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2.4 Conceitos relacionados à indicação geográfica

2.4.1 A indicação geográfica nos tratados internacionais

As Indicações Geográficas são consideradas um bem de propriedade intelectual e, por isso, protegidas pelas leis e regulamentos que tratam do assunto. A propriedade intelectual pode ser tratada como uma aplicação da teoria econômica dos direitos de propriedade. A propriedade intelectual é territorial, isto é, tem seu alcance jurídico naqueles locais onde existem instrumentos jurisdicionais que disciplinam a sua proteção. Assim, o detentor de um bem de propriedade intelectual deve ter o trabalho de registrá-lo nos locais onde

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vislumbra um mercado potencial. Os acordos internacionais facilitam esta tarefa de proteção dos bens de propriedade intelectual (Chaddad, 1996).

A proteção da propriedade intelectual das IGs é disciplinada internacionalmente por acordos internacionais no âmbito da Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI), órgão vinculado à Organização das Nações Unidas (ONU). A aplicação desses acordos internacionais é referendada pelas legislações dos países signatários, que são: a Convenção de Paris, o Acordo de Madrid, o Acordo de Lisboa e o TRIPS16 (Gurgel, 2005).

O primeiro acordo internacional que tratou do assunto Indicações Geográficas foi a Convenção de Paris, em 1883, assinada por 98 países, inclusive o Brasil. A Convenção de Paris deu origem ao hoje denominado Sistema Internacional da Propriedade Industrial e foi a primeira tentativa de uma harmonização internacional dos diferentes sistemas jurídicos nacionais relativos à propriedade industrial. A Convenção de Paris não traz, explicitamente, em seu texto o termo indicação geográfica e nem mesmo conceitua o termo; sua importância se deve ao fato de tratar da proibição de toda falsa IG que for utilizada com a intenção de fraudar ou ludibriar o consumidor (Locatelli, 2007).

A Convenção de Paris também estabeleceu alguns princípios básicos: (a) do tratamento nacional, que reza que “os domiciliados ou os que possuem estabelecimentos industriais ou comerciais efetivos no território de um dos países membros da Convenção são equiparados aos nacionais do país onde foi requerida a patente ou o desenho industrial” e da (b) da territorialidade, que estabelece que “a proteção conferida pelo Estado através da patente ou do registro do desenho industrial tem validade somente nos limites territoriais do país que a concede” (Chaddad, 1996; Coutinho, 2003). Chaddad (1996, p. 26) considera que a “Convenção de Paris tem um grande espectro geográfico, devido ao número de países signatários, mas é muito superficial em suas

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provisões.”

O Acordo de Madrid, de 1891, trata com maior detalhe de instrumentos específicos da propriedade intelectual, especialmente da repressão de marcas com falsas indicações geográficas, definindo embargos àqueles países que comercializarem produtos com rótulos de Indicação de Procedência enganosa (Chaddad, 1996; Coutinho, 2003; Gurgel, 2005). O acordo inovou ao combater não somente as falsas IGs, mas também as enganosas (Locatelli, 2007).

O Acordo de Lisboa, firmado em 1958 e que entrou em vigor em 1966, foi uma das últimas revisões periódicas da Convenção de Paris17, tendo sido assinado por 17 países. Esse acordo trata da proteção internacional da Denominação de Origem Controlada, estabelecendo fronteiras para sua aplicação, além de relacionar o produto com atributos de qualidade (Coutinho, 2003). A adesão a este acordo foi baixa, inclusive o Brasil ainda não fez menção de aderir a ele. O receio de acatar a maioria das IGs de origem europeia pode ser um dos motivos. A adesão traria benefícios ao Brasil, pois, segundo Gurgel (2005, p. 70), permitiria “o registro internacional de nossas peculiaridades locais, protegendo-as e divulgando-as internacionalmente”. Uma das suas inovações foi a de instituir um registro internacional de denominações de origem (Locatelli, 2007).

Chaddad (1996) conclui que tanto a Convenção de Paris quanto o Acordo de Madrid são pouco efetivos na prática, pois se baseiam no uso de falsas indicações geográficas e não no delineamento de conceitos. Este fato pode ter motivado a comunidade internacional a abordar o tema novamente na Rodada do Uruguai, a partir de 1986.

Entre 1986 e 1994, ocorreu a Rodada do Uruguai, baseada no GATT

17 As outras alterações ocorreram em Bruxelas (1900), Washington (1911), Haia (1925),

Londres (1934) e Estocolmo (1967). O Brasil ratificou a ata de Haia e a de Estocolmo, esta última de 1992 (Locatelli, 2007).

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(General Agreement on Tariffs and Trade), que redundou em vários acordos assinados por diversos países, em 1994 (em Marrakesh). Estes acordos contemplam diretrizes quanto à proteção internacional de direitos autorais, patentes, desenhos industriais, marcas registradas, desenhos de chips semicondutores, segredos de negócios e as denominações de origem controlada e indicações de procedência.

O documento da Rodada do Uruguai que trata, em seus artigos, das Indicações Geográficas é chamado de TRIPS (Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights18) e pode ser considerado como a mais promissora ferramenta, da atualidade, para garantir proteção às IGs em âmbito internacional. Ele representa um avanço em relação às legislações anteriores (Grazioli, 2002), apesar de conter alguns pontos que merecem ser aperfeiçoados por diferenciar os vinhos dos demais produtos. O TRIPS é integrante do Anexo 1C, do Acordo de Marrakesh, ata final que incorpora os resultados da Rodada do Uruguai, assinada por 131 países, inclusive o Brasil (Gollo, 2006), tendo influenciado a atual legislação de propriedade industrial brasileira.

O TRIPS trata de forma diferente as Indicações Geográficas dos vinhos em relação aos demais produtos passíveis de obterem uma IG. Esta diferença consiste no fato de que o ônus da prova do uso indevido do nome da IG ordinária que cause confusão no consumidor ou se constitua em competição injusta é da parte prejudicada, o que pode levar à insegurança do processo internacional de proteção, tendo em vista que podem coexistir diferentes proteções para a mesma IG em diferentes países. No caso dos vinhos, a utilização incorreta da IG não é permitida em nenhuma hipótese, mesmo no caso do uso de um “corretivo” no nome (exemplo: Vinho do Vale dos Vinhedos, produzido no Chile). O texto do TRIPS, em seu artigo 24.1, traz a possibilidade

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Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio (tradução do autor).

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de que, em futuras reuniões, a proteção dispensada aos vinhos possa ser estendida aos demais produtos (Grazioli, 2002).