curitiba, n. 1, set. 1929. p. 16. MP. 182 Centenario da Colonisação Allemã: Rio Negro - Mafra, 1829-1929. Curitiba: Editora

Olivero, 1929. p. 148-192. Biblioteca Pública de Santa Catarina (BPSC) e Acervo pessoal de Maria da Glória Foohs.

183 Correspondência da Câmara Municipal de Campo Largo ao presidente da província do Paraná, 19 mar. 1878. APPR.

184 MARTINS, Romario. Ilex-mate: chá sul-americano. Curitiba: Empresa Gráfica Paranaense, 1926. p. 200-201.

incêndio fora causado por fagulhas da máquina sobre a erva estocada. De acordo com o testemunho de um trabalhador, havia uma bomba de água instalada no local para combater o fogo que, depois de acionada, não foi suficiente para apagar as chamas. O mesmo trabalhador informou que revistava o engenho todas as noites para se certificar da ausência de fogo e de cheiro de erva queimada. Todas as testemunhas ouvidas atribuíram o início do incêndio às fagulhas do motor a vapor. Para a companhia seguradora o estabelecimento tinha o valor de 128 contos de réis, dos quais 15 contos correspondiam às máquinas nele existentes.185 Há registro de outros incêndios de engenho de mate na capital, como o ocorrido em 1879, cujo prejuízo foi calculado em 10 ou 12 contos de réis.186

A indústria do mate exigiu a concentração de capital. A erva-mate esteve na origem da riqueza das principais famílias do Paraná, ela fez “viscondes e barões, criando a pequena aristocracia titulada da sociedade paranaense, a exemplo do que ocorreu com o café em São Paulo, a cana-de-açúcar no Nordeste e o cacau na Bahia. O Visconde de Nacar e o Barão do Cêrro Azul devem os seus brasões ao mate”, escreveu o jornalista Samuel Guimarães da Costa.187 A historiadora Raquel de S. Thiago chamou de “oligarquia do mate” o restrito grupo que muito se beneficiou da exportação da erva em Santa Catarina.188 Carlos Ficker atribuiu ao mate a formação das “primeiras fortunas”, que permitiram a fundação de grandes estabelecimentos comerciais em Joinville SC e sua industrialização.189 José Augusto Leandro sugeriu que parte do capital investido na indústria da erva-mate no Paraná veio do comércio de escravos e cita o caso do proprietário de engenhos em Morretes, Manoel Antonio Guimarães, que “foi o principal gerenciador do tráfico de escravos no Paraná no período do comércio ilegal”.190

185 Autos da investigação policial no engenho São Lourenço, 1905. Museu da Justiça do Estado do Paraná (MJPR).

186 Relatorio apresentado á Assembléa Legislativa do Paraná no dia 4 de junho de 1879 pelo exmo presidente da provincia, o bacharel Manuel Pinto de Souza Dantas Filho. Curityba, Typ. Perseverança, 1879. p. VI.

187 COSTA, Samuel Guimarães da. Economia ervateira. s. n., s. d. Citado por LINHARES, Temístocles. História econômica do mate. Rio de Janeiro: José Olympio Editora. 1969. p. 332.

188 THIAGO, Raquel de S. A oligarquia do mate. A Notícia, Joinville, 12 dez. 1984. AHJ. 189 FICKER, Carlos. A erva-mate e a industrialização de Joinville. Blumenau em Cadernos,

Blumenau, n. 2, p. 37-40, fev. 1963. p. 39.

190 LEANDRO, José Augusto. Em águas turvas: navios negreiros na baía de Paranaguá.

Ao lado dos melhoramentos tecnológicos que prosseguiam, outras relações de trabalho foram estabelecidas. Em 1929, por meio de sua publicação oficial, O Matte, o Instituto do Mate do Estado do Paraná defendeu que “a observação dos principios de Taylor deve orientar todo o progresso economico”. O redator principal, que assinava com o pseudônimo de “Ildefonso do Serro Azul”, possivelmente era Ildefonso Correia (1888-1949), filho do Barão de Serro Azul. No primeiro número da publicação havia uma lista com 36 empresas paranaenses ligadas ao mate, ordenadas em lógica decrescente pela quantidade exportada: Leão Júnior e Cia. figurava como a primeira, seguida pela empresa de Francisco F. Fontana, que ocupava o cargo de presidente do Instituto.191

A partir de concessão do governo brasileiro para a exploração de ervais, feita em 1882, Tomas Larangeira passou a atuar no território do que hoje corresponde ao Sudoeste do Mato Grosso do Sul e ao Oeste do Paraná. A empresa Matte Larangeira e sua sucessora, a Larangeira, Mendes e Cia., tinham exclusividade para fazer a extração e o beneficiamento de erva-mate em grande escala no Mato Grosso e se articulavam com uma filial em Buenos Aires. Além da ferrovia que levava ao Porto Murtinho, nas margens do rio Paraguai, sua estrutura de exportação de erva-mate incluiu uma ferrovia privada que ligou Guaíra a Porto Mendes Gonçalves, ao Sul do salto das Sete Quedas, em um trecho onde o rio Paraná tinha corredeiras que impediam a navegação. Um elaborado maquinário movido a vapor e uma zorra sobre trilhos permitiam o carregamento da erva-mate, a descarga de outros produtos e o embarque de pessoas em Porto Mendes Gonçalves, apesar do acentuado declive na margem do rio. O produto minimamente processado (erva cancheada) seguia pelo rio Paraná até Posadas em barcaças atreladas a lanchas a vapor. A erva prosseguia então por ferrovia a Buenos Aires, onde era beneficiada e comercializada.192 O Museu Histórico Pe. José Gaertner, situado no município de Mal. Cândido Rondon PR, guarda parte importante do maquinário utilizado pela Larangeira, Mendes e Cia. para o embarque fluvial da erva-mate e permite compreender a lógica industrial segundo a qual ela operava.

De acordo com o estudo inédito do historiador Paulo Cimó Queiroz, com os capitais aportados pelo Banco Rio e Mato Grosso, uma

191 Organização scientifica do tyrabalho industrial. O Matte, Curitiba, n. 1, p. 5, 1929. MP. 192 ARRUDA, Gilmar. Frutos da terra: os trabalhadores da Matte Larangeira. Londrina:

Eduel, 1997. WACHOWICZ, Ruy Christovam. Obrageros, mensus e colonos: história do oeste paranaense. 2. ed. Curitiba: Vicentina, 1987. BIANCHINI, Odaléa da Conceição D.

A Companhia Matte Larangeira e a ocupação da terra do sul de Mato Grosso. Campo

sociedade anônima, a “Companhia Mate Laranjeira pôde expandir sua infraestrutura e sua produção e, em seguida, seus lucros”. Os capitais foram investidos, sobretudo, na instalação do Porto Murtinho e na criação da estrutura de exportação de erva-mate. Na avaliação de Queiroz, “sem os capitais reunidos pelo banco, não teria sido possível que uma única empresa lograsse explorar, com eficiência, a vasta concessão obtida por Laranjeira”.193

Conforme pesquisa do antropólogo argentino Alberto Alcaraz, o imigrante Domingo Barthe pode ser visto como um representante paradigmático dos empresários ervateiros, pois exerceu considerável influência econômica, política e estatal, especialmente em Posadas, que se tornou um centro de comércio, de afluxo de pessoas, de contatos interétnicos e de contratação de mão de obra para as obrages e ervais da região no final do século XIX.194

Também o argentino Julio Tomas Allica e a Compañia de

Maderas del Alto Parana, ligada com a inglesa The Alto Paraná Development Company Ltda., proprietária da Fazenda Britânia, atuavam

na margem esquerda do rio Paraná, em território brasileiro, extraindo erva-mate e madeiras de qualidade. Estas empresas, a Larangeira, Mendes e Cia. e outras grandes firmas argentinas (Nuñes y Gibaja, Martinez y Co., Juan B. Molla y Co.) utilizavam o sistema de obrages. O proprietário ou concessionário das terras e organizador da obrage, o

obragero, contratava trabalhadores assalariados, os mensus, geralmente

descendentes dos Guarani que viviam no Paraguai ou Norte da Argentina, para fazer a extração e o transporte de bens florestais. A falta de outros trabalhos remunerados, a antecipação do pagamento, o isolamento pela distância, o baixo salário, as dívidas anotadas que aumentavam a cada compra no barracón do obragero e a coação pela violência física do capataz mantinham os vínculos de subordinação e dificultavam muito a saída dos mensus daquela situação de exploração. As obrages eram, por outro lado, um lucrativo sistema que contou com uma infraestrutura de portos, transporte e comunicação própria de cada empresa. A Figura 20 permite localizar as principais obrages existentes no Oeste do Paraná no início do século XX. Elas existiram até a década

193 QUEIROZ, Paulo Roberto Cimó. Joaquim Murtinho, banqueiro: notas sobre a experiência do Banco Rio e Mato Grosso (1891-1902). Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 23, n. 45, jan./jun. 2010. p. 137-138.

194 ALCARAZ, Alberto. Domingo Barthe: la gestación de una “elite” propietaria de tierras en el Territorio Nacional de Misiones entre 1870-1920 y la explotación yerbatera-maderera en el Alto Paraná. Tese (Doutorado em Antropologia Social), Universidad Nacional de Misiones, Posadas, 2013.

de 1930, quando se tornaram menos viáveis economicamente e o governo brasileiro adotou uma política de apoio à expansão de colonos e de empresas colonizadores do Sul do Brasil para Oeste paranaense.195

No Paraguai muitos ervais foram privatizados na segunda metade do século XIX e formou-se a Companhia Industrial Paraguaia. Rafael Barrett escreveu, com estilo semelhante a Émile Zola em Eu acuso, um conjunto de textos denunciando o tratamento desumano da empresa aos trabalhadores e as péssimas condições de trabalho nos ervais, que contavam com o respaldo da legislação paraguaia. Conforme Barrett sete ou oito mil léguas [quadradas] de ervais foram entregues à Companhia Industrial, à Mate Laranjeira e a outros arrendatários e latifundiários do Alto Paraná.196

195 WACHOWICZ, Ruy Christovam. Obrageros, mensus e colonos: história do oeste paranaense. 2. ed. Curitiba: Vicentina, 1987.

196 BARRETT, Rafael. O que são os ervais. Tradução de Alai Garcia Diniz. Florianópolis: Cultura e Barbárie, 2012.

Figura 20 - Mapa das principais obrages no Oeste do Paraná

Fonte: Recriado pelo autor a partir de WACHOWICZ, Ruy Christovam.

Obrageros, mensus e colonos: história do oeste paranaense. 2. ed. Curitiba:

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