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CONSERVAÇÃO DOS ERVAIS NA ARGENTINA E

No documento História ambiental da erva-mate (páginas 150-157)

1 INTRODUÇÃO

3.8 CONSERVAÇÃO DOS ERVAIS NA ARGENTINA E

Na Argentina as ações visando a conservação dos ervais nativos não foram muito diferentes daquelas realizadas no Brasil. Os “excessos horrorosos cometidos pelos beneficiadores de erva” e a regulamentação governamental existiram, pelo menos, desde 1810, sob o governo de Manuel Belgrano.366 Na década de 1830 a província de Corrientes incorporou o território de Misiones e criou uma lei específica para

363 Mensagem apresentada ao Congresso Representativo, a 22 de julho de 1927, pelo Dr. Adolpho Konder, governador do Estado de Santa Catharina. Florianópolis: sn., 1927. SANTA CATARINA. Lei n. 1487 de 17 de agosto de 1925: autoriza a regulamentação da colheita da herva matte. Florianópolis: Imprensa Oficial, 1927. SANTA CATARINA.

Decreto n. 29, de 27 de abril de 1927: regulamenta a Lei 1487/1925 e cria o Regulamento

para a colheita da herva mate. Florianópolis: Imprensa Oficial, 1927. Arquivo Histórico de Joinville.

364 ARRUDA, Gilmar. Frutos da terra: os trabalhadores da Matte Larangeira. Londrina: EDUEL, 1997. p. 34-35.

365 BRASIL. Decreto n. 8799 de 9 de dezembro de 1882. Concede permissão a Thomaz Larangeira para colher herva-matte na Província de Mato Grosso. Citado por: ARRUDA, Gilmar. Heródoto. In: INSTITUTO EUVALDO LODI. Ciclo da erva-mate em Mato

Grosso do Sul. Campo Grande: sn., 1986. p. 195-310.

366 ARGENTINA. Reglamento para la administracion de los pueblos de Misiones, 1810. Transcrito por: AMABLE, Maria Angelica; ROJAS, Liliana Mirta. Historia de la yerba

regular o acesso aos ervais, cobrar impostos e promover a sua conservação, na qual proibiu o corte das árvores de erva-mate. Em 1864 o governo correntino promulgou um regulamento, cujo foco principal era o controle do acesso aos ervais. A opção pela conservação estava claramente expressa na definição de um período anual para a coleta, na exigência do intervalo de quatro anos entre um corte e outro e na proibição de remover o broto principal do centro da árvore, considerado essencial para a recuperação da planta. Também em 1876 a província de Corrientes legislou sobre o mate e repetiu grande parte das regras contidas nos documentos anteriores. Manteve a proibição de cortar o galho principal da árvore, chamada de banderola, bem como a restrição ao corte raso, ao cultivo agrícola e às habitações permanentes no interior dos ervais. As punições previstas para os infratores incluíam, além de multa, o confisco da erva produzida e o impedimento de entrar nos ervais por até três anos. O regulamento previa ainda que parte da multa imposta fosse paga em benefício do delator.367

Alejo Peyret, um escritor franco-argentino do século XIX, considerou as medidas legais insuficientes e argumentou: “Como pode um funcionário, que não tem mais de cinquenta patacões de soldo, vigiar a extensíssima selva de Misiones?”368 Para Carlos Bossetti, comissário geral encarregado da fiscalização na década de 1880, as autoridades pouco conheciam sobre a região ervateira. Ele defendeu a privatização ou o arrendamento como formas de conservar os ervais argentinos. Os de Payi, situados então no Nordeste de Misiones e tomados aqui como exemplo extremo, estavam quase destruídos na avaliação de Peyret.369 A partir da década de 1880, quando Misiones se tornou um território da Federação Argentina, uma nova legislação sobre os ervais foi escrita. Em geral ela ratificou o regramento anterior, mas novos aspectos foram incorporados, tais como a proibição da venda de terras com ervais e, em 1894, a divisão do conjunto de ervais em quatro seções, nas quais se faria a rotação, isto é, a cada ano somente uma das seções estava liberada para a exploração. A legislação sobre os ervais argentinos continuou em constante reelaboração: em 1896 foi publicado um amplo regulamento nacional, em 1903 criou-se uma Lei de Terras que permitiu

367 CORRIENTES. Ley de 29 de octubre de 1832. CORRIENTES. Reglamento para los yerbales de las Misiones de 7 de enero de 1864. CORRIENTES. Reglamento de 20 de noviembre de 1876. Transcritos por: AMABLE, Maria Angelica; ROJAS, Liliana Mirta.

Historia de la yerba mate en Misiones. Posadas: Montoya, 1989. p. 57-64; 125-143.

368 PEYRET, Alejo. Cartas sobre Misiones. Buenos Aires: Imprenta de La Tribuna Nacional, 1881. p. 83; (Tradução nossa). BNAR.

a venda e o arrendamento de ervais e se decretou um novo regulamento para a exploração de bosques e ervais, um decreto de 1906 considerou os ervais sujeitos a mesma proteção das áreas florestais e em 1907 outro regulamento redefiniu as regras para a concessão de ervais, abertura de picadas e instalação de roçados.370

O botânico e micólogo Carlos Spegazzini constatou, no início da década de 1910, que a maioria dos ervais da província de Misiones estavam destruídos ou estragados. A única exceção eram os ervais de San Antonio, cuja exploração havia então recentemente iniciado. Os danos eram causados tanto pela população pobre e desocupada quanto pelas grandes empresas ervateiras. Os pobres “não tendo outro meio de subsistência, se dirigiam às florestas e colhiam algumas arrobas de erva que vendiam aos comerciantes de suas respectiva colônias ou povoados” e o faziam a preços irrisórios, escreveu ele. As empresas, usando o sistema de obrages, exigiam dos trabalhadores tarefeiros a extração de um mínimo de seis arrobas diárias de folhas e ramos da Ilex. Para aumentar a produtividade do trabalho, os cuidados com a erveira eram mínimos. Somente em lugares muito visíveis, como ao lado de uma picada principal, os tarefeiros mantinham a banderola. Para Spegazzini não havia dúvida de que os ervais nativos de Misiones estavam condenados a desaparecer.371

Na Ley de bosques y yerbales, enviada como projeto ao Congresso Nacional Argentino em 1915, se aspirou “resolver de modo definitivo e as múltiplas e complexas questões relacionadas com a propriedade selvícola”, integrando exploração, conservação, replantio, fiscalização e administração de florestas pertencentes ao Estado. No alcance da lei estavam os ervais e também as concentrações do quebracho colorado (Schinopsis balansae Engl.), localizadas no Centro- Norte argentino, importantes fontes de tanino para o curtume, bem como

370 ARGENTINA. Ley de venta de tierras y division de los territorios nacionales, 1882. ARGENTINA. Decreto prohibindo la venta de terrenos de yerbales, poniendo en vigencia el reglamento de 1876 y pasando al Ministerio de Hacienda el conocimiento de los assuntos relativos á yerbales, 1894. ARGENTINA. Decreto reglamentando la elaboración (sic) de los yerbales y creando su inspección, 1894. MISIONES. Reglamentando de yerbales, 1894. In: La tierra pública e su colonización. Buenos Aires: Imprenta del Congreso, 1894. BNAR. ARGENTINA. Decreto de 27 de marzo de 1896. ARGENTINA. Ley n. 4167 de 8 de enero de 1903, Ley de Tierras. ARGENTINA. Decreto de 18 de diciembre de 1903. ARGENTINA. Decreto de 1906. ARGENTINA. Reglamento de 6 de setiembre de 1907. Transcritos por: AMABLE, Maria Angelica; ROJAS, Liliana Mirta.

Historia de la yerba mate en Misiones. Posadas: Montoya, 1989. p. 150-178. BNAR.

371 SPEGAZZINI, Carlos. Al traves de Misiones. La Plata: Talleres de Joaquin Sese y Cia., 1914. p. 77; 86; 91-92. (Tradução nossa).

as áreas de ocorrência de madeiras de boa qualidade. O discurso que acompanhou o projeto de lei denominou as florestas de “riqueza pública” e argumentou que os ecos da maior prosperidade do país “chegam às florestas distantes, que pouco a pouco deixam de ser exclusivamente guarida das tribos selvagens e dos animais ferozes, para brindar seus tesouros ao homem de labor que se dirige para trabalhar neles, sob o amparo das leis liberais da República”. O projeto de lei continha um levantamento das florestas do estado, nas quais a livre exploração foi proibida. Por outro lado, ele definiu as regras para a concessão de áreas que variavam 100 a 40.000 hectares. Redigiu-se uma seção exclusiva para tratar da extração ervateira, na qual o erval foi definido na perspectiva da exploração econômica como: “todo conjunto de árvores de erva-mate [...] que permita a formação de um acampamento ervateiro, podendo ser o mínimo até três plantas por hectare, que chegaram ao seu completo desenvolvimento”. Os artigos seguintes situaram as zonas ervateiras, normatizaram o beneficiamento, regraram as concessões e visaram a conservação dos ervais. Nota-se um afrouxamento no texto legal: o artigo 46 permitiu que o Ministério da Agricultura, após avaliação, ampliasse até setembro o período de corte. O mesmo ministério também podia permitir a coleta das folhas de plantas jovens em ervais densos. Os roçados e a pecuária de subsistência próximos à floresta continuaram permitidos, mas não se podia usar o fogo para a limpeza do terreno da clareira. O artigo 52, por outro lado, classificou como “cortada sem autorização” a árvore de Ilex que fosse queimada em sua base ou sofresse algum tipo de dano. A erva-mate voltou a aparecer com destaque na parte da Lei que especificou as multas aos infratores.372

Para Ernesto Daumas, a exploração desordenada e intensiva dos ervais nativos argentinos levou ao desaparecimento da erva-mate nacional do mercado local no fim do século XIX.373 A conservação daqueles ervais também não foi assegurada pela legislação criada no início do século XX. A partir de então o cultivo da erva-mate e a formação de ervais “artificiais” conferiu uma nova lógica à atividade, que será discutida no próximo capítulo.

No Paraguai os esforços para a conservação dos ervais nativos foram marcados pela criação, em lei de 1912, da Comissão Inspectora

372 ARGENTINA. Ley de bosques y yerbales: proyecto, 1915. Buenos Aires: Talles Gráficos del Ministério de Agricultura de la Nación, 1915. p. 20; 57-86. (Tradução nossa). BNAR. 373 DAUMAS, Ernesto. El problema de la yerba mate. Buenos Aires: Asociación Argentina de

de Yerbales, composta por cinco pessoas. Esta lei definiu que um mesmo

erval não podia ser cortado antes do decurso de três anos da última coleta e restringiu o corte ao período de primeiro de janeiro a 31 de agosto. Guias de arrecadação de impostos, livros de registro, atribuições dos agentes e a previsão de punições aos infratores figuram nos demais artigos da lei. Cinquenta por cento do valor de cada multa podia ser dividido entre o denunciante, os apreensores e seu chefe. A regulamentação da lei, feita por decreto em 1913, detalhou a forma como deviam ser registrados os ervais. Outro decreto, este de 1915, completou a regulamentação ao permitir e estabelecer regras para o arrendamento de ervais públicos a exploradores privados. No ano seguinte, 1916, um decreto presidencial exigiu dos proprietários de terras contendo ervais não registrados a comprovação de que estes se formaram depois do registro. O texto legal usa as expressões “naturais” ou “artificias” para diferenciar os ervais nativos dos cultivados, evidenciando a ampliação do cultivo. Neste conjunto de medidas legais se percebe um esforço do Estado para, prioritariamente, controlar a arrecadação de impostos e ampliar a receita proveniente da atividade ervateira. A conservação dos ervais nativos, embora presente, recebeu menor atenção.374

3.9 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ficou claro que os ervais nativos não podem ser desvinculados da floresta quando se quer compreender a história ambiental da erva-mate. Os ervais eram floresta e seu extrativismo assemelhava-se ao corte da madeira, menos em um aspecto essencial: renovavam-se com maior rapidez. Enquanto uma árvore de madeira densa leva décadas para atingir o tamanho desejado pela indústria madeireira, a Ilex se renova em ciclos de quatro anos.

Existe uma importante semelhança na forma como a conservação dos ervais nativos foi tratada pelas câmaras municipais e pelos governos dos três estados do Sul do Brasil, da Argentina e do Paraguai. Todos eles criaram leis e normas para regular o acesso aos ervais, controlar sua exploração e punir os infratores. E o fizeram repetidas vezes, ou seja, reelaboraram constantemente a legislação, acompanhando as mudanças conjunturais ou cedendo às pressões dos grupos sociais envolvidos e das empresas ervateiras. Em todos os casos a existência da legislação e a

374 PARAGUAY. Leyes y decretos vigentes sobre tierras, montes y yerbales fiscales. Asuncion: Talleres Gráficos del Estado, 1919. p. 37-47. BNPY.

atuação do Estado parecem ter sido insuficientes para conservar os ervais nativos. Quando muito, ajudaram a retardar sua transformação em espaços cultivados.

A conclusão mais plausível é a de que um conjunto de complexas mudanças políticas, econômicas e sociais que vinham ocorrendo na segunda metade do século XIX e início do XX, inviabilizaram tanto o modo de vida das populações que viviam do extrativismo do mate quanto a existência dos ervais nativos.

4 COLONOS ERVATEIROS

...em pouco [mais] de dois anos apenas regredimos a um estado primitivo tal, quase igual aos caboclos nascidos lá no mato. João Weiss.

Os imigrantes procedentes da Europa que se instalaram no Sul do Brasil a partir do século XIX geralmente são vinculados pela historiografia com a produção agrícola em lotes coloniais e com a pequena pecuária. Este capítulo analisa algumas experiências de colonização no Brasil, na Argentina e no Paraguai e afirma a existência de um expressivo envolvimento de imigrantes com o extrativismo da erva-mate e com o posterior cultivo da planta, tema pouco presente na história escrita do Sul da América. Discute ainda as implicações que os projetos de colonização tiveram sobre a conservação dos ervais nativos.

No documento História ambiental da erva-mate (páginas 150-157)

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