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OS ERVAIS NATIVOS

No documento História ambiental da erva-mate (páginas 61-68)

1 INTRODUÇÃO

3.1 OS ERVAIS NATIVOS

O engenheiro Francisco Nunes de Miranda percorreu o Noroeste do Rio Grande do Sul, em 1859, a pedido do governo da província. Ele localizou várias concentrações florestais da Ilex paraguariensis: o erval do Entre-Ijuís, do Ijuí Grande, do Faxinal ou Guarda-Mor e Ramada, do Campo Novo (entre os rios Ijuí e Comandaí), do Comandai, de Giruá, de Santo Cristo, de Santa Rosa, de Inhacorá, do Campo Novo (entre os rios Turvo e Inhacorá), do Guarita e Pari, o Erval Seco e o erval do rio da Várzea. Miranda também observou a presença de engenhos de mate e de ervateiros. No erval de Santa Rosa, por exemplo, sete engenhos processavam cerca de 25.000 arrobas anuais de erva, enquanto o de Campo Novo, junto ao rio Turvo, tinha uma produção anual de cem mil

arrobas, trituradas por 18 engenhos.92 Estes ervais, pertencentes a Cruz Alta, foram considerados públicos desde a instalação do município em 1835, que os controlava e permitia o acesso mediante pagamento pela licença.93 Arroba é uma medida de peso muito utilizada na época e corresponde a 14,668 kg, sendo comumente arredondada para 15 kg. No Paraguai, contudo, a arroba equivalia a 11,475 kg.

Um estudo encomendado pela câmara municipal de Taquari, em meados do século XIX, verificou a possibilidade de se abrir um caminho daquela vila até Cruz Alta RS, desviando a colônia Santa Cruz (o nome mudou, depois, para Santa Cruz do Sul). O encarregado do estudo concluiu que “não ha lugar de bom caminho pelas tortuosidades que fui obrigado a fazer”, ou seja, a topografia da serra era um grande obstáculo. No documento, entretanto, registrou a existência de dois carijos ervateiros na cabeceira do rio Taquari Mirim e de “um grande erval rico em quantidade de excelente erva matte” nos fundos da fazenda de João Xavier de Azambuja, situada na margem direita do rio Taquari.94

A câmara municipal de Santa Cruz solicitou ao governo da província, em 1878, que realizasse o estudo para a abertura de uma estrada entre aquela vila e os campos de cima da serra, percorrendo os ervais de São João, que “exportão amnualmente 50:000 arrobas de herva matte, devendo se elevar ao dobro o dito numero de arrobas”. A estrada, além de permitir acesso ao ervais situados mais ao norte, visava ligar a região de Soledade e Passo Fundo com a capital, Porto Alegre, passando por Santa Cruz.95

Em 1876, a câmara do município de Santo Antonio da Palmeira enviou correspondência à presidência da província informando sobre a receita daquele ano, na qual a erva-mate figurou como a indústria que “presentemente é a fonte de maior riqueza publica do municipio”. Isto justificou a despesa de mais de quatro contos de réis para melhorar o acesso aos ervais do “Capô-êrê”, no distrito de Nonoai, cujo caminho achava-se intransitável.96

Nos municípios de Passo Fundo e Soledade existiram também áreas florestais com importantes ervais. A câmara municipal de

92 MIRANDA, Francisco Nunes de. Sobre os diferentes ervais, sua extensão, uberdade e

cultura. 1859. AHRS.

93 Correspondências da Câmara Municipal de Cruz Alta, 10 ago. 1852 e 18 jun. 1844. AHCA.

94 Correspondência da Câmara de Taquari, 31 jan. 1853. AHRS. 95 Correspondência da Câmara de Santa Cruz, 15 out. 1878. AHRS.

Soledade, atendendo ao pedido de informações do governo da província em 1883, destacou que a erva-mate era a principal indústria local, com exportação anual de 100.000 arrobas.97

Existiam ainda alguns ervais nas Serras do Sudeste, onde duas formações se destacam no relevo da campanha riograndense: a Serra do Herval e a Serra dos Tapes, pois atingem altitudes próximas dos 400 metros. Lindman as visitou no final do século XIX, observou a vegetação e as alterações antrópicas na floresta primitiva. Concordou então com as conclusões de Hermann von Ihering, para quem as Serras do Sudeste são o limite botânico dos louros, dos cedros e de outras árvores como a Ilex paraguariensis, isto é, são a fronteira sul do tipo de floresta que denominamos hoje de Mata Atlântica.98

Em Santa Catarina, que durante o século XIX tinha um território muito menor do que o atual, os ervais mais importantes estavam situados no Planalto norte, no vale do rio Negro e no Planalto sul, junto aos rios Pelotas, do Peixe e Canoas. Em 1860, o presidente da província de Santa Catarina, Francisco Carlos de Araujo Brusque, afirmou que poucos eram os ervais conhecidos, presumiu a abundante existência deles no município de Lages e sobre as fronteiras com Corrientes, registrou a imperfeição do fabrico da erva e sua diminuta exportação.99 A província argentina de Corrientes chegava, então, até o extremo Oeste de Santa Catarina, onde hoje está situada a província de Misiones. O município de Lages tinha uma imensa área, alcançando o atual território de Canoinhas, no Norte catarinense (Figura 16). Curitibanos se emancipou em 1869 e Campos Novos em 1881.

97 Correspondência da Câmara de Soledade, 19 maio. 1883. AHRS.

98 LINDMAN, Carl Axel Magnus; FERRI, M. G. A vegetação no Rio Grande do Sul. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1974.

99 Relatório do presidente da província de Santa Catharina, Francisco Carlos de Araujo Brusque, apresentado à Assembléa Legislativa Provincial na 1a sessão da 10a legislatura. Rio de Janeiro, Typ. do Correio Mercantil, 1860. p. 31.

Figura 16 - Limites de Santa Catarina em 1860

Fonte: Adaptado pelo autor de MACHADO, Paulo Pinheiro. Lideranças

do Contestado: a formação e a atuação das chefias caboclas (1912-1916).

Campinas: Unicamp, 2004. p. 377.

Conforme Macedo Soares, juiz de direito em Campo Largo PR, em 1875 os ervais nativos do Paraná podiam ser assim localizados genericamente: no Planalto de Curitiba, nas margens do rio Iguaçu e na imensa comarca de Guarapuava entre os rios Ivaí (rio dos Patos), Uruguai e Paraná.100 Aos ervais do extremo oeste, contudo, os ervateiros de Curitiba e do litoral paranaense não tiveram fácil acesso, pois estavam limitados pela enorme distância e a falta de estradas carroçáveis. Aqueles ervais estavam em outro contexto socioambiental: a bacia do rio Paraná e disponíveis para os ervateiros da Argentina e do

100 SOARES, A. J. de Macedo. O matte do Paraná: noticia escripta e offerecida á Comissão Central de Exposição do Paraná. Revista Agricola do Imperial Instituto Fluminense de

Paraguai. Conforme Heinze, os ervais do Paraná eram tão extensos “que poderiam supprir por varias vezes o actual consumo do globo inteiro”.101

Na Argentina a principal ocorrência de ervais nativos estava na província de Misiones, um espaço delimitado por três grandes rios: Paraná, Iguaçu e Uruguai. O mapa reproduzido na Figura 17 com adaptações situa aqueles ervais em relação às divisas atuais, mas é necessário lembrar que o território de Misiones pertenceu temporariamente à província de Corrientes (1830-1840) e ao Paraguai (1840-1865), voltando à autonomia em 1881.

Figura 17 - Ervais em Misiones, Argentina, no século XIX

Fonte: Distribuición de yerbales naturales en la actual provincia de Misiones, Argentina. sl., sn. Archivo Administrativo Histórico Municipal de Posadas (AAHMP).

O erval de Campo Grande, próximo a San Ignacio, era considerado velho no final do século XIX. O Yerbal Nuevo estava

101 HEINZE, Eduardo. O matte ou o chá do Paraná: sua extracção e seu emprego; consumo presente e futuro. Tradução de Rodolpho Speltz. Curityba: Typografia da Penitenciária do Ahú, 1909. p. 9. Biblioteca Pública do Paraná (BPPR).

situado ao Leste do primeiro, na direção do rio Uruguai e próximo do erval de Caruaguapé. Os outros, a nordeste, eram os ervais de Paranaí, Piraí, Aguarai, Pirai-Puytatyn e Tayicuá. Os ervais de San Pedro, ainda mais a nordeste, coexistiam com a araucária em extensa área, enquanto os de Itaguaimi, não representados na Figura 17, ficavam junto à costa do rio Iguaçu.102 Na década de 1910 o botânico e micólogo ítalo- argentino Carlos Spegazzini registrou que os ervais de Misiones estavam divididos em quatro regiões: de ervais velhos, de ervais novos e de San Pedro, que coincidem com a descrição anterior, acrescidos dos ervais de San Antonio, localizados no extremo Nordeste da província e pouco explorados até então.103

Na porção Leste do território paraguaio do início do século XIX existiram importantes ervais, aproximadamente representados na Figura 18. Os ervais eram considerados públicos e eram explorados a partir de concessões estatais. Conforme o viajante francês Martin de Moussy, o mais importante deles passou a ser o de Tucurú-Pucú, situado na costa paraguaia do alto rio Paraná, mas que foi privatizado e explorado por empresários paraguaios e argentinos na segunda metade do século XIX.104

102 PEYRET, Alejo. Cartas sobre Misiones. Buenos Aires: Imprenta de La Tribuna Nacional, 1881. (AAHMP)

103 SPEGAZZINI, Carlos. Al traves de Misiones. La Plata: Talleres de Joaquin Sese y Cia., 1914. p. 77-79.

104 MOUSSY, Martin de. Description géographique et statistique de la Confédération Argentine. Paris: Typographie de Firmin Didot Frères, 1860. Disponível em <http://www.culturaapicola. com.ar/apuntes/libros/>. Acesso em: 15 ago. 2012. p. 431. ABINZANO, Roberto Carlos. Procesos de integraciòn en una sociedad multietnica: la provincia argentina de Misiones (1895-1985). Tese (Doutorado em Antropologia), Universidade de Sevilha, Sevilha, 1985.

Figura 18 – Ervais nativos no Paraguai, no século XIX

Fonte: Recriado a partir de WHIGHAM, Thomas. La yerba mate del Paraguay. Asuncion: Centro Paraguayo de Estudios Sociologicos, 1991.

No documento História ambiental da erva-mate (páginas 61-68)

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